Com um final inesperado, novo filme da franquia The Ring decepciona

O ano era 1987. Eu fui ao cinema para assistir um filme blockbuster qualquer da época e fui surpreendido com um curta-metragem que foi exibido antes das peripécias de um brucutu qualquer que protagonizava a atração principal. Tinha 13 anos na época e nunca tinha assistido nenhum filme que tivesse menos de uma hora e meia de duração. Aquilo era uma novidade pra mim. Porém, a surpresa não estava apenas na curta duração do filme, que se chamava "Abismo de Espumas" (tem no Youtube), mas também na transição de gênero que a produção foi aos poucos aplicando e, o que começa como um filme de suspense, termina como uma comédia nonsense.


Assim também é o filme O Chamado 4: Samara Ressurge, que está invadindo os cinemas neste fim de semana pela Paris Filmes. O quarto filme do remake da franquia japonesa "The Ring", assim como Abismo de Espumas, traz uma mudança de gênero abrupta em seu encerramento. Filmes de terror costumam flertar com a comédia. 

Alguns, como Jogos Mortais, utilizam o recurso para chocar o público, trazendo momentos bem-humorados em meio a todo horror que é apresentado na película. Outros, e posso citar O Filho de Chucky como exemplo, são mais descarados e procuram causar mais risadas do que sustos no espectador.

Porém, poucos, como O Chamado 4: Samara Ressurge, apresentam uma história tensa durante todo o filme, para concluí-lo de modo cômico. E não estou falando de uma piada final. A intenção era contar uma história permeada de suspense e situações sem pé-nem-cabeça, para fazer tudo (de nonsense) ter sentido quando a trama se encerra de forma tão jocosa.

Uma pena que a rebuscada estrutura do filme não é acompanhada de um roteiro bom.


O Chamado 4: Samara Ressurge foi escrito por Kôji Suzuki (O Chamado) e Yuya Takahashi (Kamem Rider Geats, Lupin III: A Lápide de Jigen Daisuke) e a dupla parecia mais preocupada em provocar sustos, a cada cinco minutos, no público do que em contar uma história consistente. Isso foi, para mim, bastante irritante.

Além disso, parece que os roteiristas contam que o público já sabe do que o filme se trata, uma vez que não há uma explicação, mesmo resumida, sobre o lore da franquia. Isso é um erro, afinal, nem todos que irão ao cinema sabem quem diabos é Samara ou o que aconteceu com ela para torná-la uma assombração. Uma introdução, escrita quiçá, supriria esse problema do texto.

A trama foca no embate entre a superstição e a ciência. Kenshin, um charlatão, e Ayaka Ichijo, uma  moça extremamente inteligente, lutam, um contra o outro, para tentar explicar e impedir Samara de continuar matando. Ocorre que, se por um lado, os argumentos do religioso faz sentido, os da cientista não tem nem pé, nem cabeça. Suzuki e Takahashi poderiam ter trabalhado o roteiro de modo a espelhar na telona o negacionismo e movimento anti-ciência que vem afetando o mundo desde antes da pandemia do novo coronavírus. 

Preferiram usar soluções fáceis e, ao fim, o longa não passa mensagem alguma. Talvez nem tenham tido intenção alguma de fazê-lo.


O filme foi dirigido por Hisashi Kimura, que apesar de não ser um novato, tem uma carreira mais prolífica na TV. O Chamado 4: Samara Ressurge, de fato, se parece com um telefilme de baixo orçamento, com efeitos especiais ultrapassados e locações urbanas.

Ao contrário do roteiro, o elenco é muito bom, mas como é um filme nipônico, pode ser que alguns dos espectadores estranhem o "exagero" nas interpretações dos atores. Quase todos são muito caricatos e abusam de maneirismos que não são comuns em filmes americanos, por exemplo. Nada que estrague o longa (esta função foi dada ao roteiro), mas a escola de dramaturgia japonesa, e do oriente, de modo geral, destoa muito da ocidental, e pode ser considerada extravagante para parte do público. Quem está acostumado com tokusatsu e dorama não irá estranhar.

A protagonista é interpretada pela atriz Fuka Koshiba, mais conhecida pelo live-action baseado na animação de Hayao Miyazaki, Serviço de Entregas da Kiki, de 2014. Menos afetada que os demais colegas, entrega uma personagem sóbria em um universo bastante estapafúrdio.

Hiroyuki Ikeuchi, que faz o antagonista, é um ator experiente, com créditos em filmes interessantes como Ip Man, de 2008, e Patrulha Estelar, live action baseado no mangá de Leiji Matsumoto. Entrega um personagem interessante, complexo e que é mais consistente, apesar das ideias amalucadas.

Já Kazuma Kawamura, famoso pelo filme Prince of Legend, de 2019, quase cai no "overacting", mas sua personagem é cativante e o ator acaba convencendo.

O Chamado 4: Samara Ressurge não assusta ou impressiona. O final do filme acaba meio que justificando toda a bobagem dita durante o longa, nos convidando a rir da situação junto com o elenco e equipe. O filme pode ser ainda uma oportunidade de assistir, no cinema e fora do circuito de festivais, um filme estrangeiro (não-americano), uma raridade em se tratando de franquias cinematográficas. Mas, além disso, não espere muito mais.




Marlo George assistiu, escreveu e já caiu na gandaia, não no poço

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