Quando um seriado baseado em personagens de histórias em quadrinhos é anunciado, uma significativa parcela do público tem lá seus receios e já aponta uma provável queda de audiência após o terceiro ou quarto episódio.

Ok. Isso é, realmente, uma constatação até um tanto recorrente. Porém, tornou-se completamente obsoleto cogitar algo do gênero quando se trata de falar sobre "Demolidor".

Um Destemido pra chamar de seu...

Tentar explicar o sucesso desse seriado não é tarefa fácil. Um elenco afiado? Sim, claro. Não tem exatamente NINGUÉM fora do tom em cena. Em NENHUMA cena. O que nos leva à direção de atores, competente, sem espaços para estrelismo ou privilégios de cenas que não tenham a ver com o contexto dos roteiros. E isso nos leva, claro, à construção de cada episódio. Como numa ida à montanha-russa, começa de forma lenta, gradual, vai pegando ritmo e, quando percebemos, já estamos nos divertindo como se já conhecêssemos o percurso.

(A consultoria de Mark Waid e Jeph Loeb - dois grandes roteiristas que escreveram fases brilhantes com esses personagens nos quadrinhos - foi de grande valia nesse sentido...)

Não podemos nos esquecer da engenhosa direção de fotografia, que nos deu diversos momentos interessantes visualmente falando, como AQUELA tomada sem cortes - quando vocês assistirem, vão imediatamente saber do que estou falando.


Mas o que realmente chama a atenção no seriado "Demolidor" é não ter a obrigação de saber cada detalhe das histórias em quadrinhos publicadas ao longo de mais de cinquenta anos para poder apreciar cada nuance, cada ponto de virada (e são muitos!), cada performance e cada resolução. 

Mesmo quem conhece a fundo essa mitologia, acaba se surpreendendo ao "esquecer", por diversos momentos, que esse é um seriado baseado num simples gibi.

Isso e o fato de ser recomendado para maiores de 18 anos, deixando uma liberdade muito maior para utilizar de violência gráfica ou mesmo sexo sem precisar se preocupar se isso não será de agrado do público. Mas tais soluções são usadas APENAS em função de cada roteiro.

E mesmo que pareça um grande clichê, é inevitável dizer que a trama de "Demolidor" pode ser comparada a uma peça de tapeçaria, onde seus múltiplos fios se entrelaçam harmoniosamente, formando uma imagem maior, que estava lá o tempo todo mas não vimos pois estávamos concentrados em outros assuntos.


Não tem como encerrar uma análise de "Demolidor" sem falar da composição de personagem do ator Vincent d'Onofrio. Seu Wilson Fisk - ou Rei do Crime - tem suas raízes estabelecidas em diversos quadrinhos (com destaque às fases escritas por Frank Miller e Brian Michael Bendis) - mas revela-se completamente novo e eficaz em grande parte por conta do tom EXATO empregado pelo ator. Estranhamente, Fisk dá medo ao mesmo tempo em que causa uma simpatia tamanha que chegamos até a torcer quando o amor bate a sua porta. d'Onofrio se revela o ator merecedor de todo o prestígio dedicado a sua carreira, quando se destacou pela primeira vez como o impetuoso soldado Pyle de "Nascido para Matar", clássico obrigatório orquestrado por Kubrick. E mesmo sendo "apenas" um seriado, seu Fisk não é pormenorizado em momento algum. Sua atuação é de um crescente tamanho que dá gosto ouvir o bom texto vindo de suas inspiradas falas, coisas que podem sair de um seriado e serem levadas à vida real.

"Demolidor" não é um seriado comum. A despeito de possuir menos episódios do que a maioria - e eu até acho que daria para ser ainda mais enxuto com pelo menos nove episódios -, sua trama cativa e seu ciclo se encerra, dando espaço e inúmeras possibilidades para uma segunda temporada.
"Demolidor" já nasceu clássico. E ao lado de "Breaking Bad", "Mad Men", "House of Cards" e "Game of Thrones", veio mudar a forma de se fazer dramaturgia na TV. Que bom!



Kal J. Moon vigia as ruas de seu bairro todos os dias pela manhã... Quando varre sua própria calçada!