O best-seller de E L James, "Cinquenta Tons de Cinza", tem tanto admiradores, quanto detratores. Ao contar para o mundo inteiro o estranho amor de Anastasia e Christian Grey, James chocou puritanos, encabulou descolados e ainda excita ou assombra muita gente por aí. Em cima do muro apenas estavam aqueles que não leram o calhamaço de quase quinhentas páginas, porque aqueles que encararam a leitura logo se posicionavam. Alguns o acharam intrigante, com magnetismo animal ímpar, enquanto outros o acharam ofensivo, principalmente no que se referia ao papel da mulher nos relacionamentos amorosos. Como não li, mantenho-me no muro. Porém, assisti o filme e posso garantir que o segundo longa da carreira da diretora Sam Taylor-Johnson, que é baseado no livro, nem de longe provoca as mesmas reações que a obra original, sejam positivas ou negativas.


"Cinquenta Tons de Cinza" não passa de um filme soft porn, que sequer mostra as vergonhas saradinhas da protagonista. É tão light que o Ministério da Justiça classificou o filme como adequado para maiores de 16 anos. A violência praticada contra a mulher, alardeada por aqueles que consideram a história ofensiva e incentivadora à violência doméstica, não passa de algumas brincadeiras eróticas e uns tapinhas sem maiores consequências. Tudo com total anuência da suposta "violentada". Anastasia topava tudo.

E é justamente neste ponto que o filme erra.

Tendo em vista toda a polêmica que esta história gerou, desde 2012, ano em que o livro foi lançado, eu esperava assistir um filme ousado e violento. No mínimo, assustadoramente excitante. Mas o que vi foi uma lenga-lenga monótona, sem inspiração e com um terceiro ato sonolento. De excessivo, somente a nudez dos protagonistas, que chega a ser recatada de tanto que a câmera evitava fitá-los de alguns ângulos mais íntimos.


"Cinquenta Tons de Cinza" tem um roteiro sem grandes reviravoltas ou dramas. Não passa de uma historieta de amor entre uma menina inexperiente e um rapazola que tem problemas de relacionamento social crônicos. As personagens principais são apresentadas rapidamente e as coadjuvantes sequer aparecem direito. Tudo é muito vago e a impressão que se tem, meia hora depois que o filme começou, é de que você não conhece aquelas pessoas muito bem. E não de um modo positivo, como em um filme de suspense, por exemplo, mas negativo, porque o script é raso.

Anastasia Steele é a personagem que é um pouco menos inconsistente. Já Christian Grey é muito mal desenvolvido. Ele deveria ser um homem dominador em todos os aspectos de sua vida. Por que não mostrá-lo na direção de seu negócio, onde poderíamos nos intimidar diante de um líder sagaz e dinâmico? Grey deveria ser um "lobo alfa" em seu habitat, em seu mundo, e não apenas entre quatro paredes com uma garota deslumbrada. Faltou profundidade às personagens.

Quando as melhores linhas de um roteiro são aquelas que fazem referência a um outro filme, neste caso "A Primeira Noite de Um Homem", isso é um problema.


Dakota Johnson é esforçada e até que convence como uma jovem virgem que se impressiona com o bilionário bonitão, mas Jaime Dornan não tem o carisma necessário para interpretar um personagem maduro como o Sr. Grey. Ao invés de um executivo e empresário poderoso, Dornan mais parece um robô trajando terno. Marcia Gay Harden, vencedora do Oscar, é muito mal aproveitada, assim como Victor Rasuk, de "Os Reis de Dogtown", que é um ator competente e sempre apresenta bons trabalhos. Ambos, assim como todo o elenco coadjuvante, parecem estar no filme mais como objeto cenográfico do que como personagens. Nenhum deles tem qualquer relevância pra narrativa.

A direção de arte criou um clima tão blasé para as cenas que se passam na "Grey House", com tantos "tons de cinza", que isso, aliado à "limpeza" dos cenários, lembrava muito um filme de ficção científica barato. A fotografia, entretanto, se destaca em meio ao caos. A trilha sonora original é enfadonha e recheada com o que há de pior na música pop atualmente.


Isso tudo escancara as deficiências na direção, por pura falta de experiência de Sam Taylor-Johnson. Ela dirigiu o filme com pulso fraco e em tempo recorde. O filme foi mesmo feito às pressas, dá pra sentir isso em seus 125 minutos de duração. Muitos dos momentos mais "excitantes" do filme poderiam ter sido artisticamente apresentados, mas o que temos são transas nada originais.

Não foi dessa vez. Como já temos a confirmação da adaptação dos dois livros restantes, com a mesma equipe, pode ser que a coisa melhore no futuro.



Marlo George assistiu, escreveu e ainda está de luto por Sylvia Kristel. Nessas horas que sentimos como ela faz falta. Que saudades...