A apresentação do mais novo herói da DC nos cinemas funciona, mas causa um pouco de vergonha alheia


O filme que inaugurou a nova era dos filmes da DC Comics no cinema, O Homem de Aço, tem uma cena que faz referencia óbvia à série Super-Herói Americano (1981-1983). A referida cena é aquela na qual podemos ver o Superman atabalhoadamente fazendo seu primeiro vôo. Destôa totalmente do restante do longa, que após a trapalhada repentina do kryptoniano, para um breve alívio cômico, voltou a ser o épico heróico que se propôs.

Deu um pouco de vergonha alheia, mas era apenas um momento mais relax, que deixava o filme um pouco mais leve, mesmo que por um breve momento.

Agora, imagine um filme inteiro no qual um meta-humano da DC brinca com seus super-poderes, testando-os das maneiras mais idiotas e irresponsáveis possíveis. Pois é, este filme é Shazam!, novo longa do Universo Cinematográfico DC.

Apesar do excesso de cenas constrangedoras - ressaltando que poucas piadas e gags funcionam - a história de origem do Shazam é bem contada, pois todos os elementos que os fãs do herói conhecem estão presentes no enredo e muito bem adaptados. Quem já assistiu a animação DC Showcase: Superman/Shazam!: O Retorno do Adão Negro, de 2010, irá reconhecer a história, pois este desenho animado parece ter servido, em parte, de base para o roteiro, especialmente para o arco que conta a origem dos poderes do herói.

Repleto de cenas de ação criativas, mas que foram prejudicadas pelos efeitos especiais de filme B apresentados pela equipe técnica, o roteiro é bem amarrado, mesclando momentos de tensão e heroísmo com desenvoltura, especialmente no terceiro ato. De fato, o filme vai crescendo conforme a fita vai rolando e os momentos finais do filme são bem interessantes. A história traz ainda uma mensagem positiva relacionada à família.

Outro ponto positivo foi a Nova formação da antiga família Marvel (sim, antigamente a família do herói tinha este nome, apesar de pertencer atualmente à DC. O próprio Shazam! se chamava Capitão Marvel), que passou a ser formada por órfãos de várias etnias diferentes, adotados por pais que formam um casal inter-racial, que também são órfãos. Uma ideia muito bem-vinda e que deu uma identidade e universo interessante para o nosso desaventurado Billy Batson habitar.


Billy Batson é interpretado por Asher Angel, cantor mirim com pouca experiência, mas que apresenta bem sua personagem. Ainda tem muita estrada pela frente, mas mostrou desenvoltura.

O mesmo não pode ser dito de todo o elenco jovem, que é ruim.

Dentre os meninos e meninas, o único destaque, além do protagonista, é Jack Dylan Grazer, que interpreta Freddy Freeman, o irmão adotivo de Billy Batson. A dupla Angel/Grazer mandou bem, apesar de todo o tempo de tela dedicado às suas personagens, que exigiu deles bastante, mas os garotos corresponderam às expectativas. Os momentos mais emocionantes do filme são vividos por suas personagens.

Zachary Levy, o fanfarão da série Chuck, é o alter-ego de Billy Batson, o mago Shazam!. Eu até que tentei comprar sua versão do super-herói, mas o ator o representou de modo tão caricato que não me convenceu. O ator sequer se preocupou em copiar os trejeitos do ator-mirim com quem dividia a personagem. Shazam! é uma criança no corpo de um herói. Levy mais se parecia com um adulto bobalhão. Nem mesmo nas cenas mais tensas ele veste até o uniforme da personagem e continua muito preocupado em fazer caretas e caras-e-bocas descabidas e fora de contexto. Erraram feio na escalação.

O vilão da vez é o Dr. Silvana, que foi belamente vivido por Mark Strong (Kick-Ass: Quebrando Tudo). Strong é um grande ator, geralmente suas atuações estão acima da média e desta vez não foi diferente. Silvana é ameaçador e tem o tom certo, uma pena que o roteiro não desenvolve bem o antagonista, deixando-o demasiado irreal, com um propósito genérico de conquista de poder e nenhum planejamento lógico, o que é requisito fundamental de qualquer mente super-criminosa.

Cooper Andrews, de The Walking Dead, e Marta Milans, atriz espanhola pouco conhecida no Brasil, são os pais da família mais do que funcional de Billy Batson. Ele é uma simpatia e ela é belíssima, formando um casal bacana e engajado que tem tudo pra ganhar a simpatia do público. Nesse caso, bela escalação.

Como já citado, o filme foi prejudicado por efeitos especiais ruins e o mesmo ocorre com os efeitos visuais. Os monstros do filme são inverossímeis e todos os raios disparados pelo herói não convencem. O som é muito bom, o que deu um gás nos raios criados pela equipe de CGI e a mixagem justifica o ingresso mais caros em salas com tecnologia de som de última geração.


A trilha sonora foi composta por Benjamin Wallfisch, de Blade Runner  2049 e do próximo Hellboy. Os temas são bem legais e criativos, mantendo atenção do público nos momentos de maior tensão da trama e presenteando o herói com um tema bacana. As canções utilizaras no filme também foram bem que escolhidas (é lógico que Cherry Pie, do Warrant, toca em casas de striptease), com exceção da que toca nos créditos que demonstra que essa onde de copiar a Marvel, em tudo, depois da demissão de Zack Snyder (diretor de O Homem de Aço e Batman Vs. Superman: A Origem da Justiça, que desagradou parte do público por seu tom sombrio de contar histórias baseadas em quadrinhos), pode ser um tiro no pé. Quando tocaram a canção nos créditos (que também imitam um filme recente da Marvel com a Sony) a vergonha alheia que já tinha passado no terceiro ato, voltou com força total.

O diretor de Shazam! é David F. Sandberg, que você deve conhecer de Annabelle 2: A Criação do Mal, Quando as Luzes se Apagam e outros filmes de terror. Isso talvez explique a quantidade de decisões erradas que foram tomadas na realização do longa-metragem. Se por um lado Zack Snyder, que já tinha trabalhado em filmes baseados em HQs, trilhava um caminho que levaria, inevitavelmente, à um fechamento de arco épico, provavelmente baseado nos gibis da Crise nas Infinitas Terras, a graphic novel mais importante do Univeso DC, Shazam! de Sandberg não passa de um filme pipoca, chato em alguns momentos e cheio de possibilidades em outros.

Se o objetivo da DC é se rebaixar, perder a identidade e imitar descaradamente a concorrência, tiveram êxito pela quarta vez seguida.


Marlo George assistiu, escreveu e foi recomendado a assistir o filme com o olhos de uma criança pra poder curtir. Teve vontade de replicar sugerindo que os Snyder-haters assistam Batman Vs. Superman: A Origem da Justiça com os olhos de um adulto para poderem compreender