Dirigido por Stefon Bristol e estrelado por Eden Duncan-Smith, Dante Crichlow e Astro, "A Gente Se Vê Ontem" é uma ficção científica engajada com movimentos sociais que dialoga muito bem com seu público-alvo - como não poderia deixar de ser...


Pelo direito de viajar (no tempo)
RESPONDA RÁPIDO: quantos filmes envolvendo viagem no tempo tem protagonistas afrodescendentes? Se você não lembra de nenhum (e eu também não lembro), talvez seja esse o motivo de "A Gente Se Vê Ontem" existir.

Baseado num curta-metragem de relativo sucesso e exibido em alguns festivais de cinema em 2017 (dentre eles, acabou ganhando um prêmio da HBO, ganhando notoriedade), o filme conta a curiosa história de CJ (Smith) e Sebastian (Crichlow), casal de amigos que estudam juntos e estão construindo uma máquina do tempo para inscrever na feira de ciências do colégio, almejando conseguir bolsas integrais para estudar em faculdades de renome. Até que Calvin (Astro), irmão de CJ, é assassinado ao ser confundido com um assaltante numa batida policial. Tentando superar a situação, CJ resolve usar a máquina para voltar ao passado e impedir a morte de seu irmão. E é aí que tudo - mas tudo MESMO - começa a dar MUITO errado...

Os destaques positivos começam pela ótima direção de fotografia comandada por Felipe Vara de Rey - que também dirigiu o curta original - com sincronismos inspirados nos movimentos de engrenagens de relógios anacrônicos, fazendo com que a câmera gire em tomadas totalmente adequadas, também utilizando-se de cores vibrantes para denotar vivacidade e descontração, além de um colorido lavado ou neutro para momentos depressivos, alcançando um perfeito contraste visual.

Já o elenco oscila em suas interpretações. Há uma boa entrega de Eden Duncan-Smith como protagonista - mesmo que a princípio pareça que ela dívida a atenção com Dante Crichlow mas ao decorrer da trama percebemos que não é bem assim -, defendendo bem seu papel, mesmo que o texto só entregue momentos bem pontuais de drama num crescente que mal dá tempo para uma boa construção (a curta duração do filme também impede um maior aprofundamento da personagem para que entendamos perfeitamente sua obsessão).



O mesmo não pode se dizer de Dante Crichlow, seu companheiro de tela. Parece improvisar em muitas cenas onde não deveria, que pediria um pouco mais de entrega em relação à protagonista. Outro destaque vai para Astro, que interpreta o irmão da protagonista - e é basicamente o elemento de avanço da trama -, desempenhando bem seu papel, mostrando bastante química nas cenas com Eden Duncan-Smith, fazendo a audiência acreditar que são realmente irmãos. O restante do elenco de apoio é esforçado - menos Johnathan Nieves, que mais parece uma caricatura e um forçado alívio cômico que destoa do restante da trama - mas nada que definitivamente chame a atenção.

A trilha sonora de Michael Abels é pontual e, mesmo repetindo os clichês de filmes de viagem no tempo, funciona.

Sobre o roteiro coescrito por Fredrica Bailey e o próprio Stefon Bristol, a trama repete TODAS as batidas de filmes famosos como "De Volta para o Futuro" (contando até mesmo com a proposital participação especial de Michael J. Fox) ou "Efeito Borboleta" com muitos elementos que lembrarão estes e outros filmes mas adequadamente adaptados ao contexto da história e o conceito afrodescendente da construção dos personagens.

Falando nisso, vale lembrar que "A Gente Se Vê Ontem" NÃO É um filme sobre viagem no tempo - este é apenas um elemento da trama que fala, na verdade, de depressão pós-luto por conta da constante violência que rodeia as comunidades negras norte-americanas. Tanto que seu final abrupto (e aberto!) fará com que muitos tenham a impressão que o filme ganhará uma continuação (dificilmente isso acontecerá).

Mas se prestarmos atenção na crescente em relação às atitudes da protagonista, dá para perceber que ela não conseguiu superar a perda do irmão e a viagem no tempo não passa de uma metáfora para quem prossegue se lamentando pelo que aconteceu e não tem volta. Com um pouco de boa vontade, tem como imaginar que não ocorreu nenhuma viagem no tempo e a trama não passa das conjecturas da protagonista sobre o que poderia fazer para impedir a morte do irmão se a máquina de viagem no tempo realmente funcionasse. Mesmo que ela tenha ajuda e apoio para superar sua perda, na verdade isso é algo que deverá fazer sozinha.

"A Gente Se Vê Ontem" tem representatividade, entretém e faz pensar. Não é todo dia que vemos algo assim. Que bom.




Kal J Moon gostaria de viajar no tempo para comprar um bilhete de loteria com os números premiados...