Dirigido por Stuart Hazeldine e estrelado por Sam Worthington, Octavia Spencer, Alice Braga, Radha Mitchell e grande elenco, "A Cabana" ('The Shack') é baseado no homônimo livro best-seller escrito por William P. Young e debate o papel de Deus diante de problemas modernos.
Sarayu (Sumire Matsubara), "Papai" (Octavia Spencer), Mack (Sam Worthington)
e Jesus (Avraham Aviv Alush) presenciam algo incrível em "A Cabana" (Divulgação)

Simbolismos, parábolas e reflexões

Por duas vezes em minha vida, me recomendaram ler o livro "A Cabana". E o discurso era o mesmo: que eu ia ~"adorar" e que não era livro de auto-ajuda. Bem, não li o livro por puro preconceito, é verdade. Mas não ignoro a força que um fenômeno de vendas como esse exerce sobre a mídia e imaginei que, um dia, seria feito um filme. Este dia chegou e pude assistir o que de mais próximo uma adaptação dessa história possa chegar.

Na trama, Mack Phillips (Sam Worthington), um homem que viveu um drama pessoal com o desaparecimento de sua filha Missy, de seis anos. Enquanto Mack ainda se vê sem motivos para viver diante da fatalidade que abalou sua família, ele recebe uma misteriosa carta, que o convida a voltar à cabana onde sua filha foi encontrada morta. Nesta missão, Phillips se encontra com Papai (Octavia Spencer) e é surpreendido por revelações e ensinamentos que o ajudarão a superar esse trauma.

Que fique bem claro que nada tenho contra histórias desse sub-gênero literário. Mas o que me preocupa é a qualidade de filmes deste tipo sendo produzidos em larga escala. O roteiro de "A Cabana" é escrito por John Fusco (da recente série "Marco Polo") e os novatos Andrew Lanham e Destin Daniel Cretton. Nota-se que existe um problema de ritmo entre todos os acontecimentos da trama. Faltou estruturar melhor as personagens e seus dramas de forma um pouco mais crível. Até porque o crime que ocorre atinge toda uma família... Mas tudo bem. Talvez não seja bem isso que tenha de se prestar atenção num filme desse porte, afinal.
Mack (Worthington), Nan (Radha Mitchell) e sua família
pouco antes do desaparecimento da pequena Missy (Divulgação)

Daí, passamos à direção de Stuart Hazeldine. "A Cabana" é seu primeiro grande filme após alguns curtas e programas de TV. É nítida a inexperiência para adaptar uma história tão cultuada com o mínimo de dramaticidade e com uma visão para que a trama seja contada de forma decente na telona - porque quem curte cinema sabe que na tela grande tudo fica ~"maior que a vida" (principalmente os defeitos).

Então, verificamos o elenco. Octavia Spencer desempenha bem o papel de Deus com a personagem Elousia mas que prefere ser chamada de "Papai". Engraçada e terna num equilíbrio interessante entre comédia e drama, com cenas onde confessa gostar "especialmente" do músico Neil Young ou estar ouvindo música num aparelho celular... Ela divide o papel de Deus com Avraham Aviv Alush - um ator de ascendência palestina que vive Jesus -, Sumire Matsubara - uma atriz de feições orientais que vive Sarayu (ou "Sopro de Vida", uma alegoria para retratar o Espírito Santo) e Graham Greene - um ator canadense de traços indígenas que interpreta a versão masculina de Deus. Embora Spencer tenha maior tempo de exposição, Greene entrega uma interpretação interessante a partir do terceiro ato.

Já o elenco "humano" conta com uma atuação decente de Radha Mitchell no papel da mãe / esposa que precisa seguir em frente e cuidar de sua família após o desaparecimento de sua filha mais nova. Mas o destaque negativo de "A Cabana" é mesmo a falta de profundidade dramática do ator Sam Worthington. Curiosamente, o roteiro até entrega diversas situações para que ele pudesse desenvolver uma performance no mínimo convincente mas ele mais parece alguém muito mal escalado para o papel. Suas reações aparecem e desvanecem tão rápido que não tem como sentir o peso de cada problema de sua personagem. Fazendo um comparativo, Mark Wahlberg vive um drama parecido em "Um Olhar do Paraíso" e merecia o Oscar perto do que Worthington fez em "A Cabana".

(Para não ser injusto, existe uma cena, no terceiro ato, que sua reação é digna de emocionar. Mas ele não constrói uma atuação decente e se remonta muito rápido. Mas é provável que isso seja problema da direção canhestra e inepta de Hazeldine aliada à sua própria falta de amadurecimento dramático. Pena.)
Mack (Worthington) aprende a sovar pão com "Papai" (Spencer) e discute sobre a vida...
(Divulgação)
Outro destaque negativo vai para os (poucos) efeitos especiais apresentados. Algumas cenas soaram falsas demais, revelando o que foi feito em chroma-key e CGI - o que mostra que a produção não seja tão cara assim.

Independente de tudo o que foi dito sobre aspectos técnicos, o filme entretém em alguns momentos e emociona em alguns outros. Mesmo que o roteiro se perca em alguns debates que não se concluem e nem convencem por conta da polêmica envolvida - justamente na parte onde a brasileira Alice Braga interpreta a Sabedoria -, gera reflexão por conta das parábolas apresentadas.

Pode funcionar para fãs do livro - vi muitas pessoas chorarem aos borbotões na sala do cinema - e para pessoas que frequentam religiões advindas do cristianismo. Não devo ler o livro no fim das contas - não sou o público-alvo desse tipo de história. Portanto, se também não for sua 'praia', talvez não seja interessante assistir. Mas se quiser insistir, vá com expectativa baixa, ok? Tire suas próprias conclusões.


A mãe de Kal J. Moon é afro-americana e também chama Deus de "Papai". É mais comum do que se imagina...