Dirigido por John Madden e estrelado por Jessica Chastain, Mark Strong, Gugu Mbatha-Raw, John Lithgow e Michael Stuhlbarg, "Armas na Mesa" discute um tema que sempre promove calorosas defesas e ataques: quão longe a indústria bélica pode ir para conseguir a aprovação de uma lei a favor da liberação do porte de armas aos cidadãos norteamericanos?
Srta. Sloane (Jessica Chastain) no momento de seu discurso de defesa
(Divulgação)

Quebra-cabeças, xadrez e dedos nas feridas certas

"Praticar lobby é tratar sobre antecipação. É tratar de antecipar os movimentos de seu adversário, elaborar contramedidas... O vencedor fica sempre um passo à frente de seu opositor. É tratar de surpreendê-los e não se permitir a surpresa". Essa é a primeira frase de Srta. Sloane (Chastain) profere em "Armas na Mesa" - nem é spoiler publicar isso, uma vez que está no trailer. Além de resumir ao público leigo o que é realmente a profissão de lobista, também serve para resumir todas as espetaculares ações de cada personagem durante essa complexa história.

Na trama, vemos a difícil missão da poderosa lobista Elizabeth Sloane (Jessica Chastain): liderar a luta pelo controle de armas nos Estados Unidos, diante de ações de interesses particulares que beneficiam políticos e um grupo de lobistas. Apoiada por Rodolfo Schmidt (Mark Strong) e pela assistente Esme Manucharian (Gugu Mbatha-Raw), Sloane arquiteta estratégias de antecipação e cria um ambiente hostil aos homens mais poderosos do Congresso norte-americano. O limite de sua influência é testado com medidas que confrontam até mesmo seus aliados.
Srta. Sloane (Chastain) e sua equipe: muitos panos pra manga
(Divulgação)
Okay, o tema é delicado, divide opiniões e, conduzido inadequadamente, pode virar um mero discurso panfletário filmado - o que já aconteceu algumas vezes em Hollywood. Mas o verdadeiro trunfo neste filme é justamente não tomar partido mas sim mostrar como pessoas pagas para ~"tomarem partido" lidam com uma situação dessas às vésperas de uma votação que pode significar o fim da carreira de muitos envolvidos, sejam contras ou a favor.

Mérito inicial do novato Jonathan Perera, cujo intrincado texto distribui verdadeiros desafios aos atores em cena, uma vez que cada diálogo, além de longo, oferece diversas situações dramáticas por segundo - exatamente como na vida real. Numa comparação visual, seu texto se assemelha a uma mistura de xadrez e quebra-cabeça, onde cada peça tem sua importância mas só se descobre a figura completa ao final do jogo.

Aliado ao inspirado texto, temos a primorosa direção de John Madden (indicado ao Oscar por "Shakespeare Apaixonado") que não deixa o timing cair em nenhuma cena, exprimindo de cada ator -  por menor tempo em cena que seja - a melhor cooperação possível. Curiosamente, o espectador sente que cada personagem é realmente importante na história - até porque, de fato, é.

Mas nada disso seria possível se não fosse o empenho e a performance de Jessica Chastain. Mesmo que todo o elenco esteja afiadíssimo, Chastain mostra uma composição de personagem tão crível que os espectadores podem querer assistir a mais um filme ou um seriado com a personagem - o que é bem provável. É como se os protagonistas de seriados como "Damages", "[H]ouse" e "House of Cards" fossem fundidos numa única mulher. E que mulher!
Srta. Sloane pensando se os fins realmente justificam os meios...
(Divulgação)

Completamente esnobado pelo Oscar em 2017 por conta do tema abordado - mas que deveria ter rendido o maior número de indicações -, é, de longe, um dos melhores filmes exibidos nos cinemas em muito tempo. Uma protagonista carismática e contraditória, capaz de enervar qualquer um mas, ainda assim, fazer com que queiramos saber o que ela irá aprontar em seguida, mesmo que isso signifique fazer qualquer coisa para ganhar o embate. Uma situação que não parece ter uma fácil resolução. E informação que, aparentemente, não tem fim mas, curiosamente, tudo bem acessível.

Resumindo: "Armas na Mesa" é 'O' filme que deveria ser guardado para mostrar às gerações futuras um exemplo de como deve ser feito uma boa dramaturgia. Dificilmente, outro filme surpreenderá tanto em 2017...


Kal J. Moon nunca pensou que acharia engraçada uma piada envolvendo o Evangelho de Lucas... (só assistindo pra entender!)