Dirigido por Ryan Coogler e estrelado por Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong'o, Danai Gurira, Martin Freeman, Angela Bassett, Forest Whitaker, Andy Serkis e grande elenco (mesmo!), "Pantera Negra" é muito mais que um filme de super-herói baseado nas histórias em quadrinhos da Marvel Comics. Continue lendo e vai entender os motivos...

Relevância e concessões
Há muito que boa parte dos críticos cobra da Marvel Studios um posicionamento mais comprometido em relação aos filmes baseados nos personagens dos quadrinhos. Sim, todos os filmes lançados nestes dez anos pelo estúdio - arrendado pelo conglomerado da The Walt Disney Company - fizeram tanto sucesso como são efetivamente lucrativos. Porém, na opinião de muitos, esses mesmos filmes, de alguns anos para cá - mais especificamente a partir de "Os Vingadores - Era de Ultron" - tem amenizado o tom para que a audiência mais jovem consiga entender a trama e, assim, consumir melhor o produto lançado nas telonas.

Com o sucesso da enorme franquia - para entender o plano geral que desembocará em breve no vindouro "Os Vingadores - Guerra Infinita" temos, sim, de assistir mais de 15 filmes -, desenvolveu-se algo parecido com a primeira trilogia Star Wars: reduziu-se o tom a partir do segundo filme, tornando-o mais infantil, para que fosse melhor apreciado por quem fosse bem jovem pudesse assistir no cinema sem ficar entediado. Se deu certo para George Lucas, também deu muito certo para Marvel, Disney e cia. Mas não é justo que apenas uma parcela do público possa apreciar um filme - ainda que este seja um produto. Filmes sérios e bem estruturados da Marvel como "Capitão América - O Soldado Invernal" estavam cada vez mais longe de ver a luz do dia, com diretores sendo trocados para se focarem na nova visão do estúdio. Bem, até agora, pois "Pantera Negra" está bem perto de se igualar - em qualidade e importância - não só ao melhor filme produzido pelo estúdio como galgar um patamar ainda mais imponente.

A trama acompanha T’Challa (Boseman) que, após a morte de T’Chaka (John Kani) seu pai e Rei de Wakanda - nos eventos mostrados em "Capitão América - Guerra Civil" -, volta pra casa na isolada e tecnologicamente avançada nação africana para a sucessão ao trono e para ocupar o seu lugar de direito como rei. Mas com o reaparecimento de um velho e poderoso inimigo, o valor de T’Challa como rei – e como o guerreiro Pantera Negra – é testado quando ele é levado a um conflito que coloca o destino de Wakanda - e do mundo todo - em risco. Confrontado pela traição e o perigo, o jovem rei precisar reunir seus aliados e liberar todo o poder do Pantera Negra para derrotar seus inimigos e assegurar a segurança de seu povo e de seu modo de vida.

O roteiro escrito pelo próprio Coogler (de "Creed") com participação de Joe Robert Cole (egresso da TV, de episódios da série "American Crime Story: Versace") faz algo bem óbvio mas que nunca havia sido pensado num filme de super-personagens: traz elementos dignos bem próximos de tragédias épicas, com ares quase shakespearianos (que pode até render comparações óbvias à animação "O Rei Leão" - algumas cenas e intenções remetem mesmo ao clássico da Disney mas o contexto é completamente diferente). Os elementos trágicos do roteiro servem para humanizar todos os personagens apresentados, dando igual importância, equilibrando suas participações, dando chance para que TODOS possam ter dado seu recado - algo inédito num filme do gênero onde múltiplos personagens tendem a ser esquecidos ou mutilados na sala de edição. Outro ponto positivo do roteiro é o tom de seu discurso. Sem precisar recorrer à verborragia desnecessária ou linguagem complicada, a trama apresenta seus elementos de forma direta, que funciona potentemente e estabelece-se ao longo da projeção. Mérito de formas inteligentes de apresentação de personagens e de situações econômicas, engendrando imediatamente a ação para depois mostrar mais elementos, repetir a rotina e implementar alguns momentos inusitados à trama, que possui pelo menos TRÊS reviravoltas que, com certeza, surpreenderão a quem achava que ia ser apenas mais um filme de origem (uma delas vai decepcionar um pouco mas foi uma escolha sábia se olharmos o conjunto). E ainda trabalha bem a "intriga palaciana" (digna de um "Game of Thrones", por exemplo), mostrando que a dinastia de Wakanda tem alguns esqueletos no armário real...

