Zack Snyder está de volta em produção original da Netflix


O medo é explorado pela cultura pop como qualquer outro sentimento humano e temos visto  nos últimos anos que os zumbis vem se tornando personagens de muitas histórias aterrorizantes que são apresentadas no cinema e na TV. Tamanha exposição já tinha me levado a crer que a fórmula iria se esgotar. Acreditei que isso já estava ocorrendo em meados da década passada, quando The Walking Dead estava lá pela sua enfadonha quinta temporada. Porém o que ocorreu foi justamente o contrário. Muitas produções que exploraram o plot de apocalipse zumbi foram sendo lançadas através dos anos e The Walking Dead ao invés de ser cancelada, o que eu cogitei que aconteceria em 2015, acabou ganhando dois spinoffs que revitalizaram a franquia como um vírus Z.

Acredito que a popularidade dos zumbis vem do fato de que é muito difícil que alguém ainda se borre de medo de vampiros, lobisomens ou bruxas (especialmente depois de Crepúsculo e Harry Potter), muito menos das lendas de outrora, da época das tradições orais, como os trolls, huldras, duendes ou Saci Pererê. Além disso, os zumbis são uma espécie de memento mortem, um lembrete de que nosso terror maior, a morte, é real e não um monstro que habita debaixo de nossas camas. Zumbis são fascinantes e apavorantes por serem um retrato grotesco e morto de nós mesmos. Por isso nos atraímos por estas histórias e por isso essa fórmula está longe de se esgotar.

Isso é tão verdade que, em pleno 2021, um diretor que estreou no cinema em 2004 com um filme deste nicho, e que desde então se notabilizou como um grande realizador de longas baseados em HQ´s, imprimindo uma assinatura própria aos seus trabalhos e reputação de um dos mais importantes diretores de sua geração, retorna ao tema que o catapultou ao sucesso com mais um filme inspirado e que, se não renova este subgênero de terror, certamente o atualiza.


Zack Snyder
, apenas dois meses depois de presentear a humanidade com seu corte de Liga da Justiça, motivado pelo movimento "Release the Snydercut", volta às telinhas com Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, filme já disponível para streaming pela Netflix. 

Seu primeiro longa metragem, citado acima, é Madrugada dos Mortos, um remake escrito por James Gunn (Guardiões da Galáxia, Seres Rastejantes) do clássico de 1978, Despertar dos Mortos, de George A. Romero. Madrugada dos Mortos foi um filme fundamental para iniciar o hype das produções com zumbis, que atingiu seu auge com o lançamento de The Walking Dead, em 2011. É um filme especial por modernizar o tema, que andava desgastado desde os anos 80, especialmente após os cômicos filmes do diretor Sam Raimi, da franquia Uma Noite Alucinante, protagonizados por Ash Williams (Bruce Campbell).

O próprio homenageado, George A. Romero, chegou a dizer que o filme Madrugada dos Mortos era bom, apesar de ter certas restrições às mudanças e releituras feitas por Snyder.


Army of the Dead: Invasão em Las Vegas
 tem história de Snyder com roteiro de Shay Hatten (John Wick 3 - Parabellum) e Joby Harold (Obi-Wan Kenobi). O filme tem uma trama genérica e totalmente previsível. Se o espectador tem na bagagem muitas horas de filmes do mesmo estilo irá perceber que todos os clichês estão lá. Parece até que Snyder tinha uma lista com todos os clichês e situações possíveis em filmes B de terror e foi ticando cada um deles conforme ia escrevendo sua história. Tudo isso foi, possivelmente, feito de propósito, e só digo "possivelmente", porque não posso afirmar isso. Talvez, essa minha conclusão possa parecer desanimadora, mas na realidade o que posso lhe garantir, é que são exatamente essas qualidades tortas que tornam o longa tão interessante. Todos os clichês são apresentados de forma inteligente, assim como todos os momentos previsíveis. Funcionou tão bem que todas as situações familiares são um motivo a mais para nos identificarmos com as personagens e com o cenário apresentado. Já as previsíveis acontecem com contexto e significados tão importantes para a narrativa e desenvolvimento das personagens que, quando acontecem em tela, a gente nem percebe ou se surpreende, apesar de sabermos que iria acontecer. Por isso, o filme tem um script e roteiro primorosos.

