Com baixo orçamento, dirigido e estrelado por um bando de desconhecidos, o reboot de "Mortal Kombat" traz novamente às telas do cinema os amados personagens da cultuada franquia de videogames criada por Ed Boon e John Tobias


Síndrome de Jimmy Olsen
Quando se tem um conceito que pode ser considerado complicado demais para o público em geral que não tem conhecimento prévio àquele respeito, usa-se uma muleta narrativa que eu costumo chamar de "síndrome de Jimmy Olsen" - geralmente, um personagem para ~"representar" o público "neófito", que fará as perguntas e obterá as respostas em forma de diálogos bem explicativos para que o roteiro seja compreendido pelo máximo de pessoas que assistirem o filme sem necessidade de ler livros, quadrinhos ou jogar games antes de ter a experiência cinematográfica. Isso é bem utilizado na trilogia "De Volta para o Futuro". Funciona razoavelmente bem em "Interestelar". Mas é sub-aproveitado no primeiro "Hellboy". Todos eles têm esse personagem que recebe explicações de como aquele "mundo" funciona e o que fazer para cumprir sua missão na trama. Somente no último caso, temos um personagem puramente descartável, que a história não necessita dele para mais nada além de "responder dúvidas". O que nos leva a essa nova versão de "Mortal Kombat".

Na trama, o lutador de MMA Cole Young, acostumado a apanhar por dinheiro, não faz ideia da herança que carrega – ou por que o Imperador de Outworld, Shang Tsung, enviou Sub-Zero, seu melhor guerreiro, para exterminá-lo. Temendo pela segurança de sua família, Cole sai em busca de Sonya Blade por recomendação de Jax, que tem a mesma estranha marca de nascença em formato de dragão que Cole. Logo, ele se encontra no templo do Lorde Raiden, protetor do reino da Terra, que acolhe aqueles que ostentam a marca. Lá, Cole treina com os experientes guerreiros Liu Kang, Kung Lao e o mercenário vigarista Kano, à medida que se prepara para enfrentar, ao lado dos maiores campeões da Terra, inimigos de Outworld numa arriscada batalha pelo universo. 


O que a sinopse oficial esconde é que, se por um lado há um esforço para que a coreografia de luta reproduza a contento os golpes e fatalities do game (com direito a personagem gritando seu bordão e tudo, só pelo mais puro fanservice), por outro lado temos uma falta de coesão narrativa e personagens nada carismáticos, recebendo toneladas de informações de forma beeeeeeeeeeeeem didática e nada atraente.

Cole Young - interpretado por Lewis Tan (que deveria ser o protagonista) - aceita ordens de estranhos com uma naturalidade espantosa, largando sua família num local praticamente inóspito sem se questionar nem um segundo. Sonya Blade (Jessica McNamee, que está visualmente parecida - não que fosse muito difícil), a única mulher no grupo de campeões da Terra, não é digna de lutar por não possuir a tal marca de nascença - claro que ela tem de matar um de seus oponentes para adquirir a tal marca e seu merecimento (bem, pelo menos isso se parece com a vida real, onde mulheres tão competentes quanto homens só recebem reconhecimento após se provarem "merecedoras" - pois é...). Kano (curiosamente interpretado por Josh Lawson, que já foi indicado a um Oscar de melhor curta metragem por "The Eleven O'Clock" em 2016) começa bem irritante, citando cada franquia da Warner Bros na maioria de suas falas - de "O Senhor dos Anéis" a "Harry Potter", dentre outros - mas acaba agradando justamente por suas bizarrices (pelo menos até o preguiçoso plot-twist que a trama lhe reserva). E nem vale a pena citar o que fizeram com Goro (só vendo para acreditar...).

Mesmo que se enumerasse cada defeito em quaisquer dos personagens, o principal problema do roteiro de Greg Russo e Dave Callaham é que não se responde a primordial dúvida do espectador: a bravata de vingança entre Scorpio e Sub-Zero começou por conta da morte de um homem e a vingança de seu parente matando a família dele. Mas o que aconteceu antes para gerar esse conflito? Já que temos um roteiro expositivo até dizer chega, por que esse detalhe passou desapercebido?


A versão 2021 de "Mortal Kombat" tinha tudo para ser um grande sucesso mas é um desastre total em todos os sentidos: a trilha sonora incidental de Benjamin Wallfisch não empolga em nenhum momento (nem mesmo nas lutas - e olhe que insinuam a trilha principal do filme de 1995 o tempo todo!), a edição da dupla Scott Gray e Dan Lebental fraqueja em muitos momentos deixando o filme sem um ritmo interessante, a direção de fotografia comandada por Germain McMicking simplesmente não tem composição - exceto nos momentos de externas, onde capta as paisagens, mas é só. E o diretor estreante Simon McQuoid nem tá lá muito preocupado em buscar boas atuações (e quem pode culpá-lo com o roteiro que lhe entregaram...).

Esse é o tipo de filme tímido que pode empolgar uma pequena parte de fãs por conta da fidelidade em relação à coreografia marcial. Mas é confuso e desrespeita completamente a mitologia dos games (acredite, ela existe e é muito rica, o suficiente para fazer um filme minimamente bom - pelo menos, bem melhor do que o que foi apresentado aqui).



Kal J. Moon luta para sobreviver à pandemia e todo dia usa seu bordão "Use a máscara, c@r@lh#!". É lindo de se ver...