Uma criação do cineasta Carlos Saldanha - com desenvolvimento de história dos romancistas Raphael Draccon e Carolina Munhóz -, estrelada por Marco Pigossi, Alessandra Negrini, Fábio Lago (com participação especial de José Dumont) e grande elenco, "Cidade Invisível" cria uma espécie de "universo compartilhado" do folclore brasileiro para toda uma nova geração...
Deuses Americanos. Sítio do Picapau Amarelo. Once Upon A Time. Os Mutantes. A Liga Extraordinária. Sandman. Arquivo X. Os Irmãos Grimm. Arlequim - Hora de Fazer a Fantasia. E, sobretudo, Fábulas. Todas essas obras citadas se utilizam do clichê narrativo de inserir lendas, personagens folclóricos, mitológicos ou fictícios convivendo com humanos "normais" na atualidade sem serem percebidos - até que algo ocorre e eles têm de sair das sombras para atacar ou ajudar a humanidade.
Não, ninguém vai proclamar aqui que esse tipo "forma de bolo" deveria ser abandonado e tal. O motivo de se continuar a usar clichês na escrita é que, bem, eles funcionam no fim das contas - e mesmo uma piada contada mil vezes pode ser inédita para alguém... E é do razoável bom uso dos clichês que "Cidade Invisível" se aproveita para contar sua história, preocupando-se em deixar tudo bem explicadinho para que o gringo também entenda, uma vez que a obra está sendo lançada internacionalmente ao mesmo tempo que no Brasil.
Pelo lado positivo da obra, está a ideia principal. Transformar uma trama policial em algo que envolve suspense, terror e ainda misturar as lendas do nosso folclore numa narrativa que, independente de alguns problemas, acaba funcionando a contento é mesmo pensar fora da caixinha. Saldanha criou a história e trabalhou como produtor executivo, conduzindo o que queria contar através do desenvolvimento feito por Draccon e Munhóz, tendo tudo capitaneado por Mirna Nogueira (roteirista acostumada a produtos mais POPs como "Meus 15 Anos" e "O Doutrinador") e sua extensa equipe de escritores espalhados pelos sete episódios dessa primeira temporada. É tudo velho mas ao mesmo tempo tem uma nova roupagem para que os espectadores não achem que realmente sabem o que acontecerá - algumas coisas são óbvias mas tem algumas surpresas reservadas durante a jornada. A trama ainda traz - mesmo que superficialmente - debates importantes sobre ecologia e preservação ambiental que servem como pano de fundo para mostrar uma outra faceta das bravatas dos personagens.
Mas o destaque na área da atuação vai para dois grandes nomes do cinema brasileiro: José Dumont e Fábio Lago. Enquanto José Dumont, mesmo um tanto contido, passa a segurança necessária de ser o "detentor da profecia" e "guardião da sabedoria milenar", Fábio Lago simplesmente PEGA FOGO com sua interpretação, indo num crescendo até alcançar uma atuação construtivista (E SEGURA) digna de um super astro - mesmo que ele seja, injustamente, um dos nomes mais subestimados do cinema brasileiro. Assista "Cidade Invisível" por causa de Fábio Lago - ele demora a aparecer mas quando aparece, vai de uma mera faísca de criatividade interpretativa a um verdadeiro incêndio de atuação corporal (Sem trocadilhos? Talvez).
Já pelo lado negativo... Bem, os efeitos visuais tem qualidade oscilante: ora funcionam muito bem e ora são claramente mal elaborados, mostrando claramente tratar-se de algo digital na tela, gerando um resultado "feio" - provavelmente por ser um produto de baixo orçamento, uma vez que tem muitas cenas com tomadas externas para ganhar em "valor de produção" sem a necessidade de construção de elaborados cenários (eles até existem mas são poucos e não necessitam de uma escala muito grandiosa para funcionar).
E o roteiro, ainda que funcional na maior parte do tempo, demora um pouco a engrenar nos primeiros capítulos. Mesmo que fosse para manter o formato episódico e o suspense da trama, os "ganchos" dos primeiros episódios não são lá muito instigantes. Também tem o problema de se utilizar flashbacks bem visuais para então "verbalizá-los" na boca dos personagens, de uma forma nada prática e funcional à trama - alguns diálogos são bem desnecessariamente expositivos, que poderiam ter sido melhor "polidos" na revisão final.
Ainda sobre o roteiro (escrito a muitas mãos), o mesmo oscila no quesito ritmo, escalando uma crescente narrativa de fato somente a partir do quarto episódio - tem tanta cena desnecessária que daria para retirar tudo o que realmente não acrescenta à trama e gerar um filme de duas horas e meia ou uma minissérie de, no máximo, cinco capítulos. E o clímax do último episódio - que deveria ser a epítome dessa "primeira saga" - revelou-se algo bem óbvio no fim das contas para gerar uma, talvez, desnecessária continuação (a série já foi renovada para uma segunda temporada). E não podemos esquecer que existe um furo no roteiro que não explica como o principal adversário adquiriu seus "poderes" (só assistindo para entender). Pena.
Ao frigir dos ovos, "Cidade Invisível" é um entretenimento decente e criativo com DNA puramente brasileiro com potencial para se tornar uma franquia de sucesso, caso o público abrace o fantástico com a mesma força que se dedica ao similar estrangeiro. Vamos ver o que o futuro reserva...
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