Com mais de quatro décadas, o subgênero de terror slasher está repleto de franquias de sucesso com incontáveis continuações. Um de seus mais recentes exemplares, “O Clube dos Leitores Assassinos”, chega ao público na plataforma paga de streaming Netflix. Mas seria capaz de trazer novos ares a essa categoria de filmes, ou seria apenas mais um entre tantos outros repletos de clichês?

Morte e piscina
A produção espanhola - dirigida por Carlos Alonso Ojea (estreante em longas-metragens) e escrita por Carlos García Miranda (da franquia "Los Protegidos") -, parece, a princípio, fugir do padrão justamente por não ser gerada pelo circuito hollywoodiano. Entretanto, mesmo sendo originalmente falada na língua de Miguel de Cervantes e ambientada na terra natal de Almodóvar, aparenta ter ambições de projeção internacional, não apenas pela temática do filme mas por também utilizar o idioma bretão em diversos momentos de inserções textuais, como mensagens de celular, por exemplo.

Na trama, oito amigos se reúnem para apreciarem a leitura de um livro do gênero que mais gostam: o terror. Após uma tragédia envolvendo todos eles, necessitam sobreviver à implacável perseguição de um palhaço assassino, que pode conhecer bem seus mais obscuros segredos.

Todos os elementos mais conhecidos do subgênero slasher estão lá: um misterioso assassino com uma excêntrica fantasia; o grupo de jovens que vão sofrendo ataques um a um; a final girl protagonista, que tende a ser a grande heroína da história etc. Então o que faria desta obra interessante? Ou quer dizer que é uma perda de tempo para os apreciadores de slasher movies e pouco atrativo a neófitos?

Na verdade, a novidade está justamente no uso dos mais cristalizados clichês. Pode parecer estranho, mas para um subgênero considerado há muito já saturado e esgotado, seria realmente muito difícil criar algo efetivamente novo e atraente. A solução encontrada pelos realizadores foi tecer uma crítica aos defeitos existentes em filmes como este. E nada melhor para uma sátira, do que evidenciar os problemas desse tipo de produção.

Mas indo pelo espectro oposto ao da escola hollywoodiana das paródias ridicularizantes como “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, “Top Gang” ou “Todo Mundo em Pânico”, aqui vemos uma obra de tom sério, que está totalmente calcada nos vícios de linguagem do estilo. Porém, não é apenas pela sintaxe narrativa - abusando da metalinguagem - que reside, de forma simbólica, a crítica a esses defeitos. Isso também acontece de forma explicitamente expositiva através de diversas menções feitas pelos próprios personagens.

Algo muito fortalecido pelo fato de que, com exceção de um dos integrantes do grupo, todos são estudantes de literatura numa universidade. Desta forma, é possível evocar um senso de "superioridade" da assim chamada Sexta Arte (literatura) sobre a Sétima Arte (cinema), além de diversos comentários sobre a falta de veracidade das histórias de terror, a violência gratuita e as continuações forçadas, só para citar alguns tópicos problemáticos. Tudo fazendo parte de um recurso necessário para o caso de parte da audiência não captar o intuito da obra.

Mas também se engana quem pensa que o objetivo do filme seja depreciar o subgênero, que apesar dos problemas é muito apreciado por uma legião de espectadores. Trata-se de um ensaio que propõe o debate de como um estilo de narrativa, aparentemente tão frívolo e vago de conteúdo, poderia ser renovado de forma interessante. Além disso, traz outros subtextos muito interessantes para serem tratados justamente nas classes em que se lecionam as artes narrativas.

Mas para que tudo funcione como imaginado pelos realizadores, a parte técnica não poderia ser menos competente. A edição de Luis de la Madrid (de "O Operário") proporciona uma interessante alternância entre cenas, principalmente nas sequências em que a história é narrada como se estivesse no passado, enquanto vemos os eventos ocorrendo em tempo real.

Numa produção como essas, também não poderia faltar o esmero e dedicação de departamentos como a maquiagem da equipe de Cruz Puente (da versão espanhola do reality "Drag Race"), os efeitos especiais de Sonsoles Aranguren (da aclamada série "Game of Thrones"), o figurino de Markos Keyto (de "Tatooed Love") e Matías Martini (da série "Benidorme") e, obviamente, a fotografia de Pablo Diez (da série "Sagrada Família"). Além da trilha original de Arnau Bataller (de "Assalto ao Banco da Espanha"), responsável por embalar as tensões e alívios de forma adequada.

E para completar, o elenco também está muito bem em seus papéis. Veki Velilla (da série "A Catedral do Mar"), Álvaro Mel (da recente minissérie "Um Conto de Fadas Perfeito"), Priscilla Delgado (da série "Uma Equipe Muito Especial"), Iván Pellicer (da popular série "Elite"), María Cerezuela (da série "Desaparecidos"), Ane Rot (também de "Elite"), Carlos Alcaide (da série "O Internato: Las Cumbres") e Daniel Grao (mais conhecido por "Toc Toc") entregam atuações condizentes com a proposta do filme, carregando nas interpretações de seus respectivos estereótipos.

Parafraseando um recente sucesso cinematográfico, trata-se de uma obra que vai agradar os que gostam de filmes de slasher, tanto quanto aos que odeiam. Além disso, cumpre muito bem o objetivo de um produto da Sétima Arte: entretenimento.


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