Dirigido por Craig Brewer e e estrelado por Eddie Murphy, "Meu Nome É Dolemite" mostra a ascensão, queda e ressurgimento de um grande astro.
Aprendendo a jogar
Não é muito difícil para um admirador do trabalho de Eddie Murphy reconhecer que quando ele se sente sem amarras, entrega um trabalho notável. Murphy já se provou que é um bom ator em "Dreamgirls" - em que fazer uma espécie de paródia do cantor Little Richards, e acabou lhe rendendo a indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante.
Mas como um verdadeiro mito da comédia mundial se sairia ao personificar um personagem real, com milhões de defeitos, mas que abriu caminhos para muitos afrodescendentes terem espaço nas telonas do cinema desde os anos 1970? A resposta está em "Meu Nome É Dolemite", filme recente da plataforma de streaming Netflix, que conta a curiosa história de Rudy Ray Moore, comediante que fez sucesso nos anos 1970 ao gravar seu show em LPs, personificando Dolemite um valentão boca suja e pegador. O curso natural, segundo ele próprio, era o cinema. E quem conhece o processo de se fazer cinema sabe que não é algo nada fácil de se realizar. Agora, imagine se os idealizadores não tiverem a menor ideia do que estão fazendo mas tem a garra necessária para tal? É o chamado "cinema de guerrilha", feito com pouco dinheiro, muita disposição e contando com muito mais do que boa vontade para concretizar o projeto.
Só lembrando que este é o primeiro filme para maiores de 18 anos em que Eddie Murphy participa desde "Até que a fuga os separe" (1999). Portanto é um projeto bem arriscado, mesmo que para uma plataforma de streaming, uma vez que boa parte do público pode se afastar por conta desta classificação etária.
Nesse sentido, o roteiro tem diversas semelhanças com "Os Picaretas", comédia dirigida por Steve Martin que contou com a participação de Eddie Murphy e que também contava as agruras dos bastidores de um filme. Mas aqui, Murphy e companhia mostram porque os filmes tipo Blaxpoitation fizeram tanto sucesso. E, sem mais delongas, o motivo é bem simples: representatividade. Os negros daquela região onde se passa a trama se identificavam com as piadas do filme porque eles próprios faziam aquele tipo de piadas, eles falavam daquele jeito exagerado para muitos de nós hoje, se vestiam e se portavam exatamente igual ao que estava nas telonas. E Dolemite tinha tudo isso: "humor sexo e kung fu, ou seja: diversão completa", como diz Murphy em uma das cenas.
Mas esse filme, assim como "Os Picaretas", também é bastante inspirado na tal jornada do herói. A saga de Rudy Ray Moore é retratada de forma às vezes romanceada, às vezes crua, mas sempre com muita verdade. E o público torce para que tudo dê certo. Mesmo que o protagonista faça um monte de coisas erradas, o tempo todo.
Murphy permite que o roteiro espelhe parte de sua frustração como artista, sendo constantemente pressionado a fazer o que é mais seguro mas não o que nasceu para executar. É meio que uma volta ao início da carreira, homenageando um ídolo mas falando de si mesmo. Enquanto isso, ri da cara de todo mundo, inclusive de si próprio e de suas fraquezas.
Mérito do roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski, aliado ao talento de Murphy e um elenco afiado - destaque para Wesley Snipes, que faz um diretor novato tentando entender em que tipo de furada se meteu. Mérito também da direção precisa de Craig Brewer, que derruba o mito de que Murphy é incontrolável no set. Com um roteiro redondo, não há espaço para improvisos...
Tecnicamente, o filme beira a perfeição. A direção de fotografia de Eric Steelberg - aliada à esperta montagem de Billy Fox - mescla nostalgia, apuro cinemático e momentos documentais (repare ao final quando aparecer cenas do filme original, tamanha a similaridade de enquadramento de bastidores para mimetizar a cena primária mas inovando com o secundário).
O figurino de Ruth E. Carter - ganhadora do Oscar por seu trabalho em "Pantera Negra" - é bem caracterizado e emula bem o que foi utilizado pelo elenco na década de 1970, tanto nas filmagens quanto fora do set. E não tem como falar de Dolemite sem falar da inspirada trilha sonora capitaneada por Scott Bomar, contagiante e comovente nos momentos certos.
Kal J. Moon não sabe como terminar essa crítica mas vai assistir o filme de novo para dar mais umas boas risadas...