O diretor neozelandês Taika Waititi visita mais uma vez o Universo Cinemático Marvel e reencontra Thor, o herói que o lançou aos píncaros da glória do cinema POP em Thor: Amor e Trovão


Baseado nos quadrinho de Jason Aaron e fazendo declarações de amor visuais ao Mestre Jack Kirby, Thor: Amor e Trovão é o sexto filme do Marvel Cinematic Universe (MCU), o bem-sucedido Universo Cinemático Marvel. Narrado pelo personagem Korg, cuja voz é do diretor do filme, Taika Waititi, o filme dispensa tudo que já foi apresentado nos mais de 20 anos de MCU e funciona como um filme isolado e que pode ser assistido sem a necessidade de um conhecimento prévio de tudo que foi mostrado em filmes e séries de TV anteriores.

Isso é bem conveniente, pois o filme tem dois temas principais: A jornada por autoconhecimento, daquelas que o indivíduo busca respostas para sua própria existência e motivações, e a morte. E, pasmem, o filme é concluído com a mesma resposta para estes dois dilemas, que são a solução para o conflito interno e externo tanto do protagonista, quanto do antagonista.

Sim, nosso protagonista, Thor Odinson, está em busca de seu lugar no mundo. Sua longa vida e experiência cunhou um homem amargo, solitário e sem sonhos. E essa estrada de sofrimento e solidão tem motivo: Thor ama Jane Foster, sua última amante. Uma terráquea tão genial que impressionou o imortal Deus do Trovão. Sem ela, ele anda perdido, jogando-se em aventuras e lutas alheias, escondendo seu sofrimento por traz de um corpo musculoso, bom humor e atos heroicos.

Logo no início do filme é dito, sutilmente por trás de piadas e momentos cômicos exagerados, que ele é aquele tipo de pessoa que está disposta a ajudar as outras de forma altruísta, típica dos grandes heróis. Mas, e seus próprios sonhos e desejos? Haveria sentido em sua vida?

Repentinamente, ele reencontra Jane, o amor de sua vida, mas ela mesma está tendo que enfrentar seus próprios demônios e, em razão de complicações de origem humana, o tempo de Jane está terminando.

Já o nosso antagonista, um homem devoto que, em um momento de descrença, se torna o Carniceiro dos Deuses, busca em sua trajetória violenta, derramando sangue divino pelo universo, busca a realização de um desejo. Seu sonho é o retorno do amor de sua vida, e é neste ponto que o seu próprio caminho cruza-se com o de Thor Odinson.


Em busca de um propósito para suas vidas e a da realização do sonho de estar com as pessoas que amam, tanto Thor, quanto Gorr, o Carniceiro dos Deuses, precisam se despir de seus disfarces poderosos para, humildemente, submeterem-se ao destino e aceitarem que nem sempre aquilo que se deseja, ou que se busca, é possível. Mas mesmo o impossível, pode ser reparado, caso sejamos lúcidos o suficiente para encontrar o amor, o mesmo amor, mesmo que em outras pessoas.

Neste ponto, o roteiro de Thor: Amor e Trovão é lindo.

Apesar do roteiro belíssimo e inteligente de Taika Waititi e Jennifer Kaytin Robinson (Alguém Especial, de 2019), Thor: Amor e Trovão é um filme que pode ser difícil de acompanhar, caso o espectador seja distraído ou muito agarrado ao conceito da fórmula Marvel, que é baseada na "jornada do herói", do livro O Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell. O arrojo do texto e montagem pode passar a impressão de que o longa é confuso, porque os recursos utilizados para contar a história são dinâmicos e organicamente juntados. Ao final do filme é possível entender toda a trama, pois todas as respostas foram dadas no decorrer das quase duas horas de duração e nós as recebemos ao mesmo tempo que o protagonista e o antagonistas as recebe. Fazer isso é muito difícil e Waititi consegue apresentar um filme de alto nível, rebuscado e de arte para um público popular, e o faz sem perder o aspecto POP da produção.

Sabe quem mais faz isso? Kevin Smith e Todd Phillps, os diretores de O Balconista, de 1994, e Coringa, de 2019, respectivamente.

Waititi, Smith e Phillips provam, com seus filmes, que pode existir inteligência em produtos POP e que são direcionados para as massas. Isso é importante, porque você aproxima o público que não está no circuito restrito do cinema de arte de filmes complexos, cuja leitura é árdua, porém deleitosa. Filmes  POP inteligentes geram público qualificado.

Porém, nem todo mundo está preparado ou qualificado para assistir estas produções e entendê-las em suas intenções. E Thor: Amor e Trovão não é um filme para qualquer um. Portanto, muitos irão criticá-lo no sentido de que é um filme ruim ou que "não é da Marvel". Como me disse Kal J. Moon, "Se o capim mudar de cor, o burro morre de fome".

E a Marvel Studios vem tentando mudar o ritmo que ela vinha tomando até a terceira fase de seu universo cinemático. Em filmes como Eternos, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura e neste último do Thor, o estúdio está dando mais liberdade para os diretores. Assim, tivemos êxitos e fracassos, mas pelo menos ouve ousadia para testar os limites que as histórias podem chegar ou romper. Eternos é um filme ruim, mas é ousado. Doutor Estranho 2 e Thor 4 são bons filmes, porque ousaram. Infelizmente, estes dois últimos foram detonados pela crítica e público, o que pode fazer com que a Marvel Studios dê uma puxada no freio e pare de nos presenciar com filmes realmente bons, e nos dê mais do que nos foi oferecido pelas primeiras produções de suas três fases anteriores, que são legais, mas que não geram reflexão.

