Roteiro. Nada, além do roteiro, determina se um filme é bom ou ruim. Não adianta ter uma direção de fotografia estupenda, efeitos especiais magníficos, um elenco de primeira, trilha de sonora candidata à clássico moderno ou direção de arte inspirada se o longa não tiver um bom roteiro.

Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Nem sempre esta máxima de Glauber Rocha é seguida à risca e os estúdios acabam apostando alto e disponibilizando recursos para filmes com roteiros pífios. Rei Arthur: A Lenda da Espada é mais uma destas produções. O filme foi produzido com verba generosa e custou, em média, 175 milhões de dólares. Além disso, conta com elenco de astros, boa trilha sonora, efeitos especiais decentes e direção de arte inspirada. Porém, o roteiro, co-escrito pelo diretor, Guy Ritchie, e seus comparsas Joby Harold e Lionel Wigram, peca por ser bastante precário.


O próximo parágrafo contém spoilers, pois traz uma breve sinopse do filme, mas que pode comprometer sua diversão e é minha obrigação avisar isso. Portanto, se não quiser saber nada de Rei Arthur: A Lenda da Espada, pule este parágrafo, que está destacado em negrito. O texto prossegue sem a necessidade da leitura desta sinopse.

INÍCIO DA ÁREA DE SPOILERS

A trama se inicia no passado, quando Arthur ainda é um menino e seu pai, Uther Pendragon (Eric Bana), precisa se livrar da ameaça de Mordred (Rob Knighton). Uther é traído e seu reino acaba caindo nas mãos de Vortigern (Jude Law). Arthur (Charlie Hunnam) acaba indo parar em um vilarejo paupérrimo e é adotado por uma prostituta. Lá ele cresce sem suspeitar que seu pai era Rei e que ele tem direito de reclamar o reino para si, como herdeiro por nascença, até o belo dia em que ele é forçado a tentar tirar uma espada fincada, magicamente, em uma rocha. Segundo a lenda, a tal espada, Excalibur, só poderia ser retirada da pedra pelo verdadeiro Rei. Vortigern, após um evento que revelou que o herdeiro de Uther iria em breve se revelar, obriga todos os seus súditos à tentar desembainhar a espada da rocha, para descobrir quem era esse herdeiro e o executar.

FIM DA ÁREA DE SPOILERS

Para piorar, Rei Arthur: A Lenda da Espada não traz vários personagens e elementos das lendas originais. Possivelmente essas ausências serão sanadas nos próximos filmes da franquia, que foi planejada para ter seis longa-metragens. Mas isso dependerá do desempenho deste primeiro filme nas bilheterias, doméstica (leia-se, nos EUA) e internacional, além, é claro das posteriores vendas físicas e em streaming. O engraçado é que, já que se trata de uma franquia longa, Ritchie poderia ter contado apenas a história de Pendragon e Mordred. Isso enriqueceria os personagens e criaria um background muito mais amplo para Arthur e Vortigern, que poderiam ter a história contada neste longa em uma segunda parte da hexalogia.

Mas o diretor decidiu mostrar logo no primeiro ato a cena mais marcante e icônica de todas as lendas arturianas, num afobamento despropositado. E assim é o restante do filme, apressado o suficiente para entregar uma trama confusa e que em muitos momentos causa sonolência. As sequências com linguagem de videoclipe são, na ausência de definição melhor, cafonas. Especialmente a de uma perseguição em combate que foi filmada com tecnologia similar ao Go Pro.


As cenas de luta são bem coreografadas e executadas, mas a direção de fotografia é muito rígida e não há muitas novidades neste quesito. O trabalho de CG não ficou legal e tudo que é mostrado, como as criaturas e efeitos, ficaram falsos demais. Destaco os dublês digitais que foram utilizados em algumas sequências de ação, que são tão parecidos com personagens de videogame que eu até senti falta do controle do meu PS4 no cinema.

O figurino do filme é tão ruim que me fez sentir saudades das "fantasias" emplumadas e carnavalescas dos filmes medievais antigos. Parece não ter referências e transita do clássico ao urbano.

Um ponto positivo é a trilha sonora, muito maneira e com canções muito marcantes. Infelizmente foi usada no filme errado, como um vestido certo numa modelo errada. Foi composta por Daniel Pemberton, que já tinha trabalhado com Ritchie em O Agente da U.N.C.L.E., de 2015.

O elenco é muito interessante e foi totalmente desperdiçado pela história mea boca. Charlie Hunnam é um ator promissor. Com ares de galã e corpo bombado é o típico herói de ação de Hollywood, mas neste filme acaba sendo ofuscado pela falta de argumento.

Ritchie trouxe de Game of Thrones os interpretes de Mindinho, Aidan Gillen, e Roose Bolton, Michael McElhatton, apenas para servirem de figurantes de luxo. As suas personagens em Rei Arthur: A Lenda da Espada não tem a menor relevância para a trama. Vale ressaltar que o único momento divertido do filme inteiro é um diálogo travado entre Hunnam e McElhatton que é tão corrido e cheio de detalhes que ficou hilário.

Eric Bana interpreta Uther Pendragon, o pai de Arthur. Bana está inexpressivo e seu personagem é insosso e bem diferente do Rei da lenda. Outro que esbanja falta de carisma nesse filme é o simpático Djimon Hounsou, ótimo ator cujo papel no filme não está à altura de seu talento.


A grata surpresa do elenco é Astrid Bergès-Frisbey (foto acima), que desbancou as estrelas Felicity Jones, Elizabeth Olsen e Alicia Vikander, e pegou o papel "A Maga". A atriz empresta sua beleza estranha à personagem que ficou muito bem personificada, uma pena que o roteiro não ajuda.

E assim é Rei Arthur: A Lenda da Espada, um filme caro, chato e que desperdiça, mais uma vez, a oportunidade de adaptar a lenda antiga para uma nova audiência.

Interessante observar que as lendas do Rei Arthur estão em domínio público e já foram adaptadas por diversos autores, tanto da antiguidade, quanto da era moderna. Só pra citar os mais recentes temos Marion Zimmer Bradley, Bernard Cornwell, Stephen R. Lawhead e Howard Pyle. Até mesmo J.R.R. Tolkien, o escritor do maior livro do século XX, O Senhor dos Anéis, já se aventurou a recontar parte dessa lenda nos livros A Queda de Arthur e Sir Gawain and the Green Knight. Alguns destes, como Zimmer Bradley, já tiveram sua obra adaptada para o cinema. Sei que as versões de Tolkien são mais difíceis de se conseguir os direitos, mas seria pedir muito que alguém se digne a adaptar a versão de Cornwell, uma das mais festejadas atualmente no mundo?

Fica a dica!


Marlo George assistiu, escreveu e já assistiu uma versão melhor dessa lenda num banquete em Floripa.