Todos saúdem Odin! Série finlandesa da Netflix entra na grade do serviço trazendo versão interessante e politizada sobre os mitos nórdicos

Não dê ouvidos àqueles que, possivelmente, irão se referir à Ragnarok como uma série que mescla mitologia nórdica com a Saga Crepúsculo. Eu não sei se já estão dizendo isso, mas se ocorrer, e a possibilidade é bem grande de que isso ocorra, deixe entrar por um ouvido e sair pelo outro, por tratar-se de impressão apressada, ingênua e pouco atenta.

Ragnarok, série criada pelo veterano produtor finlandês Adam Price que acaba de ser disponibilizada na Netflix (versões legendada e dublada), passa longe de ser uma cópia barata do romance que trata única e exclusivamente da indecisão de uma jovem em entregar-se à um vampiro que brilha no claro ou ao seu rival lupino seminu. A série traz uma trama inteligente, política e se sustenta na busca de um rapaz disléxico para provar que uma industria química vem afetando o meio-ambiente da cidade onde mora, incentivado inicialmente por uma ativista juvenil de sua classe.

Seria um plot bem ordinário, não fosse o fato de que, no meio dessa jornada do herói, ele acabe descobrindo que foi agraciado com os poderes do Deus do Trovão, Thor, e que seus inimigos são nada mais, nada menos que os Gigantes do mito nórdico.


O roteiro é assinado por Simen Alsvik, Emilie Lebech Kaae, Christian Gamst Miller-Harris, Marietta von Hausswolff von Baumgarten e Jacob Katz Hansen. A trama é inteligente e bem amarrada, porém os episódios 04 e 05, assinados por Alsvik e Kaae, são bem arrastadinhos, com várias cenas dispensáveis e que parecem ficar girando em torno da história já contada e não a desenvolvem. Os demais são realmente muito bem escritos, salvo os diálogos que são, de modo geral, nada ousados ou espertos.


Muitas, MUITAS referências

Tudo se passa na cidade fictícia de Edda (referência, aos Eddas, nome dado a textos antigos da tradição escandinava), onde está ocorrendo mudanças climáticas que estão afetando a paisagem e a vida dos cidadãos. O povo Eddanense é passivo quanto à questão por ser em sua maioria formado por empregados ou beneficiados pela principal suspeita de provocar tais variações de clima: A industria Jutul. Apenas uma voz era levantada contra a empresa, a voz da adolescente ativista Isolde (nome possivelmente referente à Princesa Irlandesa Isolda, da lenda de Tristão). Atuando in loco e na internet através de um canal no Youtube, não logra muito êxito em sua atividade, sendo motivo de chacota de seus colegas de colégio. Até então os Jutul, donos da industria e moradores da maior mansão da cidade, Jutulheim (outra referência, desta vez ao nome do mundo dos gigantes da mitologia nórdica, Jotumheim). Mas ela não ficaria sozinha por muito tempo, pois com a chegada de Magne a garota ganhou um amigo e apoiador em suas iniciativas ecológicas.

Magne chegou na cidade na companhia de seu irmão, Laurits, e o modo como as personagens foram desenhados em muito remetem à versões teen de Thor e Loki do Universo Cinematográfico MarvelLaurits então é o Loki esculpido em carrara. Crédito do ator Jonas Strand Gravli que conseguiu captar os trejeitos e olhares de Tom Hiddleston sem parecer caricato.A intensão de fazê-los parecerem com os personagens da Marvel Studios é óbvia.


Como não pretendo entregar spoilers, não irei me aprofundar na trama, mas Ragnarok traz outras referências e easter-eggs, como nomes de personagens como Hilde, que se refere à Valquíria mitológica, e citações à personagens reais como Greta Thumberg e Joseph Campbell.

Quem curte e conhece mitologia ou é antenado com o que rola na cultura pop e no noticiário político vai pegar várias destas referências.


Barato, mas satisfaz

Não encontrei quanto custou produzir Ragnarok, mas basta um olhar mais atento para sacar que a série não foi muito cara, pelo menos esta primeira temporada. Mas o custo, possivelmente baixo, não atrapalhou a produção que recorreu a locações belas e de tirar o fôlego. Os efeitos visuais não impressionam, mas não são ruins ou toscos. A atração não traz nenhuma grande estrela nórdica, mas tem um elenco interessante e que manda muito bem. Em especial o protagonista, David Stakston, que segundo nosso crítico Andreas Cesar, soube representar muito bem um paciente disléxico.

São seis episódios nesta primeira temporada e eu já estou ansioso para assistir o próximo.

Como deu pra notar, essa crítica não pode ser de qualquer produção que, mesmo levemente, lembre Crepúsculo. Não é?



Marlo George assistiu, escreveu e vem recebendo em sua torneira água tão suja no RJ quanto os Eddaenses lá no Norte da Europa. Já estou me sentindo chique