Mais um filme que, apesar do disfarce de obra cult, abusa das fórmulas, clichês e bobagens dos outros longas da franquia da Casa das Ideias

A diretora de Eternos, novo filme da Marvel Studios, baseado na obra do incrível quadrinista Jack Kirby, venceu o Oscar deste ano pelo filme Nomadland. Chloé Zao levou pra casa as estatuetas de Melhor Diretora e Melhor Filme. Isso elevou a expectativa para o seu próximo trabalho, Eternos, às alturas. Os trailers aumentaram ainda mais as especulações de que o filme seria uma obra autoral, com assinatura da diretora.

Ocorre que, Eternos é mais um filme da Marvel Studios, com cara de filme da Marvel Studios e que traz todas as fórmulas e clichês dos outros longas da franquia. Nem mesmo o fato de ter uma diretora  cultuada e conhecida por ter um trabalho com assinatura própria é novidade.

Eternos é um filme de origem de um grupo de super-heróis fantasiados que abusam de seus superpoderes, se metem em grandes apuros e resolvem todos os seus problemas na base da porrada. Nada pode ser mais Marvel Studios do que isso. Essa fórmula é repetida, filme após filme, enquanto a Casa das Ideias (apelido que a editora de quadrinhos recebeu de Stan Lee, editor mais famoso da empresa, décadas atrás) vai construindo sua mitologia cinematográfica. Tudo que é esperado de uma produção da Marvel Studios, como diálogos rasos, soluções fáceis e final previsível, está presente.

Eu gostaria muito de dizer que Eternos é um filme Marvel diferente por trazer diálogos inteligentes e heróis que resolvem seus problemas através da diplomacia e inteligência. De que, apesar das fantasias fanfarronas, os personagens são profundos e seus dilemas complexos. Porém, o que temos é um roteiro preguiçoso e heróis violentos.

Até mesmo visualmente o filme se parece com qualquer outro filme da franquia. Mas sobre isso falarei mais quando for tratar da direção de fotografia.


Chloé Zao
é uma diretora cultuada por seu estilo que, de certa forma, lembra muito o do cineasta John Ford, com cenas em plano aberto e que usam as locações como mais um recurso para contar a história do filme. Ela não é, definitivamente, uma diretora de filmes de ação, como John Woo, por exemplo. Mas a Marvel tem o costume de trazer para as suas produções diretores que não estão acostumados a realizar filmes de ação e, muitos deles, como Zao, são considerados cults, como Jon Favreau, Taika Waititi e Kenneth Branagh.

Favreau, Waititi e Branagh são diretores com assinatura própria que emprestaram suas visões para os filmes da Marvel. Ao assistirmos Homem de Ferro, Thor: Ragnarok e Thor, podemos facilmente reconhecer seus estilos em tela, em meia dúzia de cenas espalhadas pelo rolo. Nada mais que isso. Franquias como a Marvel não se dão ao luxo de dar liberdade total e irrestrita aos diretores.

Assim sendo, nem mesmo o "super trunfo" de trazer uma diretora oscarizada, e hypada entre os cinéfilos, é novidade. Eternos, contradizendo o que muitos colegas dizem por aí, é um filme da Marvel Studios. Ponto.

Zao assina o roteiro do filme com Patrick Burleigh (Pedro Coelho 2: O Fugitivo), e os estreantes no ramo Ryan Firpo e Kaz Firpo. O grande problema do roteiro é o desenvolvimento de personagens. Nenhuma personagem é bem desenvolvida. Não me apeguei à nenhuma delas. O filme termina e eu não me importei com seus destinos, muito menos tenho vontade de seguir a jornada das que restaram. 

Além disso, o filme é longo demais e a experiência de assisti-lo muito cansativa.


A adaptação do material original está à contento, apesar de eu nunca ter gostado muito da vibe "alienígenas do passado" da história criada por Jack Kirby. Não acho que a origem do universo, apresentada em Eternos, cria "liga" com tudo que já foi apresentado pela Marvel Studios no cinema. E isso foi, ainda mais, agravado pela tentativa constante de desvincular-se do Universo Cinematográfico Marvel (UCM). Não fosse a logomarca da Marvel na cabeça do filme e algumas citações à personagens da franquia, poderia dizer que sequer se trata de um filme do UCM. Não há conexões consistentes.

O pior de tudo é a desculpa esfarrapada de que os heróis não interferiram nos eventos catastróficos de Os Vingadores, Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato por terem feito um "juramento de não-interferência", quando o evento não envolve seus inimigos principais, os deviantes. Sersi interfere em uma situação que não envolvia deviantes, pelo menos não explicitamente, logo no início do longa. Os roteiristas poderiam ter feito uma cena, pelo menos, que mostrasse um envolvimento, mesmo que discreto, da heroína nos eventos principais da Marvel. Isso deixaria o filme mais interessante e consistente.

