Sinopse: Quando um misterioso bebê surge a porta do advogado Matthew Murdock, também conhecido como Demolidor, o herói cego vê-se frente a um desafio mortal, que levará suas habilidades especiais - e sua fé! - até os limites mais extremos.
(Encadernação que reúne as edições 1-8 de Daredevil vol. 2)
Seria este bebê a encarnação do Anticristo?

Nada de especial

Colocar o advogado / heroi nas horas vagas Matt Murdock no meio de uma trama rocambolesca e apocalíptica não é mérito para qualquer um. O menor deslize pode transformar tudo numa pataquada sentimentalista e proselitista. Sorte que este não é o caso de "Demolidor - Diabo da Guarda", escrito por Kevin Smith e desenhado por Joe Quesada.

Quem lê, hoje em dia, esta história, acha-a até bem comum, quando comparada com outras posteriores a essa, como as celebradas e premiadas fases escritas por Brian Michael Bendis e, mais recentemente, por Mark Waid.

Capa da edição nacional
Mas temos de lembrar que esta foi uma das poucas histórias publicadas por uma grande editora na época - 1998, queridos - que respeitava todo o passado do personagem - alem de reverenciar a sensacional fase escrita por Frank Miller, trazendo elementos da já clássica A Queda de Murdock - e indicava um futuro possível, criando um plot aceitável e coerente com a então atual condição do americano médio.

Isso sem contar que tudo o que vemos atualmente no personagem deveu-se ao fato dessa história torná-lo de novo popular a ponto dele ser atraente para outros escritores e desenhistas.

Demolidor enfrenta ninjas...
espirituais?
Smith também pesquisou sobre advocacia, tornando os trechos onde Matt precisa provar ou argumentar algo legalmente falando críveis e plausíveis.

O interessante em seu texto - assim como em seus filmes - dá-se justamente pela clareza e naturalidade de seus diálogos, que torna a leitura prazerosa até mesmo para quem nunca acompanhou a trajetória do personagem. Destaque para o embate emocional entre Matt e uma certa freira, onde vemos uma dramaturgia digna de um filme.
A arte de Quesada, somada a valorosa arte-final de Jimmy Palmiotti, trouxe uma nova perspectiva ao personagem, deixando-o quase cartunesco em alguns pontos, emoldurando alguns quadros com belos arabescos - que lembravam vitrais de igreja, o que faz todo sentido na história -, para que venhamos a nos surpreender quando a tragédia bate a porta do herói.

(Mesmo que já estejamos acostumados a presenciar notícias ruins quando falamos do Demolidor, parece que os escritores nunca se cansam de fazê-lo sofrer. E como ele sofre nesta história!)

Há quem diga que o vilão escolhido para "infernizar" nosso herói poderia ter um plano melhor elaborado e que, talvez, o ultimo capítulo da história tenha sido um tanto alongado e, por isso, desnecessário. Discordo em parte pois se prestarmos atenção ao que foi dito pelo nêmesis em seu discurso explicativo - é, tem de ter um mas aqui faz mais sentido quando descobrimos quem o faz -, vemos o desespero de quem não tem nada a perder.
(Contar mais do que isso seria contar spoilers sobre a trama e estragaria a diversão de quem se interessou pela leitura)
Resumindo: adquira seu exemplar e divirta-se com uma boa e muito bem contada história. Afinal, isso não acontece todos os dias...

Uma segunda chance (de novo!)

Para analisar a importância dessa história em quadrinhos escrita pelo diretor de cinema, roteirista e nerd de plantão Kevin Smith e desenhada por Joe Quesada (com arte-final de Jimmy Palmiotti), temos de contextualizar a época em que foi publicada... Em 1998, o personagem Demolidor não estava entre os gibis mais vendidos. O fato da Marvel Comics passar pelo estado de falência e concordata também não ajudou muito - e isso quase fechou a empresa, uma vez que os gibis não vendiam tão bem quanto pensavam...

Curiosamente, o que salvou a empresa foram algumas decisões controversas: afastar Stan Lee do cargo de editor-chefe, vender os direitos dos personagens para o máximo de mídias - como brinquedos, games e cinema (que gerou filmes interessantes e lucrativos como Blade - O Caçador de Vampiros e X-Men - e outros no mínimo esquisitos como Homem-Coisa, Quarteto Fantástico, Motoqueiro Fantasma e, claro, Demolidor) - e chamar o desenhista e roteirista Joe Quesada pro cargo de editor de uma nova linha de quadrinhos mais adultos, nomeada arrogantemente de "Marvel Knights", com os então chamados "heróis de segunda linha" como Justiceiro, Viúva Negra, Pantera Negra, Inumanos e, talvez o mais "segunda linha" de todos: o próprio Demolidor!

A participação de um certo herói
aracnídeo é sempre benvinda...
O fato do herói nunca ter sido muito conhecido - apesar de ter seguidores fiéis, tornando-o cult - trazia aquela aura de que tudo poderia dar certo. E como Quesada vinha de uma editora pequena - Event Comics, de personagens como Ash, Painkiller Jane e 22 Brides -, resolveu mostrar trabalho contratando Smith para escrever as histórias do advogado cego com sentidos ampliados que combate o crime no violento bairro da Cozinha do Inferno.

Smith vinha dos sucessos de seus filmes O Balconista, Barrados no Shopping e Procura-se Amy, todos lotados de referências aos quadrinhos ( Barrados no Shopping conta com a participação de ninguém menos que o próprio Stan Lee, onde explica algo inusitado sobre um dos herois da Marvel Comics).

E Smith não era novato nos quadrinhos, visto que já havia publicado algumas histórias baseadas no "universo" de seus filmes pela pequena editora Oni Press.

Isso aliado ao carinho que os fãs tinham pelo trabalho de Quesada - desde a longínqua época em que desenhava X-Factor - ajudou a tornar o projeto popular até mesmo entre quem não curtia as histórias do "Homem sem Medo". O Demônio pousou em boas mãos novamente...

Kal J. Moon costuma pular de prédios, vestindo um colante vermelho. Quando acorda, nunca se lembra da noite anterior - exceto da dor excruciante...