Um dos maiores tabus do universo nerd/geek é que a cultura pop, em especial os games, tornam as crianças violentas e agressivas. Seria isso uma verdade ou não passa de mais uma das falácias que servem àqueles que pretendem dominar o mercado através do medo?

Neste Dia Internacional da Não Violência, tentaremos entender e, quem sabe, esclarecer esse tabu.


Por Marlo George

Em 1994, época em que eu era inspetor de alunos em um colégio público da região metropolitana do Rio de Janeiro, me deparei com um problema inusitado. Em uma reunião de pais e mestres, regada à muito suco de caju, biscoito do tipo "maizena" e pouco assunto realmente sério, foi proposto que um boicote ao desenho animado japonês "Os Cavaleiros do Zodíaco", que era exibido pela extinta Rede Manchete, era imprescindível para que os alunos não fossem desvirtuados pelos "nocivos" padrões de conduta orientais.

— Esse desenho é violento e nada cristão. Meu pastor recomendou que, toda vez que pegasse meu filho assistindo "Cavaleiros", deveria dar umas boas chineladas nele como corretivo — dizia uma das mães, entre tantas outras protetoras de sua prole.

Sério. Ela disse isso mesmo. Lembro-me de cada palavra e de minha indignação ao ver que a violência da telinha ERA combatida com violência REAL.

Eu era mais um que, como muitos na época, se encantaram com o anime. Não por seu conteúdo violento, mas por suas mensagens de amizade, coragem, determinação e altruísmo.

O desenho animado tinha sangue?

Sim!

Era violento?

Sim!

Porém, não era indicado para a faixa etária dos filhos daquelas mulheres que, em muitos dos casos, manipuladas por lideranças religiosas condenaram a animação sem observar a mensagem moral que este transmitia.

Hoje em dia, os animes (e outros produtos de entretenimento) ainda são condenados, injustificadamente, como violentos e inapropriados. Entretanto, os games são a bola da vez, e a cada produção lançada, novas denúncias surgem, alimentando ainda mais este tabu.

Mas, seriam mesmo os games violentos? As crianças podem se tornar mais agressivas ao jogar games como "GTA", "Call of Duty" ou "Mortal Kombat"?

Acredito que não. E não estou isolado nesta conclusão.

De acordo com um estudo britânico, publicado na British Medical Journal, que analisou o comportamento de 11 mil crianças em frente à TV e jogando vídeo games pelo período de 10 anos, desde 2003, foi constatado que mais de 3 horas de TV por dia pode aumentar as chances de desenvolver problemas comportamentais em crianças de 5 e 7 anos de idade, mas que o videogame não exerce nenhum efeito negativo nas características pessoais, como comportamento e atenção, nem ajuda a desenvolver doenças emocionais. Nenhum tipo de ação violenta teve relação com essa exposição.

Um estudo da Universidade de Oxford também provou que não existe relação entre a violência e o ato de jogar games “violentos”. Muito pelo contrário: jogar videogame em pequenas doses pode ser inclusive benéfico para o comportamento das crianças. Para o psicólogo que participou da pesquisa, “outros fatores na vida da criança vão influenciar mais seu comportamento”.

Há, inclusive, psicólogos e profissionais da área da saúde que sugerem que, ao jogar um game, as crianças “elaboram” uma realidade com a qual ela tem de conviver em seu dia-a-dia, e quando ela joga um game e “mata” o inimigo, na verdade está explorando em si o potencial de lidar com as adversidades.

Entramos em contato com Lucas Ribeiro, game designer e responsável pelo curso de Game Arts da REDZERO, um profissional que lida com muitas crianças e jovens que são gamers, e perguntamos pra ele qual a sua opinião sobre o assunto:

Desde o lançamento de jogos com teor violento, como Mortal Kombat e DOOM, a discussão sobre a influência dos jogos digitais persiste. Felizmente, o estudo da universidade de Oxford reitera a não-relação do videogame com o desenvolvimento de comportamentos violentos nos jogadores, o que afunda teorias de que os games tem efeito negativo na vida de crianças e jovens. Claro, tudo em excesso é potencialmente danoso, mas hoje temos mias evidências dos benefícios causados pelos jogos do que de possíveis malefícios. 

Mas claro, é imprescindível que prestemos atenção à classificação indicativa dos jogos, para saber exatamente o que estamos comprando para nós ou para nossos filhos, pois existem conteúdos não muito apropriados para jovens e crianças.

Os jogos são uma mídia comunicativa muito poderosa e benéfica, com o potencial de unir comunidades enormes. É muito bom saber que um dos maiores estigmas da indústria não é verdade! :)

Falamos também com Soleiman Esmail, pai de Rafael Esmail Zadeh, aluno de 18 anos da REDZERO:

Segundo as minhas observações o tipo do jogo não influenciou o caráter do meu filho. Ele sempre foi um menino calmo e gosta muito dos animais e sempre os tratou com muito carinho. 

No início, ele dava preferência a jogos tipo Mário Bros, que não envolve violência, mas ultimamente tem jogado também Resident Evil e semelhantes. Isso tudo só aumentou o interesse dele nas técnicas de criação e animação, causando nele um forte desejo em aprender a fazer um jogo e por consequência ele mesmo desenvolveu muitas ideias e começou a desenhar os próprios personagens e criar histórias para um jogo. Eu logo vi que isso podia muito bem se transformar numa profissão futura para ele. 

O único alerta que precisei dar foi em relação ao tempo gasto na frente do computador ou videogame e cuidar para que isso não se tornasse um vício. Um excesso nestes casos provoca danos ao comportamento da criança como cansaço, irritabilidade,  isolamento, falta de interesse nos estudos e nos assuntos da vida etc. Aliás, o vicio e o exagero em qualquer outro assunto na vida seria prejudicial.

Vejo que a função de um pai preocupado com os filhos seria orientar corretamente e dialogar bastante sem proibições e imposições. O uso de força ou o abuso da autoridade, isso sim que é um mau exemplo para o futuro da criança. Vejo o resultado do diálogo saudável hoje. Meu filho seguiu os estudos no ramo do desenvolvimento de jogos em paralelo com a escola e vejo isso uma ótima oportunidade de uma profissão futura para ele.

Tendo em vista o que foi acima relatado, não só pelos pesquisadores das Universidades inglesas, mas também por um profissional do gabarito de Lucas Ribeiro e pelo Sr. Esmail, que não vê problemas nos games, e sim oportunidades de um futuro melhor pro seu filho, fica muito difícil acatar pretensas teorias conspiratórias e absurdas daqueles que, intentando única e exclusivamente alcançar seus próprios objetivos questionáveis, tentam lançar sobre o entretenimento uma sombra de perniciosidade na intenção dos produtores e autores de tais obras. O tabu da nocividade dos games, animes, filmes, quadrinhos, ou qualquer outra forma de arte é, na minha experiente opinião, uma covardia que deve ser combatida exatamente com aquilo que estas obras proporcionam: cultura.