Porém, ao que tudo indica, quanto mais distante do MCU, melhor.

A direção de fotografia é de Ben Davis, que já trabalhou em outros filmes de super-heróis como Kick-Ass: Quebrando Tudo (2010), Guardiões da Galáxia (2014), Vingadores: Era de Ultron (2015), Doutor Estranho (2016) e Capitã Marvel (2019). O trabalho é muito bom, pois o Davis é um dos responsáveis em dar uma "cara" ao UCM e isso proporciona ao público um filme de fácil digestão por seguir o padrão elevado da Marvel. Em Era de Ultron, por exemplo, é o seu trabalho que evita que aquele filme fosse um desastre total. 

Por algum motivo que desconheço, Zao não escalou seu fotógrafo favorito, Joshua James Richards, que trabalhou com ela em TODOS os seus outros longas.

Para piorar tudo, o grupo escalado para viver as personagens de Eternos não funcionou bem. O triangulo amoroso vivido por Gemma Chan, Richard Madsen e Kit Harrington não tem química nenhuma. Chan é uma boa atriz e empresta à sua personagem, Sersi, um pouco de seu carisma e delicadeza. Ao mesmo tempo que parece frágil, Sersi é uma heroína forte e decidida. Não fosse o mau fadado relacionamento de Sersi com seus dois "namoradinhos", o que a prejudica demais, seria uma das minhas heroínas preferidas do UCM.

Madsen e Harrington estão muito aquém do que se espera de astros que brilharam em Game of Thrones. Quiçá tenha faltado direção aos atores.

Salma Hayek, a nossa eterna "Satanico Pandemonium" de Um Drink no Inferno, parece desmotivada, apática. Em nada lembra aquela atriz vigorosa e que rouba cenas qual estamos acostumados.

Achei interessante o personagem Kingo (Kumail Nanjiani) e seu relacionamento com Karun (Harish Patel). A dupla funcionou em seu próprio núcleo, mas acho que foram explorados além do necessário. A piada do documentário perde a graça depois que de ser repetida pela centésima vez.

Lia McHugh está bem, mas a personagem Duende serve apenas para deixar a conclusão do filme previsível. Gratas surpresas foram as personagens Phastos, de Brian Tyree Henry, e Makkari, de Lauren Ridloff. Não pela representatividade em si, mas pela forma como suas jornadas foram apresentadas. Aliás, a dobradinha Ridloff e Barry Keoghan, o Druig, foi um dos pontos altos do filme. Inesperado e belo.

O gigante Gilgamesh, Ma Dong-seok, e Thena, Angelina Jolie, mereciam um filme solo. De longe, são as personagens mais legais do filme. Dong-seok tem um tom cômico natural, enquanto Jolie, poderosa e linda de morrer, parece ser o único membro do elenco que está levando o trabalho à sério.


Bill Skarsgård, como o vilão Kro (que nome ruim, meu Deus), é ameaçador, mas genérico.

Os figurinos são incríveis. Sammy Sheldon já tinha trabalhado em outros filmes baseados em quadrinhos, como X-Men: Primeira Classe e Homem-Formiga. O desenho de produção e direção de arte não impressionam, uma vez que tudo que vi em tela parecia falso. Entendo que lançar mão de locações reais, como nas cenas da Babilônia, por exemplo, demanda trabalho, mas achei que os cenários e adereços de cena eram demasiado mau feitos.

A trilha sonora, de Ramin Djawadi, é excelente e traz temas interessantes e envolventes.

Dylan Tichenon e Craig Wood, de A Hora Mais Escura e Guardiões da Galáxia, respectivamente, são os editores do filme e seu trabalho segue o padrão de qualidade Marvel Studios. A montagem traz alguns problemas, uma vez que a trama é não-linear, o que demanda um cuidado maior nos cortes, e apresenta muitos cenas que poderiam ter sido eliminadas no corte final desta versão para o cinema.

O filme de Chloé Zao com a Marvel Studios deixa sinais claros de que, apesar de a produtora estar lidando com uma diretora visionária, não deixou espaço para maiores ousadias ou liberdades por parte da artista. Novamente temos um filme com a cara da Marvel, apesar da forte maquiagem cult, que não se sustenta após primeiros minutos de projeção.



Marlo George assistiu, escreveu e não acredita em alienígenas do passado...

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