Escrito e dirigido por Aaron Sorkin, estrelado por Jessica Chastain, Idris Elba e Kevin Costner, "A Grande Jogada" ('Molly's Game') debate a legalidade de um vício, a astúcia de uma estrategista e a punição de alguém que, talvez, não tenha nada a ver com o crime estipulado em sua acusação...

Sobre abusos, blefes e a boa e velha superação
Advogados precisam conhecer a maioria dos fatos para criar uma versão factível deles que consiga convencer jurados e juízes de que aquilo aconteceu da forma que ele relata no processo. Esportistas precisam, a cada dia, superar seus limites para, numa competição importante, superar os limites dos adversários. E jogadores de pôquer precisam usar de suas habilidades matemáticas para, no momento certo, jogar tudo para o alto e mentir com convicção. Tudo isso pode ser verdade mas também pode ser apenas conjecturas para que alguém acredite na superioridade de quem relata esses "fatos". E é mais ou menos assim que "A Grande Jogada" desenvolve sua trama, mostrando personagens e situações nada críveis mas com um verniz que mistura elegância e arrogância na mesma medida.

Na trama - baseada no livro de memórias de Molly Bloom, uma ex-esquiadora que ficou conhecida como a "Princesa do Pôquer" - além de mostrar os bastidores dos jogos que tinham a participação de estrelas de Hollywood e milionários de Wall Street, o longa-metragem mostra o momento em que Molly começou a ser investigada pelo FBI, acusada de organizar eventos ilegais e de um provável envolvimento com a máfia russa.

É preciso deixar bem claro: "A Grande Jogada" é a estreia do roteirista Aaron Sorkin como diretor de cinema. Nada mais "seguro" que debutar com um texto escrito por ele próprio, certo? Bem... Se não soubéssemos que este filme é baseado num livro que conta uma história real, poderíamos facilmente acreditar que esta seria mais uma história completamente ficcional criada por Sorkin. Todos os elementos dignos de um roteiro dele estão lá: pessoas extremamente inteligentes falando coisas muito inteligentes - com curiosidades sobre a vida, o universo e tudo o mais -, diálogos quilométricos - ditos enquanto se anda de um lugar para o outro -, piadinhas e chistes jocosos que nem sempre funcionam e exposições verbais para exemplificar melhor a quem não é inteligente o suficiente para entender o que aquelas pessoas muito inteligentes estão falando em cena - mesmo que não seja algo tão inteligente assim.

Apesar disso, a direção de Sorkin desenvolve belos embates dramáticos entre os personagens de Jessica Chastain e Idris Elba - além de breves momentos entre Chastain e Kevin Costner ou de Chastain e... Michael Cera - quem diria que Cera finalmente desenvolveria bem uma composição de personagem a ponto de surpreender e brilhar em cena como um sujeito ~"fuinha", daqueles que se tem ódio em determinado momento, tamanha sua arrogância?

(DIZEM que o personagem de Cera foi inspirado em Tobey Maguire mas não existem comprovações a esse respeito)

Mesmo modificando diversos elementos ocorridos na vida real - o advogado de Molly era branco e no filme temos Idris Elba (que, convenhamos, é sempre um ganho de elenco poder contar com seu talento em cena), os locais e nomes de pessoas foram modificados (a pedido da própria Molly Bloom) e até mesmo Jessica Chastain não se parece NEM UM POUCO com Bloom para começo de conversa (lembra mais Elisabeth Hurley - mas como dispensar os recursos dramáticos de Chastain por uma bobagem como fidelidade numa hora dessas?), o roteiro escrito por Sorkin ainda usa bem o recurso de ir e voltar no tempo para mostrar diversos estados de espírito ou situações que explicam como a protagonista foi de uma frustrada esquiadora após um desastroso acidente em garçonete até se envolver com o submundo da jogatina - alguns desses momentos poderiam ser mais condensados, é verdade, mas, ainda assim, indispensáveis à compreensão da trama como um todo.

Só para ter uma ideia: a introdução inicial faz uma arguta comparação entre esportes - inclusive citando uma engraçada informação sobre os atletas e torcedores brasileiros - para mostrar o quão inteligente, sagaz e culta é a protagonista. Funciona, claro e é um estupendo começo para um filme. Porém, quando a história inteira é tratada da mesma forma, tornando parte da narrativa em algo cíclico e repetitivo, o que era interessante transforma-se aparentemente num problema. Isso sem contar em desnecessária exposição por parte da narração, quando ouvimos Jessica Chastain descrever alguns detalhes de seu uniforme de garçonete, mesmo quando estamos VENDO-A vestida em cena - e essa não ser uma informação essencialmente relevante? Por que isso acontece? Ora, porque esse é um filme escrito por Aaron Sorkin, claro!
Molly Bloom, a verdadeira Princesa do Pôquer
Em meio aos pontos positivos do filme, nenhum detalhe técnico salta aos olhos. A edição sobre a direção de fotografia comandada por Charlotte Bruus Christensen (de "Um Limite Entre Nós") é apenas "okay", sem movimentos mirabolantes mas eficazes para contar essa história. A trilha sonora composta por Daniel Pemberton (do recente "Todo O Dinheiro do Mundo") é tão "blasé" que quase não se percebe sua execução - exceto pelo clichê cinematográfico de redenção ao final do filme.

"A Grande Jogada" é um filme com uma história que merece ser contada por conta de uma grande injustiça cometida por homens contra uma mulher que ousou transitar em território majoritariamente masculino e, mesmo com motivações duvidosas, não cometeu o gravíssimo crime do qual foi acusada. Está longe de ser um filme memorável mas Sorkin não blefou (ha!) e se saiu bem em sua estreia cinematográfica - consolidando seu estilo já reconhecido na TV em diversos seriados (e ainda concorrendo ao Oscar 2018 de Melhor Roteiro Adaptado) -, amparado por um afiado elenco.




Kal J. Moon não imaginou que veria dois filmes seguidos onde Ms. Chastain teve problemas com a justiça. Precisamos parar de nos encontrar assim...