A realeza nerd, composta por membros de sangue-azul como Harry Knowles, Kevin Smith e J.J. Abrams, pode ser ampliada em breve, e Marlo George, esse mero editor plebeu que vos escreve, revela o motivo.


Recentemente, conforme foi noticiado pelo site Entertainment Weekly, o Amazon Studios revelou os nomes de dois roteiristas para a sua série original baseada na obra de J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis. São eles JD Payne e Patrick McKay, que no anuncio disseram o seguinte:

“O rico mundo que J.R.R. Tolkien criou é cheio de majestade e coração, sabedoria e complexidade. Estamos absolutamente animados com a parceria com a Amazon para trazer isso à vida de novo. Nos sentimos como Frodo, deixando o condado, com tanta responsabilidade sob nossos cuidados — este é o começo da aventura de uma vida.” 

Conforme cita a matéria da EW, tanto JD Payne, quanto Patrick McKay não tem experiência em séries de TV. Na verdade, ambos não tem experiência nenhuma, seja na TV ou no cinema, pois jamais assinaram roteiro algum, sendo oriundos da equipe de roteiro de Star Trek: Sem Fronteiras, filme de 2016, e sequer receberam crédito por isso.

Porém, ao que tudo indica, a dupla Payne/McKay está em alta e já são apostas de grandes estúdios, como a Paramount, por exemplo, que irá entregar nas suas mãos o roteiro do tão esperado novo filme de Star Trek, que contará a história do pai do Capitão Kirk, George Kirk, interpretado por Chris Hemsworth. Eles ainda integram a equipe de roteiro de Godzilla vs. Kong, que entrará em cartaz em 2020.

Bem, a falta de experiência não é um indicativo de que a dupla possa vir a fazer um trabalho aquém do esperado na série tolkieniana da Amazon. Existem casos, e não são poucos, de roteiristas que entregaram primeiros trabalhos primorosos. O próprio Sylvester Stallone tinha uma carreira similar à da dupla Payne/McKay quando foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro por Rocky: Um Lutador, de 1976. Antes disso, o futuro astro de filmes de ação só tinha contribuído com o roteiro de Os Lordes de Flatbush, de 1974, e escrito, sob o pseudônimo Q Moonblood, um episódio para a série de TV The Evil Touch, de 1973.

A EW cita, inclusive, que o sucesso de Game of Thrones veio das mãos de dois roteiristas sem experiência em TV, David BenioffD.B. Weiss. Verdade seja dita, Game of Thrones é uma série com viés cinematográfico e Benioff já tinha escrito para filmes com temática fantástica e heróica, Tróia, de 2004 e X-Men Origens: Wolverine, de 2009. Game of Thrones foi o primeiro trabalho de Weiss, assim como o trilogia O Senhor dos Anéis foi o primeiro roteiro de Philippa Boyens.

Ocorre que, WeissBoyens tinham ao seu lado parceiros já calejados como Benioff e o casal Fran Walsh e Peter Jackson, respectivamente. JD Payne e Patrick McKay, até o momento, não tem nenhum nome de peso ao lado. Isso pode ser bom, pois dará liberdade aos dois, que já trabalharam juntos, de criar sua própria visão e assinatura no projeto. Resta-nos aguardar pra ver se a dupla corresponderá com um resultado à altura da obra de Tolkien, como fizeram Fran Walsh, Philippa Boyens e Peter Jackson, quase vinte anos atrás.

Por outro lado, caso a primeira temporada, de um total de cinco anunciadas, não seja bem aceita pela crítica e pelo público, especialmente os fãs de carteirinha de Tolkien, o futuro da dupla pode ser bastante incerto.

Payne/McKay X O Mundo Nerd

O Senhor dos Anéis era uma obra literária que muitos acreditavam ser impossível de ser adaptada para outras mídias. Houveram tentativas frustradas, até mesmo por diretores renomados, como Ralph Bakshi, mas todas as animações e filmes toscos, que foram lançados antes da mega produção oscarizada de Peter Jackson, só reafirmavam essa certeza.

De lá pra cá, os fãs de J.R.R. Tolkien (eu, incluso) ouvimos rumores infundados de que a saga do anel poderia ser rebootada. Fake news em sua maioria, até que a Amazon anunciou um projeto bilionário que iria ter cinco temporadas para TV, em streaming, e novas histórias sobre a Terra-média. A decisão de não recontar a história, tarefa tão bem realizada pela trilogia do cinema, é um dos maiores acertos da Amazon. Se eles tivessem resolvido recontá-la, criariam um produto que já nasceria tendo um paradigma poderoso. Ora, como eles poderiam fazer frente à uma produção que utilizou-se das melhores pessoas possíveis para realizá-la?

Como ter uma visão melhor da Terra-Média que a de Alan Lee e John Howe, desenhistas que deixaram sua marca em diversas edições dos livros originais e que eram os responsáveis pela arte conceitual da trilogia?

Como compôr trilha sonora melhor que a de Howard Shore, que trouxe o clima de Arda para o mundo real?

Seria possível concorrer com três filmes que juntos foram indicados à 36 Oscars, dos quais levou 16 pra casa?

A resposta para as três perguntas é bem fácil de responder: Não!

Com o anuncio da dupla de roteiristas, o próximo passo é convencer a base de fãs do escritor e dos filmes. Os primeiros são mais exigentes e não engolirão invenções que passem longe do espírito dos livros de Tolkien. Certamente Payne/McKay precisarão suar a camisa para entregar algo que agrade à essa parcela dos fãs. Já os fãs dos filmes de Peter Jackson estarão ávidos por mais de seus personagens favoritos. Certamente reagirão mal aos anúncios de elenco, caso os atores da trilogia não reprisem seus papeis, e irão criar muito debate nas redes sociais.

O próximo round da luta de Payne/McKay contra o mundo nerd será contra os trekkies.

Star Trek 4, que possivelmente será lançado depois da série tolkieniana, pode flopar pelo fato de que grande parte dos trekkers (como se denominam os fãs mais ardorosos e dedicados de Star Trek) não engolem a linha do tempo Kelvin  — iniciado com o reboot de J.J. Abrams, em 2009 — e isso pode resultar em um novo resultado aquém do esperado, como ocorreu em Star Trek: Sem Fronteiras. O público comum até já ouviu falar da série e dos filmes baseados na obra de Gene Roddenberry, mas pouco conhecem sobre o universo Star Trek. Muito menos se importam o suficiente para alargarem as filas dos cinemas.

Do que houve de mais recente na franquia, apenas Star Trek: Discovery se destacou, sendo uma das séries mais comentadas nas redes sociais no segundo semestre de 2017, quando entrou na grade da CBS All Access e Netflix. Tal resultado foi suficiente para a CBS anunciar recentemente novidades no universo prime, cuja linha do tempo inclui todas as séries e filmes originais da franquia trekker.

Isso pode ofuscar Star Trek 4, que será lançado antes do tão falado filme trekker do Quentin Tarantino. Esse sim, que ao que tudo indica se passará na linha do tempo Kelvin, pode chamar alguma atenção. Não por ser um produto Star Trek, mas por ser uma obra tarantinesca.

Tendo isso tudo em vista, não há como não admitir que, caso tenham êxito nestes dois projetos, JD Payne e Patrick McKay serão "os novos Reis do universo geek", assinando seus nomes nas mais importantes obras da fantasia e da ficção científica, O Senhor dos Anéis e Star Trek, respectivamente.

Espero que eles não estraguem tudo. Caso contrário, o ostracismo os aguardará.