A "Hollyweird" de Cronenberg.

O que sempre chamou-me a atenção no trabalho de David Cronenberg é o modo como o diretor consegue fazer com que se perceba a estranheza de coisas curriqueiras. Sob sua ótica, tudo que nos é familiar se torna distorcido. O clima de quase todos os longas que dirigiu é tenso. O cenário é sempre conhecido, sem maiores alterações entre o mundo primário (real) e o secundário (ficcional), porém temos sempre a sensação de que algo não está certo, de que alguma coisa está fora da ordem. E isso não se resume ao mundo sub-criado, mas também aos seus personagens.

Em "A Mosca", de 1986, apesar de ser considerado um cientista excêntrico, imprevisível, Seth Brundle (Jeff Goldblum), assim que tem contato com a "estranha" segunda cobaia de seu experimento, torna-se, literalmente, outra pessoa, mesmo antes do início de sua mutação genética. Outro exemplo seria o personagem Nikolai de "Senhores do Crime" de 2007, belamente interpretado por Viggo Mortensen, que apesar de ser um homem violento e perigoso, de alguma forma, novamente estranha, nos passa algo de terno que destoa de sua personalidade.

Novamente somos convidados a entrar em mais um mundo sui generis de David Cronenberg em "Mapa para as Estrelas". Após um jejum de 13 anos, o roteirista Bruce Wagner volta a escrever para o cinema e entrega nas mãos do diretor a matéria prima necessária para que este nos apresente sua visão da atual Hollywood, sedutora e venenosa, com seus seletos habitantes, ao mesmo tempo glamourosos e trágicos.


O longa trata, quase que exclusivamente, da dificuldade que algumas pessoas tem em lidar com os fantasmas do passado de seus pais. Agatha Weiss, personagem de Mia Wasikowska (Alice no País das Maravilhas, 2010), é a filha mais velha de uma família desfuncional, que, apesar da fama e da fortuna, jamais conseguiu lidar com seus dilemas. Já Havana Segrand (Julianne Moore) é uma atriz frustrada que vive sobre a sombra da mãe, uma diva do cinema já falecida, mas cultuada. Ambas se conhecem através de uma amiga em comum, a atriz Carrie Fisher, a Princesa Leia de "Star Wars" (que interpreta a si mesma). Segrand contrata Weiss como sua assistente pessoal e à partir deste ponto suas vidas se entrelaçam de uma maneira inesperada.

Ocorre que, Agatha (que havia fugido do hospício) e Havana (uma mulher perturbada que faz terapia) seriam a pior companhia uma para a outra, e agora se encontravam juntas em uma relação que nada mais era que uma verdadeira receita para o desastre. Se a "Carrie Fisher" do filme de Cronenberg tivesse prestado um pouco mais de atenção no comportamento das duas, teria percebido isso e jamais teria apresentado Agatha e Havana uma para a outra...

Julianne Moore está magnífica no papel de Havana, o que lhe rendeu o Prêmio de Melhor Atriz do Festival de Cannes e Mia Wasikowska está à altura de Moore. Em alguns momentos, a atriz está diminuta em cena e aos poucos vai crescendo até se tornar uma gigante. Mia, não posso deixar de dizer é um raro exemplo de boa condução da carreira, uma vez que não ficou estigmatizada como a Alice do filme de Tim Burton, e já é uma das melhores atrizes da safra atual.


Destaque para Evan Bird, que faz o irmão mais novo de Wasikowska, e defendeu bem o papel de celebridade mirim junk e irritante. No elenco, de negativa, temos a participação de John Cusack, que demonstrou cansaço e atuou de modo forçado demais. A impressão que tive era a de que ele não queria estar ali. Já Robert Pattinson continua sendo Robert Pattinson e ainda não mostrou, ao meu ver, ao que veio.

Se você já acha o mundo das celebridades e das estrelas de Hollywood um terreno perigoso, verá em "Mapa para as Estrelas" que o buraco é, bem mais embaixo...


Marlo George assistiu, escreveu e que o título deste filme é um dos mais bem sacados de todos os tempos. Que bom que não foi adaptado no Brasil...



Data de Lançamento: 25 de setembro de 2014 - Festival do Rio
Estúdio: Focus World 
Distribuidora: Paris Filmes
Diretor: David Cronenberg 
Roteiro: Bruce Wagner 
Elenco: Julianne Moore, Mia Wasikowska, Olivia Williams, Evan Bird, Sarah Gadon, John Cusack, Robert Pattinson 
Gênero: Suspense
Duração: 111 minutos.

Sinopse: Em seu novo filme, David Cronenberg (A história da violência e Cosmópolis) conta a história dos Weiss, uma típica família hollywoodiana. Sanford é um psicólogo que fez fortuna com livros de autoajuda. Christina, sua mulher, passa a maior parte dos seus dias cuidando da carreira do filho Benjie, um astro mirim de 13 anos que acaba de voltar da reabilitação que começou aos nove. Completando a família, Agatha acaba de ser liberada do sanatório em que foi tratada por piromania criminosa. Prêmio de melhor atriz para Julianne Moore no Festival de Cannes 2014.