O aprofundamento dos personagens principais, Thor, Jane e Gorr, é explicado pela estrutura da narrativa. Nós acompanhamos as suas jornadas ao lado dos coadjuvantes, que tem participações importantes e são utilizados da forma correta. O filme não perde tempo dando tempo de tela desnecessário para desenvolver as personagens de apoio, uma vez que nenhuma trama paralela é necessária para contar a história principal. 

Deste modo, Valquíria, Korg e outras figuras são utilizadas de forma sucinta e eficiente em termos narrativos. Não há espaço para mostrar mais das personagens de Tessa Thompson e Taika Waititi, sem atrapalhar a história principal.


O elenco está muito à vontade em tela. Chris Hemsworth novamente encarna Thor e nos mostra um homem em conflito, com sentimentos reprimidos, mas que consegue mascarar suas dores com um sorriso, muitas das vezes, sincero. As piadas que envolvem suas ações, algumas das vezes provocadas pela própria personagem, servem como escudo para que ele, e nós mesmos, não caiamos em desespero.

Jane é defendida novamente por Natalie Portman e sua atuação nos faz acreditar que aquela mulher independente, inteligente e decidida pode ser frágil ao ter de encarar um inimigo invisível, impossível de vencer. As camadas da personagem são apresentadas cada vez que uma delas é arrancada dela no decorrer da trama. Tudo termina para ela de forma dura, porém redentora. Uma personagem feminina forte, importante e que seve de modelo para mulheres e homens do mundo todo. Basta ter a sensibilidade necessária para entender seu drama, sua luta e compreender de onde ela tira sua força. E não é de um adereço de cena. É de dentre de seu espírito destemido.

A química entre Hemsworth e Portman é natural e os atores se conhecem bem o suficiente. Sua "comédia romântica" já tem mais de dez anos e agora, ver o casal formado por um homem em conflito e uma mulher sem muita esperança é um tanto quanto melancólico. É possível rir com os dois, mas o sofrimento que permeia a relação é evidente, sendo apresentado com muito bom gosto e sem pieguices.

Gorr, interpretado pelo impressionante Christian Bale, é a antítese de Thor. A personagem é destruída logo no início do filme e, de homem fraco e descrente, ele se torna um poderoso, e impiedoso destruidor de deuses pagãos, mostrando como eles (e subjetivamente, a crença neles) são fracos perante um assassino tão cruel. Um personagem profundo e complexo.

A produção do filme é excelente. A direção de fotografia, maravilhosamente captada por Barry Idoine, de Rogue One, The Mandalorian e O Mestre

A direção de arte é feita por uma comissão, composta por Vlad Bina, Andrew Chan, Joshua Dobkin, Tony Drew e Jenny Hitchcock. O trabalho é muito bem feito, especialmente ao retratar a cultura asgardiana na Terra. Os cenários foram criados por Charlie Revai, todos muito ricos e cheio de referências, especialmente ao Guns N´Roses, mas irei falar da banda mais pra frente.

Os figurinos foram desenhados por Katie Sharrock, que tomou como inspiração filmes de ficção científica dos anos 80. Flash Gordon, de 1980, com Sam J. Jones, é uma referência óbvia. 

A maquiagem ficou à cargo de Mayes C. Rubeo e o trabalho é muito bem. Além dos personagens alienígenas e sagrados interpretados por humanos, temos ainda fantoches e animações interpretando e representando aliens e deuses. Isso dá um toque todo especial em alinhamento com a intenção do diretor de fazer um filme moderno com a mesma linguagem das produções dos anos 80, que lançavam mão deste tipo de efeitos especiais e práticos.

Os efeitos visuais são muito bons e combinam bem com estes efeitos especiais que citei. Um trabalho muito bonito e que orna bem com o todo.

Já a trilha sonora, composta por Michael Giacchino e Nami Melumad, é bastante fraca. Não fossem pelas adições das canções originais do Guns N´Roses, talvez o filme não tivesse o acompanhamento necessário em cenas chaves. Aliás, que boa sacada usar o Gn´R como liga entre o mundo fantástico do MCU e o nosso mundo real. Foi uma sacada de gênio. Só não curti as citações exaustivas à banda no roteiro. Não tinha necessidade.

Se o filme tem um ponto fraco? Sim. Mas é tão pequeno que não atrapalha. São as cenas pós-créditos obrigatórias. Não acrescentam nada, principalmente a primeira delas, que novamente nos apresenta um novo personagem desconhecido que será o preferido da galera no dia seguinte. A segunda é bela, mas não era necessária. Nem sempre a beleza é conveniente.

Taika Waititi cometeu novamente um filmaço, sendo um dos mais criativos e importantes diretores de sua geração. 

E olha, se você torce o nariz pro Zack Snyder, e concorda com esta minha última afirmativa? Então é melhor rever seus conceitos. Thor: Amor e Trovão tem cara, cheiro e jeito de filme do diretor do excelente Batman Vs. Superman: A Origem da Justiça.



Marlo George assistiu, escreveu e só não curtiu as piadas meméticas dos bodes e da Enya.

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