Baseado no mangá de mega sucesso (inclusive no Brasil) criado pela autora Ichigo Takano, a série de anime "Orange - Mirai" vai muito além da narrativa romântica adolescente para tocar num tema ainda delicado na sociedade mundial: a depressão.


"Bondade sua me explicar"

Rapaz bonito, porém não muito comunicativo. Novato, veio de outro município. Moça, um pouco mais jovem, tímida, claramente se apaixona. Outro rapaz, daquela turma de amigos, é apaixonado por ela mas guarda segredo por receio. As amigas dão força mas a vergonha da rejeição impede que qualquer um desses vértices se unam. Em quantos animes você já viu essa mesma história? Talvez até em sua própria adolescência, não é mesmo? Mas e se um componente de ficção científica viesse "atrapalhar" todo esse romance e a narrativa se transformasse num mistério a ser desvendado? Essa é a impressão que se tem ao assistir o primeiro episódio de "Orange - Mirai".

Na trama, durante o primeiro dia de aula, a protagonista Takamiya Naho recebe uma carta misteriosa ESCRITA POR ELA MESMA (vinda de 10 anos no futuro), que a aconselha a não realizar certas ações. Mas ela ignora, achando ser uma pegadinha. Nesse dia, os amigos de Naho convidam Kakeru, o novo aluno transferido de Tóquio, para um "rolê" depois da escola. Porém, algo terrível acontece à família de Kakeru - algo que poderia ter sido evitado se Kakeru tivesse voltado mais cedo para casa. Naho confere que a carta tem detalhes de cada dia a partir dali, dando instruções específicas do futuro, onde Kakeru... morreu (dali a um ano pois suicidou-se).


"Orange - Mirai" não é lá dos animes mais "fáceis" de se assistir. Principalmente se o espectador tenha passado por uma situação recente de luto. A trama explora, com surpreendente riqueza de nuances, sentimentos comuns a todo mundo como culpa, arrependimento e ainda "brinca" com a possibilidade que vem à mente de qualquer pessoa: o que eu poderia ter feito para evitar a morte daquela pessoa?

Alguns episódios - como o segundo, o terceiro e o último - "tocam na ferida" sem dó, mostrando como pensa qualquer pessoa que enfrenta sintomas de depressão, uma das mais terríveis doenças de todos os tempos. Ver um personagem tão jovem dizendo, por exemplo, que pensa todos os dias em morrer é de partir o coração - principalmente se tal coisa já passou pela sua própria cabeça...

Mas e quando não apenas passou mas fica ali, naquele cantinho isolado, te tentando, dizendo que vai ser "mais fácil" se acabar com sua própria existência? Ninguém quer falar sobre isso porque isso é "frescura de adolescente". Querer morrer com 16 anos de idade, sem ter tido responsabilidade na vida além de estudar e ajudar nas tarefas de casa é "coisa de vagabundo", não é mesmo?

Não, não é mesmo.

E isso não deveria ser tratado como se fosse uma "fase" mas sim como um alerta a uma doença que necessita urgentemente de tratamento - como qualquer doença, aliás...


"Orange - Mirai" consegue a façanha de misturar com parcimônia o típico romance adolescente com o "perigo" da narrativa depressiva. Ora é um copo de água cheinho de açúcar mas quando tende a ser um copo de fel, é difícil de engolir sem ao menos lacrimejar um pouquinho - no bom sentido pois é muito bem escrito.

O roteiro dos apenas 13 episódios escritos por Ayumu Hisao, Yuko Kakihara e Mariko Kunisawa condensa bem a saga de seis volumes do mangá, resolvendo a trama de forma objetiva mas equilibrando o mistério e mantendo o interesse enquanto tudo é desvendado, episódio após episódio. Por que Kakeru deseja dar cabo de sua vida? Se Naho já sabe a data da morte de Kakeru, como fazer para impedir? Kakeru e Naho serão um casal? E o mais importante: como ela conseguiu mandar uma carta para si mesma vinda de 10 anos no futuro?

(Sim, todas essas perguntas são respondidas a contento)

Nos aspectos técnicos, o único "porém" do anime é que provavelmente tenha sido uma produção com poucos recursos e não deve ter contado com artistas mais renomados. A solução visual dos personagens seguem muito de perto o traço do mangá, é verdade, mas muita coisa ficou com uma aparência "feia", principalmente no rosto dos protagonistas, com lábios protuberantes e soluções mais anatômicas, numa mistura do tradicional traço de anime com outros estilos artísticos, gerando umas confusões em algumas cenas. Nada que vá estragar a experiência a ponto de fazer a audiência desistir de assistir mas...


O final do último episódio, mesmo depois de tudo resolvido - apesar de muito honesto -, ainda deixa uma pequena dúvida no ar. Mas só quem prestar muita atenção vai perceber que, talvez, o final da história não tenha sido lá muito feliz...

"Orange - Mirai" é uma série de anime de 2016 que lida com um problema sério da maneira correta: sem floreios, com igual delicadeza e franqueza, mostrando a óptica real de quem o enfrenta. Não fez mais do que a obrigação, aliás. Mas como poucos o fazem, merece cada aplauso e divulgação... "Orange - Mirai" é humano, demasiado humano.

(Se você, que acabou de ler essa crítica, está passando por momentos de depressão, procure ajuda. Entre em contato com o CVV ou procure um profissional médico urgentemente. Eu acredito em você. Pode até demorar, eu sei, mas vai dar tudo certo...)




Se Kal J. Moon conseguisse alguma forma de mandar uma carta para a versão de dez anos atrás de si mesmo, com certeza ouviria poucas e boas...



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