Dirigido por Rodrigo Van Der Put, estrelado por Otaviano Costa, Katiuscia Canoro, Macla Tenório, Victor Lamoglia, Evelyn Castro, Jamilly Mariano, Totia Meirelles e diversas participações especiais, o filme "Vidente por Acidente" mostra que o cinema brasileiro é cheio de boas ideias. Mas... 


Pecado é errar o alvo
Há quem pense que a arte de fazer cinema reside apenas em conseguir uma quantidade significante de dinheiro, juntar o melhor elenco possível, rodear-se de profissionais competentes de cada área e um diretor que tenha "a visão" para que tudo seja providenciado de acordo com o cronograma pré-estabelecido de filmagens. Infelizmente, muitos realizadores brasileiros ainda pensam exatamente assim desde os tempos do lema "uma ideia na cabeça, uma câmera na mão". O roteiro de "Vidente por Acidente" tem várias "ideias na cabeça", várias propostas e intenções atrativas em andamento mas, para desespero geral da nação, nenhuma delas é desenvolvida a contento...

A premissa é promissora: um arquiteto chega aos 40 anos de idade em crise, descrente de sua bem sucedida carreira, quando resolve visitar uma ~“coach vocacional” que promete encontrar a verdadeira vocação das pessoas. Após beber um chá alucinógeno num ritual pra lá de controverso, ele desmaia e tem os seus pertences roubados mas, misteriosamente, sai da reunião com uma estranha habilidade: descobrir, com apenas um toque, a verdadeira vocação profissional das pessoas, usando seus novos poderes para fazer algo que gosta, contrariando a família e arranjando ainda mais confusão...


Dentro do dogma evangélico-cristão, é costume dizer que a definição de "pecado" é "errar o alvo" (ou "desviar-se do objetivo") - daí, a expressão "fulano se desviou do caminho" (ou "fulano é desviado") quando alguém deixa de comungar com a irmandade. E o roteiro escrito pela dupla André Brandt & Gui Cintra é um verdadeiro problema com pouquíssimas soluções viáveis, em que sempre volta-se às questões "por que diabos essa história vai para esses caminhos?" e "quem aprovou isso?!". Os "desvios" são tantos que até mesmos profissionais do melhor gabarito em matéria de humor brasileiro parecem meio perdidos perante um texto tão problemático. Ver nomes como Evelyn Castro, Totia Meirelles, Victor Lamoglia, Katiuscia Canoro, Ed Gama - dentre outros - sem UMA cena realmente engraçada é de dar dó...

Evelyn CastroJamilly Mariano, por exemplo, compõem o núcleo familiar do protagonista. As atrizes fazem o que podem com o paupérrimo texto que receberam, com situações que se armam e se desconstroem rápido demais - repare na cena do primeiro despertar do "sonho" do protagonista. A personagem de Evelyn é a esposa do protagonista e o casal não compartilha um beijo sequer em cena - não precisava ser algo voluptuoso mas, do jeito que ficou em tela, parecia mais um casal nada crível (independente de estarem em crise matrimonial). Já a personagem de Jamilly é a filha que quer herdar a profissão da família mas revela-se uma ótima cantora. Há um momento de real tensão emocional que é convenientemente desarmado na cena seguinte sem um desenvolvimento adequado - sem que haja um momento de reflexão para justificar adequadamente sua mudança de comportamento. O roteiro tinha muitos personagens e esse excesso de falta de foco narrativo atrapalhou consistentemente algumas potenciais performances.


Mas o principal defeito é que esse é um projeto encampado por Otaviano Costa - em seu primeiro papel como protagonista no cinema, em que também é responsável pela criação dessa trama. E vale dizer que Otaviano Costa é radialista de talento (com voz reconhecível e prestigiada), um ótimo apresentador de TV (saudades, Video Show), produtor competente, astro de comerciais que consegue vender bem qualquer produto ou serviço... Mas está longe de ser um ótimo ator - ou sequer "bom" (ao menos, não como protagonista). E pior: está longe de conseguir arrancar risadas com o arremedo de comédia que tem em mãos. Seu único recurso interpretativo nesta obra audiovisual é o olhar arregalado de quem está espantado com a situação - que se repete ao longo da maioria das cenas.

Na verdade, o grande (e grave) problema de "Vidente por Acidente" é justamente não ter como "dissociar" a imagem pública de Otaviano Costa do que é mostrado no filme. Por quê? Bem, o protagonista do filme é apenas Otaviano Costa com poderes de vidente e não um personagem crível o suficiente para que a audiência acredite em sua jornada. E fica outra questão: o roteiro mal ajambrado - com ideias do próprio Otaviano, vale relembrar - o prejudicou ou ele não é bom ator o suficiente para este tipo de papel? Ou, pior, a direção deveria "consertar" os erros de intenções cênicas apresentadas com ensaios prévios, evitando novas tomadas ou cenas constrangedoras?


