Novo filme da Marvel Studios é, como um golpe secreto de Kung-Fu, indefensável

Como "...o vestido certa na garota errada", o novo filme da Marvel Studios, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis é o filme que a gente esperava, mas que caiu nas mãos do diretor errado. Inicio a crítica citando Aerosmith (o filme cita logo no início, então me senti na obrigação de citar também), uma vez que esta estrofe da música Ain´t That a Bitch, do último disco decente da banda de Boston, Nine Lives, de 1997, ficou sendo martelada em looping na minha mente enquanto eu assista o longa.

Deston Daniel Cretton realizou alguns filmes legais, que tiveram boa visibilidade e repercussão positiva como O Castelo de Vidro, de 2017, e, mais recentemente, Luta por Justiça, de 2019. Porém, o hype em torno de sua figura não justifica sua escalação para dirigir um filme que, na minha opinião, deveria ter sido entregue à alguém que tivesse experiência com filmes de luta, especialmente Kung-Fu. 

Afinal, o nome pelo qual o personagem principal do filme ficou conhecido nos quadrinhos é Mestre do Kung-Fu. Portanto, acredito que o Kung-Fu deveria ser um dos ingredientes principais de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, mas o que vimos foi um filme que mostra pouco, muito pouco, de tudo que o cinema de Hong Kong desenvolveu ao longo de mais de cinquenta anos. Ao invés de recorrer aos efeitos especiais fantásticos da escola chinesa, Cretton lançou mão de efeitos visuais que empobreceram o produto final.

Sendo assim, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis decepciona exatamente por não oferecer um ingrediente adicional à fórmula já batida das produções da Casa das Ideias, tornando-se mais um entre tantos filmes ruins da franquia, como Vingadores: Era de Ultron e Homem de Ferro 2.


Para ser justo, o filme até começa com uma sequência linda, muito bem coreografada e que remete aos antigos filmes de mestres shaolin. Mas as referências aos clássicos, que no Brasil eram distribuídos pela China Vídeo em VHS nos anos 90, param por ali. Após o prelúdio, o que temos é um filme clichê, recheado de cenas em CGi, atuações aquém do esperado, uma barriga enorme entre o segundo e o terceiro ato e aquele festival de piadas desconexas que a Marvel insiste em fazer para satisfazer as audiências menos exigentes. Vou usar "menos exigente" pra não chamar ninguém de "burro", porque essa aludida insistência em lançar filmes engraçadinhos já passou, há muito tempo, do limite do razoável.

Se a intenção era emular os filmes da Shaw Brothers Studio e Golden Harvest trocando efeitos especiais por visuais falharam miseravelmente. Talvez, a grande falha foi a produção não ter se associado à algum estúdio com tradição nos filmes de Kung-Fu.

Pode parecer que eu esteja sendo muito exigente, mas o personagem Mestre do Kung-Fu foi criado pela Marvel Comics justamente para ocupar um slot, nos quadrinhos, que foi aberto na cultura pop pela influência dos filmes de artes marciais no ocidente. Nos anos 70, estes filmes eram muito populares e o modo como eram produzidos se tornaram uma escola que não pode ser negligenciada como foi neste filme da Marvel

Agora, pode ser que eu esteja viajando e a intenção deles não era fazer um filme com base nas tradições da escola de Hong Kong e sim um mero filme de super-heróis. Ok, não há nada de errado nisso. Mas não basta parecer chinês ou referenciar a cultura e mitos chineses para fazer Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis funcionar. Para este filme funcionar, a tradição tinha que ter sido respeitada ou, no mínimo, ter servido de norte para a realização do filme. De outro modo, não funcionaria. Como não funcionou.


Diz a lenda (não a dos Dez Anéis) que Simu Liu teria se oferecido para estrelar o filme. A Marvel Studios poderia ter feito vista grossa e deixar passar, uma vez que o ator não tem carisma. Ele é um bom artista marcial, mas para por aí.

Quanto à Awkwafina, não sei o que ela está fazendo neste filme. Sua personagem, Katy, é totalmente dispensável. É um alívio cômico tão desnecessário quanto Darcy (Kat Denning) em Thor. Responsável pela maioria das piadas inconvenientes, torcia por sua morte toda vez que sua vida estava em risco na trama.

Michelle Yeoh está atuando no automático e Tony Chiu-Wai Leung é, de longe, o destaque do filme. Meng'er Zhang, como Xialing, e Fala Chen, como Li, estão maravilhosas.

Não pretendo dar spoilers, mas todas, TODAS, as participações especiais de personagens do lore do Universo Cinematográfico Marvel são constrangedoras e despropositadas. Todas as cenas poderiam ter sido limadas no corte final que não fariam falta. Inclusive as cenas pós-crédito. São interferências que parecem servir apenas para nos lembrar de que se trata de um produto Marvel, o que já fica claro no início do filme, com a vinheta.

Por fim, não recomendo.



Marlo George assistiu, escreveu e anda cansado de tanta expansão de universo e pouco desenvolvimento