Dirigido por Denzel Washington, protagonizado por ele mesmo ao lado de Viola Davis e grande elenco, "Um Limite Entre Nós" é um drama que divaga sobre um dos maiores dilemas do ser humano: vale tudo para ser feliz?
Troy (Denzel Washington) e Rose (Viola Davis) formam um casal convencional (Divulgação)

A vida dos outros...
Confesso que assisti esse filme duas vezes. Na primeira, detestei. Baseado na premiada peça escrita por August Wilson - e que é a sexta parte do "Ciclo de Pittsburgh", um conjunto de dez peças teatrais que fala dos problemas dos afro-americanos em diversos períodos de tempo (e que TODO o elenco principal do filme já havia encenado ao longo de mais de 140 apresentações) -, "Um Limite Entre Nós" é praticamente a transcrição exata da peça para o cinema.

Não entenda mal: nada tenho contra adaptações de peças teatrais para as telonas. Meu problema é que teatro NÃO É cinema. São linguagens irmãs mas completamente diferentes. E assistir "Um Limite Entre Nós" sem o filtro necessário, com toda sua verborragia, toda sua eloquência - mesmo que todos os personagens sejam pessoas de pouca instrução -, todas as marcações estritamente formais fizeram minha primeira experiência ficar muito abaixo de qualquer expectativa em relação a um filme com dois dos atores afro-americanos mais queridos de todos os tempos. E ainda tem a questão de tentar entender sobre o que é essa história...
Cory (Jovan Adepo) discute com seu pai (Washington): 'Que lei diz que tenho de gostar de você?' (Divulgação)

Na trama, por volta dos anos 1950, o lixeiro Troy (Denzel Washington) vive no subúrbio de Pittsburgh com sua esposa Rose (Viola Davis) e seu filho adolescente Cory (Jovan Adepo). Ganha pouco para sustentar a família, o irmão doente Gabriel (Mykelti Williamson) e até mesmo Lyons (Russell Hornsby), seu filho mais velho, que é músico e sempre lhe pede algum dinheiro emprestado. Divide as mágoas com o amigo Bono (Stephen Henderson) mas, apesar de rude, sem instrução e bronco por natureza, procura viver a vida da forma mais correta possível - uma vez que, quando jovem, burlou a lei até chegar o dia em que quase morreu. Até que uma descoberta muda o rumo dessa família - essa seria a trama básica, sem contar nenhum spoiler, ok?.

Daí, veio a segunda experiência. Examinando outras nuances e todos os filtros necessários para buscar a compreensão da trama, chego à conclusão de que se trata de um retrato bem fiel da vida dos outros. É como se o espectador ficasse ouvindo através das paredes durante cada conversa, cada discussão, cada risada... Há quem curta uma boa fofoca - cada um na sua. Mas mesmo que um texto embasado puramente em diálogos possa ser atraente para que seja transformado em filme, fazê-lo de forma puramente teatral pode afastar boa parte do público - até o figurino lembra algo que foi feito para teatro, com tudo muito limpo e organizado em cada local que aparece.
Troy (Washington) ajuda seu irmão Gabriel (Mykelti Williamson) com aprovação de Rose (Davis)
(Divulgação)

Ok. Pode ser que grande parte do público não teria acesso a esse texto sem um filme estrelado por Denzel Washington e Viola Davis - que dividem uma química em cena digna dos grandes astros que são (ela um pouco acima que ele) - e que esse tipo de abordagem tenha sido uma escolha feita pela própria ideia da produção em si. Se deu certo no teatro, vai dar certo no cinema, né? Bem...

Além do óbvio destaque às atuações de Washington e Davis, vale mencionar o trabalho de Mykelti Williamson como Gabriel, o irmão doente de Troy. Só quem já conheceu pessoas nesse estado difícil de lidar vai perceber o esforço que o ator desempenhou para compor sua personagem com perfeição.

"Um Limite Entre Nós" está um degrau acima para quem procura entretenimento de qualidade. É um filme muito difícil de se assistir, que levanta diversos debates ainda bem relevantes - mais de 50 anos depois - mas cujo formato talvez não seja o mais adequado para grande parte do público. Dê uma chance e tire suas próprias conclusões, ok?


Kal J. Moon ficou com raiva de Denzel e com pena de Ms. Davis. Não se faz o que ele fez...