Com um elenco numeroso como esse, é difícil apontar destaques sem deixar passar algum nome mas Chadwick Boseman defende bem o papel-título, num misto de super-herói, guerreiro, diplomata, governante e agente secreto (tem uma cena que todo mundo vai se lembrar de "007 - Operação Skyfall"!). Danai Gurira também se destaca por sua composição da General Okoye, que lidera a guarda real de T'Challa, mas numa posição tanto física quanto política. Lupita Nyong'o faz de sua Nakia um pouco mais que apenas interesse romântico do herói, sua participação é ativa porém um pouco menor que o esperado. Letitia Wright vive Shuri, irmã de T'Challa e quem comanda toda a parte tecnológica de Wakanda - ela serve mais como alívio cômico em diversas cenas (algumas meio pesadas que podem ser consideradas ~"brancofóbicas" se apresentadas fora de contexto) mas tem função intrínseca na trama. Forest Whitaker interpreta o ancião Zuri, está bem (embora lembre um pouco sua personagem em "Rogue One") e tem uma participação breve mas primordial numa daquelas reviravoltas citadas acima (contar mais seria dar um baita spoiler e essa não é nossa intenção). Porém duas personagens roubam a cena: Ulisses Klaue e Killmonger. Klaue é personificado por um insano, debochado, visceral mas sobretudo excelente Andy Serkis, mostrando que é um ator que já deveria ter sido agraciado com premiações por suas interpretações ímpares. Já Killmonger é vivido com dignidade por Michael B. Jordan como alguém que luta por justiça mas a seu próprio modo. Suas falas ainda tem o poder de trazer o cinza do mundo atual - e virtualmente real - às tintas coloridas e fabulosas dos super-heróis, com toda sua fantasia, revelando as injustiças cometidas por quem jurou defender seus compatriotas. E quando falamos em justiça, o roteiro deixa bem claro que para que isso ocorra, algumas mortes serão necessárias. E quando falamos em mortes, falamos de mortes IMPORTANTES - contei pelo menos quatro -, portanto, não se apegue a alguns personagens, por mais bem representados que sejam, ok?

Porém, nem tudo são flores roxas de elixires revigorantes. "Pantera Negra" sofre das deficiências técnicas da grande maioria dos filmes desse sub-gênero. A começar por seu visual. Ainda que o figurino desenvolvido por Ruth E. Carter (indicada ao Oscar por seu trabalho em "Amistad" e "Malcolm X") seja deslumbrante, colorido e muito bem produzido, ou a bela direção de arte construída por Hannah Beachler para trazer Wakanda à vida (sério, é uma metrópole MUITO instigante visulamente, sincretizando tecnologia, futurismo e tradição africana, que poderia muito bem existir na vida real), grande parte do trabalho é reduzido por conta da cinematografia comandada por Rachel Morrison (indicada ao Oscar 2018 pelo recente "Mudbound"). Motivo? Boa parte do filme exagera no uso de imagens geradas por computador, tendo de recriar boa parte do que foi estabelecido tecnicamente. Algumas cenas desnecessárias - como externas - feitas em CGI ficam "falsas" demais para o que foi pretendido originalmente, como se víssemos uma gigantesca cena de um videogame.

Outro problema grave vem do roteiro, insistindo em expor informações de forma nada inteligente - nem sutil - para explicar como funciona o traje do herói ou uma aparelhagem de extração de minério. Além de algumas incongruências como uma personagem rechaçar outro para, em seguida, contar tudo o que sabe, sem nem ao menos saber suas intenções e se é confiável. Parte do humor do roteiro é usado "contra" personagens de pele branca. OK, em Wakanda, afro-descendentes são maioria mas tratar a quem é estrangeiro com ironia ou mandar calar a boca - sem rodeios - pode parecer engraçado a princípio mas, no fundo, não passa de falta de educação. O problema é se o comportamento visto em tela começar a ser imitado na vida real. Sabemos que, por muito menos, o mundo está do jeito que está. E algumas cenas de ação precisavam de mais alguma elaboração para ficar simplesmente fantásticas e impactantes, sendo apenas "okay".

Mesmo com algumas (poucas) deficiências na execução, a visão e o tom do discurso do diretor fez-se valer tonando o filme em algo quase "fabuloso", onde o heroi enfrenta os próprios segredos de seu reinado e termina por se preparar para encarar um mundo inteiro de ignorantes, mesmo que tudo o que deseja seja ajudar. Mas não tem como não aplaudir um filme com elenco majoritariamente afro-descendente, onde apenas SEIS personagens de pele branca tem fala - e TRÊS deles morrem até o fim da história! - mas que defende, acima de tudo, que o mundo inteiro é uma tribo só e que todos deveriam se ajudar. "Pantera Negra" não é apenas um filme diferente mas extremamente necessário. Talvez o mais necessário filme de super-heróis de todos os tempos, sem exageros - mudando apenas a cor da pele dos protagonistas mas mantendo a epítome de sua criação. Se isso está errado, não quero o que está certo. Não mesmo.




Kal J. Moon aplaude de pé toda e qualquer iniciativa que eleve o espírito humano. Queremos mais disso, Marvel...