Uma jovem americana é contratada para cuidar de duas crianças que vivem isoladas do resto do mundo em uma mansão no interior do Reino Unido. Além da dupla mirim, suas únicas companhias são uma governanta misteriosa, um cozinheiro bonitão, uma jardineira com ares de moleca e, é claro, fantasmas.

A nova série Netflix, A Maldição da Mansão Bly, não é a continuação de A Maldição da Residência Hill, de 2018, como muitos foram levados à crer. Ambas tem o mesmo tratamento visual e tema, assim como o mesmo showrunner, Mike Flanagan, e parte do elenco e equipe, mas são duas obras independentes e não relacionadas. Vale ressaltar que esta independência justifica-se pela própria origem de cada uma delas. Enquanto a primeira foi baseada no livro homônimo de 1959 da escritora Shirley Jackson, a segunda é baseada na obra gótica de Henry James, A Volta do Parafuso (Turn of the Screw), de 1898.

Porém, uma coisa que as séries de 2018 e 2020 tem em comum são suas qualidades e defeitos. Como irmãos gêmeos que, apesar de serem ditos idênticos, tem suas pequenas diferenças, Hill e Bly em muito se parecem. São duas produções que contam com poucas locações e muitos efeitos especiais. Ambas são arrastadas e mereciam uma montagem mais enxuta, quiçá uma redução no número de episódios. Por terem praticamente a mesma equipe, a linguagem visual imaginada por Mike Flanagan cria uma personalidade única para as duas séries, dando uma sensação de unidade, apesar de se tratarem de obras distintas.


Apesar de ter uma trama mais simples que A Maldição da Residência HillA Maldição da Mansão Bly também tem trama bastante intrigante. Cada passo que damos no interior daquele casarão amaldiçoado é tenso e acompanhar a agonia da protagonista, Dani Clayton (Victoria Pedretti) durante sua estadia na mansão é uma experiência apavorante, apesar da previsibilidade do roteiro, que é rico em clichês do gênero de horror.

A fotografia, com direção de Maxime Alexandre e James Kniest, ajuda no clima assombrado, mas um adicional ao nosso medo é o som, cujo departamento entregou um trabalho muito acima da média, especialmente por tratar-se de uma produção para o streaming

A trilha sonora dos Newton Brothers (The Walking Dead: World Beyond) tem como tema principal o mesmo que foi usado em Hill, o que também contribui para a nossa familiarização com o universo proposto por Flanagan, com quem a dupla já tinha trabalhado anteiromente, em Ouija: Origem do Mal, de 2016 e Jogo Perigoso, de 2017. Novamente um trabalho soberbo e que casa-se perfeitamente com a produção.

O elenco, que em grande parte já tinha trabalhado junto em Hill, é entrosado e o trabalho conjunto é explendido. Não há destaques negativos e até mesmo os dois atores mirins, Amelie Bea Smith e Benjamin Evan Ainsworth, brilham. Smith em dado momento olha diretamente para a câmera, logo no início do primeiro episódio, mas esta quebra da quarta parede é proposital e, o que parecia ser um erro desculpável por ter sido cometido por uma estrela iniciante e infantil, torna-se algo sinistro conforme a série se desenrola. Muito legal, e apavorante ao mesmo tempo. Outra coisa que me impressionou no trabalho de Smith foi seu sotaque britânico. Ela imprime um jeitinho meigo e sofisticado ao falar. Nada mal para quem é a dubladora da soberba porquinha Peppa Pig.


Carla Gugino
, estrela de Hill e Jogo Perigoso, volta a ser dirigida por Flanagan em Bly. Linda e competente, vive novamente uma mulher idosa, como o fez em Watchmen, de 2009, e é a narradora da história de terror que está sendo contada na série. Tem pouco tempo de tela, mas cada cena em que aparece é um deleite tamanho o brilho de sua performance. 

Victoria Pedretti também se destaca no papel principal. Com belas escolhas na condução de carreira e sempre envolvida em poucas, porém, relevantes produções, é um nome que está no meu radar e quero ver mais de seus trabalhos pregressos. Engraçado é que eu não tive uma boa impressão sobre seu trabalho em Hill, mas em Bly ela realmente mostra um trabalho consistente.

Já Oliver Jackson-Cohen ( O Homem Invisível, 2020) não foi a melhor opção para viver o papel Peter. Acho que a figura de Jackson-Cohen não combina com a personalidade de sua personagem. O trabalho é bom e o ator é competente, mas acho que Henry Thomas (E.T., o Extraterrestre) e Jackson-Cohen poderiam trocar de papéis. Puro achismo, mas vai por mim, ficaria melhor. Falando em Thomas, novamente o ator manda bem.


Amelia Eve, T'Nia Miller e Rahul Kohli
 (acima) completam o elenco mais presente em tela e estão à altura do restante.

Mesmo quem não curte filmes de terror e literatura gótica ou pulp pode acabar curtindo Bly, basta deixar-se envolver pela história. Mike Flanagan mostrou mais uma vez que o tema de horror pode ser apresentado com um roupagem sofisticada, pois o trabalho que fez em Hill e Bly parece o de um editor que precisa compor uma bela coletânea de contos e romances de terror, todos com a mesma qualidade literária, identidade visual e acabamento fino que deixa a estante de livros bem bonita. São dois trabalhos de alto nível.


Marlo George assustou-se MUITO com a inesperada semelhança do ator Rahul Kohli com o seu pai, falecido em 1989. Caraca, que medo.