"Mas como afastar a imagem pré-concebida de Otaviano Costa num filme em que ele é protagonista?" A resposta pode até parecer óbvia mas a principal seria "reescrevendo o personagem a ponto de não se parecer com o ator, dando-lhe características mais interessantes em sua jornada pessoal para afastar-se, ainda mais, de seu intérprete". E se nosso protagonista não funcionar mesmo assim, o melhor a fazer é escalar outro ator para a tarefa. O veterano Selton Mello poderia desempenhar esse papel melhor, num simples exercício de reimaginação - e seria bem mais efetivo no quesito "comicidade", por exemplo (porém, provavelmente, não aceitaria estrelar esse projeto com o roteiro apresentado).

Difícil dizer se o diretor Rodrigo Van Der Put (de diversos especiais da trupe multimídia Porta dos Fundos como "A Primeira Tentação de Cristo", "Teocracia em Vertigem" e a animação "Te Prego Lá Fora", dentre outros) só pegou mais um trabalho para garantir aquele aluguel esperto ou se houve algum tipo de interferência de criação do tipo "o projeto é meu e pensei exatamente assim, desse jeito e não podemos mexer". O problema é que o resultado do que quer que tenha ocorrido nos bastidores afetou o produto, que não chega a ser nem minimamente satisfatório ao que se propõe.


Para não dizer que não há ao menos um fator que traga algum sorriso até ao mais sorumbático espectador, Macla Tenório é uma grata surpresa no pouco tempo de tela que compartilha. E olha que (verdade seja dita) ela era, de longe, a pior e mais questionável candidata do reality / game show "Futuro Ex-Porta" - onde foi descoberta (curiosamente, dirigido por Van Der Put) - mas tem se mostrado, a cada aparição, uma comediante com excelente timing cômico e pensamento rápido. Se quiser assistir esse filme, pague o ingresso caro ingresso por causa do trabalho apresentado por Macla Tenório , verdadeira "pícara" de seu mister, mergulhando de cabeça no "ridículo" de sua personagem sem medo - repare na cena sobre um "calvo". Mesmo assim, sua personagem tem uma decisão contrária ao que é estabelecido inicialmente sem uma motivação muito convincente - uma vez que não era muito boa no que fazia originalmente. Porém, o talento de Macla dribla (ha!) esse detalhe com maestria.

Além disso, o filme tem muitos momentos que se passam em diversos pontos reconhecíveis do Rio de Janeiro - ainda que em situações totalmente inverossímeis como um engarrafamento numa ruela do Centro que nem tem tráfego constante e intenso (seria alguma piada interna, que só cariocas identificarão...?). Mesmo assim, é bacana ver a Cidade Maravilhosa retratada em seus momentos mais ordinários.

E embora também apareça pouco, Serjão Loroza defende bem sua versão de "Deus" - ou "O Cara Lá de Cima", como é chamado em algum momento. Nada extraordinário mas correto - trazendo um jeitão bem brasileiro à imagem de uma divindade superior. O restante do elenco é apenas figurativo, com personagens insípidos orbitando em torno de um protagonista cujo objetivo é sair da zona de conforto para... voltar a fazer exatamente o mesmo que fazia no início da trama? E tudo isso sem carisma o suficiente para segurar a narrativa? De quem foi essa ideia mesmo?! Ah, é...


Sobre as participações especiais que permeiam o filme - como Xuxa ou Pequena Lô e até mesmo Flávia Alessandra (com uma "piada" que é repetida à exaustão - tadinha), dentre outras aparições menores -, é como se pegassem o mesmo esquema de equipe de marketing de longas animados estrangeiros, em que escalam atores e atrizes que não são dubladores para que façam trabalho de dublagem E divulguem o filme em redes sociais. A impressão que se tem é que a equipe de marketing de "Vidente por Acidente" leu essa cartilha, o que torna cada cena com esses profissionais apenas algo lamentável - e descartável. Pelo menos, Nany People e Xuxa tem momentos dignamente intrínsecos à trama. Já o restante...

Ah, sim: a trilha sonora instrumental é de ninguém menos que Dado Villa-Lobos, que traz diversas passagens nada memoráveis, com arranjos risíveis - no mau sentido -, investindo em algo que segue para o lado eletrônico e que mais parece feito por algum iniciante (e não o guitarrista co-fundador da seminal banda brasileira Legião Urbana e bem sucedido produtor musical).


O restante - figurino, maquiagem, cenografia, direção de fotografia - é correto, sem grandes destaques. Talvez a montagem de Bernardo Jucá dê umas vaciladas em alguns (poucos) momentos - a última cena de "despertar do sonho" parece faltar um fotograma, criando alguma confusão narrativa - mas nada que comprometa o trabalho.

(E seguindo a tendência do cinema POP atual, existe uma cena pós-créditos, que é uma promessa de que possa ser o início de uma franquia, porém estrelada por outro personagem)

No fim das contas, "Vidente por Acidente" é só um emaranhado de ideias interessantes muito mal elaboradas e desenvolvidas. Não funciona como drama muito menos como comédia - seu objetivo principal. Na verdade, não funciona de fato. Pena. Havia potencial - infelizmente, desperdiçado. Errou o alvo. Errou feio, errou rude...




Kal J. Moon gostaria de tirar satisfação com quem estiver responsável  "lá em cima" para saber porque é um mero figurante da vida em vez de fazer, ao menos, participação especial com direito a fala... Alguém vai ter que se explicar!


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