Novamente escrito e dirigido pelo veterano John Krasinski, estrelado por Emily Blunt, Millicent Simmonds, Noah Jupe, Cillian Murphy com participação especial de Djimon Hounsou e John Krasinski, "Um Lugar Silencioso - Parte II" dá sequência ao pesadelo concebido no primeiro filme e pavimenta os rumos para o futuro da (agora) franquia...

Igual mas diferente
Mesmo que ninguém pudesse imaginar, agora, podemos admitir: John Krasinski é um sádico de marca maior. Quem poderia supor que aquele pacato e cultuado ator da igualmente cultuada sitcom "The Office" guardaria dentro de si um roteirista e diretor de tamanho sangue frio a ponto de entregar uma silenciosa metáfora sobre hombridade e compaixão, ainda que cercada de aliens genéricos e disfarçada de filme de terror? O único spoiler que se pode dar a respeito de "Um Lugar Silencioso - Parte II" é que o raio caiu novamente no mesmo lugar e e acertou em cheio.


Na trama - que acontece pouco depois dos acontecimentos do final do primeiro filme -, Evelyn (Blunt) e seus filhos reúne alguns poucos pertences (e o bebê recém-nascido) para deixar a fazenda, que não é mais um abrigo seguro contra os ataques das monstruosas criaturas vindas de sabe Deus onde. Após quase serem novamente pegos pelos monstros, encontram abrigo temporário com Emmett (Murphy), um velho conhecido, numa fábrica abandonada. Ele está bem depressivo por ter perdido sua família (para os monstros e para doença) e o local também não é seguro por ser um galpão aberto, além de não ter estoque de comida ou medicamentos. Marcus (Jupe), filho de Evelyn, teve sua perna gravemente ferida por uma armadilha contra ursos durante uma perseguição e necessita de cuidados. Além disso, o recém-nascido sofre de problemas respiratórios e necessita do auxílio de um galão de oxigênio (que está quase no fim). A única esperança reside numa pista que pode indicar sobreviventes que ficam a dois dias de distância do local... numa ilha.

Embora o primeiro filme tenha sido uma grata surpresa na mal-fadada safra de filmes de 2018, o segundo exemplar da franquia teve o azar de ter seu lançamento agendado justamente na segunda semana de março de 2020 - sim, o exato início da pandemia que paralisou o mundo e fechou diversos estabelecimentos, inclusive, claro, cinemas (alguns jornalistas chegaram a assistir e até publicar vídeos na época, com promoção de marketing e tudo - em vão).


Óbvio que o lançamento foi adiado, primeiro para duas semanas adiante, depois para um mês, em seguida para dois meses, ainda para o final de 2020, até que os produtores finalmente perceberam que a pandemia era bem mais séria do que supunha-se e não houve mais previsão de lançamento para 2020. Vendo sob esse prisma, talvez tenha sido "bom" - dadas as devidas proporções - que o segundo filme "descansasse" mais um pouco, dando oportunidade para todo um público descobrir o primeiro exemplar e pudesse, agora, apreciar o que exatamente Krasinski tinha em mente nessa continuação direta.


Como cineasta, Krasinski não quer reinventar a roda. Ainda bem, eu diria. Sua visão é bem funcional para servir apenas à história. Extrai somente o necessário de seus atores, sem necessidade "daquela" interpretação digna de prêmios. Mas está igualmente atento para não deixar a peteca cair em relação ao ritmo e à mise-en-scène. Não traz tomadas mirabolantes nem ângulos super-ousados às suas cenas mas dá à sua diretora de fotografia (aqui, Polly Morgan, egressa da TV, substituindo a experiente Charlotte Bruus Christensen do filme anterior) soluções de alto contraste com bom uso de silhueta e penumbra, quando se faz necessário.


A edição de som - comandada por Erik Aadahl - funciona em perfeita parcimônia com a edição de Michael P. Shawver, intercalando momentos iniciais das percepções dos personagens em geral com a de Regan (Simmonds), que é deficiente auditiva (assim como a atriz). Então temos cenas onde os barulhos estão no volume máximo seguidos da urgência onde não há som mas que, em vez de atrapalhar, só enriquece a experiência. A trilha sonora orquestrada pelo veterano Marco Beltrami é funcional como tudo no filme, acrescentando suspense e terror onde é necessário mas também transparecendo alguns momentos de leveza quando determinadas cenas pedem.


Embora todo o diminuto elenco dê conta do recado, o destaque é mesmo de Millicent Simmonds cuja personagem tem um destaque um pouco maior em relação ao primeiro filme. Mesmo que não seja a protagonista (o filme muda de foco narrativo o tempo todo), boa parte da trama se expande por conta de suas ações e percebe-se um amadurecimento em relação à personagem mas também à atriz. O fato de ser deficiente auditiva traz ainda mais veracidade às situações vividas por sua personagem - e a "dobradinha"com um contido porém operante Cillian Murphy - mostra que aprendeu bastante em relação à timidez de seu trabalho anterior. A trama, porém, traz ótimos momentos a todos os personagens com igual importância e de forma equilibrada.

O roteiro de Krasinski usa de algumas obviedades da cartilha do terror clássico - principalmente o da "casa mal-assombrada" -, emulando momentos dignos da filmografia de Kubrick ou Hitchcock, porém afirmando sua própria assinatura a cada cena. Por vezes manipulativa, a direção de Krasinski vai ~"comendo pelas beiradas", sem pressa mas sabendo que boa parte da audiência não tem paciência para soluções sutis.


Mesmo que as assustadoras criaturas apareçam menos que no primeiro filme, quando aparecem, desestabilizam o status quo, trazendo urgência e medo por conta do visual que mistura aranha e cavalo, resultando num dos exemplares mais bestiais e horrendos de monstros da História do Cinema .


Reunido todos esses fatores, temos um filme enxuto e que vai sempre direto ao assunto, sem firulas - aliás, como no primeiro filme, o final é como "um puxão na tomada", deixando o espectador revoltado mas ansioso por mais (o que pode ser um destaque negativo para alguns). Krasinski é um daqueles sádicos que gosta de ver sua plateia sofrer - e de que o atual cinema tanto necessita.

"Um Lugar Silencioso - Parte II" é o perfeito exemplo de que o segundo filme de uma franquia não precisa, necessariamente, superar o primeiro em relação à história. Principalmente se há mais por vir. Não reinventar a roda - em tempos de falta de criatividade e qualidade nas atuais safras de filmes de terror -, quem diria, virou algo revolucionário.  A boa bilheteria que o diga. Hitchcock e Kubrick devem estar orgulhosos...


Kal J. Moon fala sozinho, discorda de si mesmo em voz alta e provavelmente não sobreviveria num mundo invadido pelas 'aranhas-cavalo'...


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