Escrito pelo polêmico Tom King e desenhado por Mitch Gerads, "Senhor Milagre - Volume 1" mostra as consequências reais de um super-herói enfrentando o pior dos inimigos: a depressão.


O agonizante silêncio do talvez
Confesso que foi um tanto difícil ler essa curiosa história em quadrinhos. Não por alguma falta de qualidade nos quesitos técnicos. Afinal, o roteiro de Tom King é bem escrito e adequadamente amarrado a um final ao mesmo tempo esperado mas, ainda assim, surpreendente - e ainda mostra a vida de uma sub-celebridade vivendo entre nós, tolos mortais..

A elegante arte de Mitch Gerads remete aos experimentos de mestres como Eisner, Gibbons e Chaikin numa surpreendente paráfrase e ineditismo.  As ambivalentes cores do projeto - também elaboradas por Gerads - tornam a leitura agradável em alguns momentos e angustiante em outros. O "problema" é justamente o que se espera de uma boa história: a identificação.


Na trama, Scott Free é o maior artista de fugas de diversos mundos. Mas, gozando de fama e boa vida na Terra, o herói também conhecido como Senhor Milagre pode finalmente ter encontrado uma armadilha tão complexa que nem mesmo ele pode escapar: a morte.

Dito isto, é bem complicado não se identificar com o protagonista caso o leitor já tenha passado por diagnóstico de depressão. Ou com o desespero contido de - sua esposa e companheira de aventuras - Grande Barda, se já teve algum ente querido, amigo ou colega de trabalho que tenha sofrido com o mal do século 21.

Mesmo que parte da trama envolva uma disputa por poder, uma intriga palaciana ao estilo "Game of Thrones", uma guerra iminente e o fim do universo como o conhecemos, isso tudo é pano de fundo para mostrar com sensibilidade e precisão como se sente alguém com sintomas de depressão, ansiedade, síndrome do pânico e afins.

Talvez esse seja o alerta mais minucioso a respeito de algo tão sério, revelando que ora a pessoa está bem, desempenhando sua função perfeitamente - até porque a vida não pára só pelo "simples" motivo de se estar "doente" (com tanta gente chamando de "frescura", é até passível não chamar depressão de doença "séria" - risos de sarcasmo) - de alerta e lamento, que tenhamos de passar por tudo isso sem nem mesmo ter uma explicação plausível sobre o assunto.

O único real "problema" da história é justamente ter de continuar numa segunda edição. A cena final da edição original parece bem satisfatória se olharmos a obra em retrospecto. King amarra bem as pontas soltas, mesmo sem quaisquer contextualizações  - pois quem está doente não liga muito para o real sentido por trás de seus problemas: ou quer se livrar deles ou quer acabar logo com tudo, às vezes à força.

"Senhor Milagre" é um gibi necessário onde vemos situações mirabolantes de quadrinhos de super-heróis perfeitamente mesclados aos problemas do dia a dia com maestria e real adequação ao tema. Não à toa, ganhou diversos prêmios importantes e o prestígio tanto da crítica quanto do público. Obras de arte não surgem todos os dias. Corra e leia antes que acabe... Vale cada centavo.



Kal J. Moon recomenda que, se você leu essa crítica e está sentindo algum sintoma de depressão, pânico, ansiedade ou algo parecido, procure tratamento médico adequado - ou entre em contato com o CVV. No começo não será fácil - como nada na vida -, mas é o melhor a ser feito.