Trata-se de uma história baseada em fatos reais e esse apelo já é suficiente para aguçar a curiosidade da audiência. Mas não para Gibson, que novamente deturpa a história, como o fez no excelente Coração Valente, de 1995, ao afirmar no material promocional do longa que o protagonista, o herói de guerra Desmond T. Ross, foi o único "opositor consciente" a lutar contra a Tríade. Isso não é verdade. Existem relatos de muitos outros soldados que se consideravam impedidos, por ideologias de várias naturezas e não só a religiosa, de portar armas durante a Segunda Grande Guerra.
Deste modo, fica difícil afirmar se a história que está sendo contada na telona é relevante do ponto de vista histórico. Mas não estou aqui para avaliar sua aplicabilidade como fonte futura de consulta, e sim a sua função como entretenimento. E nesse aspecto, Até o Último Homem mostra à que veio. É um filmaço, como diria Marty Callner, uma produção "com poucos lances ruins".
Os figurinos, que ajudam na construção do clima "vintage" ficaram à cargo de Lizzy Gardiner, que na década de 90 fez seu debut em Priscilla, a Rainha do Deserto. Isso não é qualquer coisa. A icônica cena de Guy Pearce sob o ônibus não se tornaria clássica sem seu trabalho. Para Hacksaw Ridge (título original de Até o Último Homem) Gardiner concebeu figurinos que pareciam retirados diretamente dos tediosos filmes do Elvis Presley. Caíram justos nas personagens. O mesmo pode ser dito do departamento de maquiagem e cabelos.
O responsável pela edição do filme foi o veterano John Gilbert, que recebeu sua segunda indicação ao Oscar de Edição este ano, a primeira foi por O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, de 2001. Com decisões acertadas, a saturação e paleta de cores ficaram adequadas e o resultado final do filme é mais que satisfatório. Ficou com ar antigo sem artifícios datados. Um trabalho de qualidade.
O som do filme também é incrível, e rendeu indicações ao Oscar em edição e também em mixagem de som. Já a trilha sonora composta por Rupert Gregson-Williams não convence.
Andrew Garfield personificou o herói de guerra D. T. Ross. Com jeitão caipira simpático, conquistou sua primeira indicação ao Oscar. Merecida. Afastando-se de sua imagem de Peter Parker, da duologia O Espetacular Homem-Aranha de Marc Webb, Garfield se entrega de corpo e alma à sua personagem, garantindo-lhe personalidade e originalidade. Suas verdades e motivações são tão bem apresentadas pelo intérprete. Se Garfield vai ganhar ou não o Oscar? Certamente não, mas essa indicação é um bom indicativo de que sua carreira terá uma condução diferente daquelas que tiveram outros atores que ficaram marcados por um personagem icônico e, provavelmente, A. G. não sofrerá do "Complexo de Mark Hamill", como sofre Daniel Radcliffe, o eterno Harry Potter, por exemplo.
O restante do elenco, que conta com Sam Worthington, Vince Vaughn (legal vê-lo em um papel mais sério) e Teresa Palmer, está bem e cumpre sua função, porém, com uma exceção: Hugo Weaving, que está extraordinário. Fugindo de caricaturas e evitando os "carões" pelos quais é conhecido, Weaving está sóbrio (o ator, não o personagem). Sua construção de personagem e preparação para viver o pai de Desmond Doss deve ter sido muito intensa. Não conheço sua biografia, mas a impressão que tive é a de um ator que conhece profundamente o drama do alcoolismo para compô-lo com tamanha primazia. Se ele não o conhece, estudou muito sobre o tema. Infelizmente ele foi novamente esnobado pelo Oscar.
Vale ressaltar que Gibson foi capaz de aprender com seus próprios erros. Radical em não abrir mão de seus ideais, decidiu repassá-los para as personagens e assim, todo o modo grosseiro como tratou os nipônicos e todo o fundamentalismo religioso ficou restrito à estas e não como um conceito da obra como um todo, como aconteceu em A Paixão de Cristo. Gibson mandou seu recado, por mais reprovável que seja, mas possivelmente sairá ileso dessa vez.