Filmes coletivos são complicados de serem realizados. Geralmente, são destinados a um público específico, elitizado até. E contar várias micro-histórias que se interligam de forma coesa não é para qualquer um.

E chega aos cinemas o aguardado "Rio, Eu Te Amo", dirigido por grandes profissionais brasileiros e estrangeiros, estrelado por grandes astros do cinema nacional e internacional, prometendo transformar a cidade do Rio de Janeiro num cenário digno de grandes histórias a serem contadas.
Promessa essa que não foi cumprida a contento, diga-se de passagem.

Uma cidade de alguns

O filme inicia com uma canção "bossanovista" interpretada por Gilberto Gil - que se parece MUITO com "Samba do Avião" de Tom Jobim - e já antecipa o que veremos adiante: um Rio de Janeiro romantizado, de imagens estonteantes, para inglês ver, mas que não reflete o que vemos na vida real.
Em algum momento, até temos lampejos da rotina carioca no filme, mas mesmo esses momentos são romantizados em favor de um verniz de contemplação, como se o Rio de Janeiro fosse, obrigatoriamente, palco de adoração em contraponto a todos os seus problemas.

Ninguém é mal educado em nenhuma das histórias. Ninguém é corrupto ou galanteador, mesmo aqueles que tem motivos para tal. E isso causa uma estranheza em quem já vive e respira esse ar há tanto tempo que já sabe dizer quem nasceu nessa terra de praia e sol e quem, com certeza, não é daqui...


Por sorte, temos a excelente notícia da liberação de exibição do seguimento dirigido por José Padilha (de "Tropa de Elite") e estrelado por Wagner Moura ("Praia do Futuro"), onde um piloto de asa delta sobrevoa a estátua do Cristo Redentor e diz umas verdades sobre a "cidade maravilhosa" de forma crua, honesta e completamente fundamentada.

(Este seguimento havia sido proibido de ser exibido pela Cúria Católica e pela Prefeitura do Rio de Janeiro sob alegação de ter uma imagem considerada santa envolvida em polêmica - a liberação ocorreu justamente por chegar à conclusão de que o seguimento em questão não se tratar de tema religioso)

"Só fica aí em cima, né? Descer, você não quer! Claro! Lá embaixo não tem amor... Quando chove, alaga tudo e morre todo mundo...", diz o personagem anônimo, como se falasse com o próprio Cristo - se é a estátua ou a divindade, não é necessário especular.

O filme discorre em algumas histórias de amor tendo a cidade como pano de fundo. Isso não é novo e não há nada contra, desde que tenhamos boas histórias a serem contadas. E, como se trata de um filme coletivo, que elas tenham algum sentido ou ligação com os outros seguimentos. Mas, primordialmente, que elas se resolvam e funcionem sozinhas.

E é aí que se separam crianças e homens pois muitas das tramas apresentadas "terminam" se forma abrupta, sem dizer a que veio. Quem tinha maior capacidade de síntese, dominou a tela...


Nem todo o carisma de Fernanda Montenegro e Eduardo Sterblitch - que estrelam o seguimento "Dona Fulana" - podem nos emocionar com a história da avó que resolve virar mendiga e é encontrada por seu neto. Pois quando imaginamos o que acontecerá, o desenlace é poético, lírico mas não se encerra, fazendo-nos, inevitavelmente, perguntar "e?".

Decepção igual no seguimento escrito e dirigido por John Turturro, estrelado por ele e Vanessa Paradis. Depois de ver o casal no ótimo "Amante a Domicilio", a impressão que temos é que aqui foi tudo feito na base da improvisação...

Outras histórias são óbvias, dignas de estudantes de cinema, iniciantes, não de indicados ao Oscar e tudo o mais... 

Nem tudo está perdido...

Mesmo com todos os problemas apresentados, existem algumas histórias que valem cada segundo de exibição.


O seguimento dirigido por Guillermo Arriaga e estrelado por Jason Isaacs, Laura Neiva e Land Vieira, sobre um ex-lutador de boxe que perdeu um dos braços e deixou sua namorada aleijada após um acidente de carro, onde ele dirigia bêbado, e encontra um gringo disposto a bancar a operação e o tratamento que ela precisa por uma luta é um grande achado, mesmo que essa trama não se encerre de forma adequada.

Outra trama que merece destaque é o improvável seguimento "Vidigal", dirigido pelo oriental Sang-Soo Im e estrelado por Tonico Pereira e Roberta Rodrigues onde ele é um vampiro que tem como única amiga uma prostituta.

A história surpreende justamente ao misturar o drama da prostituição e da falta de amor com um humor muito benvindo a todo o marasmo apresentado até então. Roberta mostra maturidade nas poucas cenas em que aparece, onde nada é gratuito, nem mesmo as cenas de sexo e nudez, terminando num hilário carnaval.


Mas o filme ganha força mesmo no seguimento "Milagre", dirigido por Nadine Labaki, estrelado por ela mesma ao lado de Harvey Keitel e o ator mirim Cauã Antunes, onde um ator de cinema e sua diretora encontram um menino de rua que afirma ter o número de telefone de Jesus - sim, ele mesmo! 
Labaki consegue equilibrar drama, inocência e comédia de forma consistente, arrancando atuações que saltam aos olhos, como nenhum óculos 3D consegue.

O filme tem seus momentos, com sua primorosa direção de fotografia, algumas atuações interessantes e tudo. Mas não representa a maioria das pessoas que não moram na Zona Sul da cidade. Pena...


Kal J. Moon assistiu, criticou e levou um baita choque cultural ao sair do cinema...


Data de lançamento: 11/09/2014
Direção: Carlos Saldanha, Guillermo Arriaga, Nadine Labaki, Andrucha Waddington, Vicente Amorim, José Padilha, Sang-Soo Im, Paolo Sorrentino, John Turturro, Stephan Elliot, César Charlone.
Elenco: Harvey Keitel, Emily Mortimer, John Turturro, Fernanda Montenegro, Rodrigo Santoro, Wagner Moura, Vincent Cassel, Vanessa Paradis, Ryan Kwanten, Jason Isaacs, Bruna Linzmeyer, Michel Melamed, Marcelo Serrado, Marcio Garcia, Eduardo Sterblitch, Laura Neiva, Roberta Rodrigues, Tonico Pereira, dentre outros
Distribuição: Warner Bros.

Sinopse: Terceiro longa-metragem da série Cities of Love Rio, Eu Te Amo é uma celebração do amor na cidade do Rio de Janeiro na visão de alguns dos mais importantes diretores do cinema mundial contemporâneo. Na forma de um caleidoscópio cinematográfico capaz de refletir a diversidade humana e física da cidade, o filme conta histórias de amores passageiros, eternos, em crise, amargos ou repletos de ternura.