As personagens são muito bem exploradas. Por ser um grupo grande de pessoas que tem várias origens diferentes, muita coisa, sobre muita gente, precisava ser explicada para desenvolver cada personagem, mas o roteiro resolve isso com soluções rápidas e bem sacadas. No meio do filme, tive a impressão de já conhecer cada uma daquelas pessoas, como se tivesse acompanhado suas jornadas em uma série de TV. Citações e referências visuais contaram suas histórias pessoais, auxiliando os diálogos que aprofundavam ainda mais cada personagem. Detalhes importam e Snyder sabe muito bem disso. O que ele fez na DC é uma prova.

Um ponto negativo é a montagem, do indicado ao Oscar por Amnésia (2002) Dody Dorn ,que em dois momentos, ambos diálogos entre o protagonista, Scott Ward, e sua filha rebelde, Kate, deixou o filme arrastado. Um corte mínimo nestas cenas, para aparar arestas, e a montagem e edição ficaria perfeita.

Outro destaque de Army of the Dead: Invasão em Las Vegas é a edição de som. Assista o filme com o som bem alto. Vá por mim, terá um impacto em sua experiência. 


O universo imaginado por Snyder foi belamente desenvolvido por uma equipe de peso que contava com Julie Berghoff no design de produção, Stephanie Portnoy nos figurinos, Sophie Neudorfer na cenografia e uma equipe de maquiagem competente. Berghoff (Handmaid´s Tale) apresentou uma Las Vegas decadente e bela, onde o cenário e os personagens não destoam. Portnoy, que fez parte da equipe de figurinos e adereços de Batman Vs. Superman: A Origem da Justiça e Liga da Justiça, é promovida para o cargo de desenhista de figurino e conseguiu realizar um belo trabalho, dando personalidade aos personagens, heróis e vilões, do filme com soluções simples, porém bem combinadas. O mesmo vale para a cenografia, trabalho de Neudorfer, parceira de Berghoff em Handmaid´s Tale. Os efeitos visuais também surpreendem, pois tudo em tela é real, como se o filme tivesse sido rodado inteiramente em locações. Valentine, o tigre, que já apareceu no trailer, é uma das coisas mais legais que assisti em termos de efeitos visuais este ano.

A direção de arte de Army of the Dead: Invasão em Las Vegas é de Geoffrey S. Grimsman (Transformers: O Último Cavaleiro), Gregory S. Hooper (Batman vs Superman: A Origem da Justiça), Darshankumar Joshi (Mortal Kombat) e Brett McKenzie (Yoga Hosers). Nesta categoria a equipe entrega um filme que em comparação com outros do subgênero é arrojado em termos artístico e cinematicamente belo. A fotografia é do próprio Snyder. Com a câmera em punho, o diretor dá sua visão singular às cenas, assinando a obra e nos brindando com um filme de ação frenética e aquele toque geek genuíno de quem sabe o que está fazendo por experiência e amor ao trabalho que realiza. É uma declaração legítima de amor ao entretenimento nerd.

Snyder, assim como James Gunn, Kevin Smith, Robert Rodriguez e Quentin Tarantino está no topo do panteão dos diretores geeks.


O elenco traz como estrela principal Dave Bautista. O ator vem garimpando seu lugar entre os atores preferidos dos nerds, e vem alcançando seu objetivo, uma vez que, tendo vindo do wrestling norte-americano, esse caminho seja mais árduo, pois é bem fácil subestimá-lo e considerá-lo mais um brutamontes que só é escalado para filmes por seu porte físico e popularidade no esporte de entretenimento. Mas Bautista mostra, mais uma vez, que tem carisma e é provavelmente o herdeiro natural de Arnold Schwarzengger, pois assim como o ator de Conan, é um gigante gentil, mau encarado, mas doce nos momentos certos. Ele desempenha muito bem em cenas mais emotivas, especialmente com Ella Purnell, que chamou minha atenção pela primeira vez em outro filme nerd, Kick-Ass 2. Ela é uma estrela em ascensão, e em Army of the Dead: Invasão em Las Vegas a atriz pôde mostrar um pouco mais de seu talento em construção.

Omari Hardwick (Power), como Vanderohe, e Matthias Schweighöfer (You Are Wanted), como Dieter, são os destaques do elenco. Uma dupla improvável e que se provou impagável. Ri muito com os dois. Nora Arnezeder também rouba a cena como a bad-ass Coyote, uma mistura de Sarah Connor com Frank Castle, usando uma camisa da banda Exploited. Mais icônica impossível.

Army of the Dead: Invasão em Las Vegas é um filmaço que merece sua atenção imediatamente. Faça um favor a si mesmo e assista esse longa. Você vai adorar.



Marlo George assistiu, escreveu e já usou uma camisa do Exploited nos anos 90, quando era vocalista de uma banda de Hardcore, que tocava blues ao final dos ensaios. Duvida? Assista este clipe