Geralmente nós do Poltrona Pop assistimos filmes em cabines de imprensa, sessões exclusivas para jornalistas e convidados que acontecem dias antes dos mesmos entrarem em cartaz. Isso nos dá a oportunidade de fazer a crítica das produções cinematográficas antes de sua estréia. Mas isso acontece com os filmes para cinema. No caso das produções lançadas através de serviços de streaming, como Netflix, Amazon e outros, não temos credencial e por isso assistimos os mesmos assim que são disponibilizados para o público. Sendo assim, nós acabamos sabendo o que os nossos colegas, que são convidados ou tem acesso às produções previamente, acharam dos filmes e séries que são lançados por estas plataformas.

Bright, novo filme de David Ayer, vem recebendo críticas muito duras, não só da imprensa internacional, mas também da doméstica. Respeito a opinião de todos os nossos colegas críticos e jornalistas, mas acho que dessa vez houve um certo exagero de sua parte. Sim, Ayer vem de uma desastrosa parceria com Will Smith em Esquadrão Suicida, mas o conto de fadas policial que estreou hoje na Netflix é, ao contrário do filme baseado nos quadrinhos da DC Comics, imaginativo, consistente e toca, melhor, enfia um longo dedo em uma ferida secular da humanidade: O racismo.


Will Smith interpreta o policial negro Daryl Ward, que é casado com a caucasiana Sherri (Dawn Olivieri) e pai da mestiça Sophie (Scarlet Spencer). À primeira vista, a personagem de Smith parece ser um homem bem resolvido com a questão racial, porém, para Ward isso só vale para seus semelhantes, pois ele é, assim como muitos dos humanos, intolerante e preconceituoso com outras espécies que vivem no mundo feérico de Bright, os elfos, anões, orcs e, especialmente, com fadas. Ward dá o azar de ser designado para trabalhar com Nick Jakoby (Joel Edgerton), um orc da força policial que renegou sua raça serrando seus dentes e não relacionando-se com seu clã. Odiado por orcs, ignorado pelos elfos e desprezado pelos humanos, Jakoby é um idealista que pretende mudar um mundo que o odeia arriscando a própria pele. Os dois acabam tendo de lidar com segredos obscuros, ligados à magia, que podem definir o destino do mundo. Contar mais seria dar spoilers, e isso eu não faço de jeito nenhum.

Porém, posso contar-lhe que, por trás das alegorias de contos de fadas, a trama de Bright escancara na telinha muitas das mazelas que a falta de respeito, compreensão e infantilidade, inerentes ao racismo, provocam. As cenas nas quais Jakoby sofre com a intolerância dos humanos seriam hilárias, se não fossem um retrato da maneira como os próprios humanos, da vida real, agem contra aqueles que julgam dessemelhantes. Engraçado que essa questão, do racismo, já deveria ter sido resolvida no século passado, depois de tantos incidentes desagradáveis e que se provaram injustificáveis. Porém, como essa "doença" ainda não foi eliminada da alma de muitos por aí, Ayer resolveu mostrar como isso é uma babaquice sem tamanho, utilizando elementos de contos de fadas. Pra mim soou como: "Não entendeu? Quer que eu desenhe?". Só que no caso, ele filmou.

Contos de fadas, como os recontados por Charles Perrault, são moralistas. A moral da história de Bright é: Racismo, preconceito ou discriminação são atitudes injustificáveis.


Mas Bright, apesar da atitude esperta, é um filme e, assim sendo, precisa entreter. Os primeiro e segundo atos são bem interessante, abordando todas essas citadas alegorias racistas e apresentam o mundo de modo dinâmico, sem muitos detalhes desnecessários. A ação é frenética e a direção de fotografia incrível. Mas o terceiro ato conclui mal a história, apesar de fechar todas as pontas soltas.

Filmado quase que inteiramente em locações, com figurinos urbanos e raros efeitos especiais, não parece ter custado 90 milhões, conforme foi divulgado pela Netflix, sendo este seu filme mais caro já produzido. Na verdade, a impressão que passa é que Bright é mais um daqueles longas que se passam em um cenário cyberpunk por falta de orçamento.

Quem curtiu o ótimo (e obrigatório) Dia de Treinamento (2001), escrito por Ayer, e não se importa em filmes que mesclam fantasia e realidade, certamente vai gostar de Bright. Quem for racista - caso consiga fazer um esforço para entender a proposta do diretor, o que acho bastante difícil, visto que não conseguem perceber a própria ignorância -, pode acabar se ofendendo.



Marlo George assistiu, escreveu e tem uma casa infestada de fadas voadoras.