Dirigido por Rodrigo Van Der Put, estrelado por Otaviano Costa, Katiuscia Canoro, Macla Tenório, Victor Lamoglia, Evelyn Castro, Jamilly Mariano, Totia Meirelles e diversas participações especiais, o filme "Vidente por Acidente" mostra que o cinema brasileiro é cheio de boas ideias. Mas...
Há quem pense que a arte de fazer cinema reside apenas em conseguir uma quantidade significante de dinheiro, juntar o melhor elenco possível, rodear-se de profissionais competentes de cada área e um diretor que tenha "a visão" para que tudo seja providenciado de acordo com o cronograma pré-estabelecido de filmagens. Infelizmente, muitos realizadores brasileiros ainda pensam exatamente assim desde os tempos do lema "uma ideia na cabeça, uma câmera na mão". O roteiro de "Vidente por Acidente" tem várias "ideias na cabeça", várias propostas e intenções atrativas em andamento mas, para desespero geral da nação, nenhuma delas é desenvolvida a contento...
A premissa é promissora: um arquiteto chega aos 40 anos de idade em crise, descrente de sua bem sucedida carreira, quando resolve visitar uma ~“coach vocacional” que promete encontrar a verdadeira vocação das pessoas. Após beber um chá alucinógeno num ritual pra lá de controverso, ele desmaia e tem os seus pertences roubados mas, misteriosamente, sai da reunião com uma estranha habilidade: descobrir, com apenas um toque, a verdadeira vocação profissional das pessoas, usando seus novos poderes para fazer algo que gosta, contrariando a família e arranjando ainda mais confusão...
Evelyn Castro e Jamilly Mariano, por exemplo, compõem o núcleo familiar do protagonista. As atrizes fazem o que podem com o paupérrimo texto que receberam, com situações que se armam e se desconstroem rápido demais - repare na cena do primeiro despertar do "sonho" do protagonista. A personagem de Evelyn é a esposa do protagonista e o casal não compartilha um beijo sequer em cena - não precisava ser algo voluptuoso mas, do jeito que ficou em tela, parecia mais um casal nada crível (independente de estarem em crise matrimonial). Já a personagem de Jamilly é a filha que quer herdar a profissão da família mas revela-se uma ótima cantora. Há um momento de real tensão emocional que é convenientemente desarmado na cena seguinte sem um desenvolvimento adequado - sem que haja um momento de reflexão para justificar adequadamente sua mudança de comportamento. O roteiro tinha muitos personagens e esse excesso de falta de foco narrativo atrapalhou consistentemente algumas potenciais performances.
Na verdade, o grande (e grave) problema de "Vidente por Acidente" é justamente não ter como "dissociar" a imagem pública de Otaviano Costa do que é mostrado no filme. Por quê? Bem, o protagonista do filme é apenas Otaviano Costa com poderes de vidente e não um personagem crível o suficiente para que a audiência acredite em sua jornada. E fica outra questão: o roteiro mal ajambrado - com ideias do próprio Otaviano, vale relembrar - o prejudicou ou ele não é bom ator o suficiente para este tipo de papel? Ou, pior, a direção deveria "consertar" os erros de intenções cênicas apresentadas com ensaios prévios, evitando novas tomadas ou cenas constrangedoras?
"Mas como afastar a imagem pré-concebida de Otaviano Costa num filme em que ele é protagonista?" A resposta pode até parecer óbvia mas a principal seria "reescrevendo o personagem a ponto de não se parecer com o ator, dando-lhe características mais interessantes em sua jornada pessoal para afastar-se, ainda mais, de seu intérprete". E se nosso protagonista não funcionar mesmo assim, o melhor a fazer é escalar outro ator para a tarefa. O veterano Selton Mello poderia desempenhar esse papel melhor, num simples exercício de reimaginação - e seria bem mais efetivo no quesito "comicidade", por exemplo (porém, provavelmente, não aceitaria estrelar esse projeto com o roteiro apresentado).
Difícil dizer se o diretor Rodrigo Van Der Put (de diversos especiais da trupe multimídia Porta dos Fundos como "A Primeira Tentação de Cristo", "Teocracia em Vertigem" e a animação "Te Prego Lá Fora", dentre outros) só pegou mais um trabalho para garantir aquele aluguel esperto ou se houve algum tipo de interferência de criação do tipo "o projeto é meu e pensei exatamente assim, desse jeito e não podemos mexer". O problema é que o resultado do que quer que tenha ocorrido nos bastidores afetou o produto, que não chega a ser nem minimamente satisfatório ao que se propõe.
Para não dizer que não há ao menos um fator que traga algum sorriso até ao mais sorumbático espectador, Macla Tenório é uma grata surpresa no pouco tempo de tela que compartilha. E olha que (verdade seja dita) ela era, de longe, a pior e mais questionável candidata do reality / game show "Futuro Ex-Porta" - onde foi descoberta (curiosamente, dirigido por Van Der Put) - mas tem se mostrado, a cada aparição, uma comediante com excelente timing cômico e pensamento rápido. Se quiser assistir esse filme, pague o ingresso caro ingresso por causa do trabalho apresentado por Macla Tenório , verdadeira "pícara" de seu mister, mergulhando de cabeça no "ridículo" de sua personagem sem medo - repare na cena sobre um "calvo". Mesmo assim, sua personagem tem uma decisão contrária ao que é estabelecido inicialmente sem uma motivação muito convincente - uma vez que não era muito boa no que fazia originalmente. Porém, o talento de Macla dribla (ha!) esse detalhe com maestria.
Além disso, o filme tem muitos momentos que se passam em diversos pontos reconhecíveis do Rio de Janeiro - ainda que em situações totalmente inverossímeis como um engarrafamento numa ruela do Centro que nem tem tráfego constante e intenso (seria alguma piada interna, que só cariocas identificarão...?). Mesmo assim, é bacana ver a Cidade Maravilhosa retratada em seus momentos mais ordinários.
E embora também apareça pouco, Serjão Loroza defende bem sua versão de "Deus" - ou "O Cara Lá de Cima", como é chamado em algum momento. Nada extraordinário mas correto - trazendo um jeitão bem brasileiro à imagem de uma divindade superior. O restante do elenco é apenas figurativo, com personagens insípidos orbitando em torno de um protagonista cujo objetivo é sair da zona de conforto para... voltar a fazer exatamente o mesmo que fazia no início da trama? E tudo isso sem carisma o suficiente para segurar a narrativa? De quem foi essa ideia mesmo?! Ah, é...
Ah, sim: a trilha sonora instrumental é de ninguém menos que Dado Villa-Lobos, que traz diversas passagens nada memoráveis, com arranjos risíveis - no mau sentido -, investindo em algo que segue para o lado eletrônico e que mais parece feito por algum iniciante (e não o guitarrista co-fundador da seminal banda brasileira Legião Urbana e bem sucedido produtor musical).
(E seguindo a tendência do cinema POP atual, existe uma cena pós-créditos, que é uma promessa de que possa ser o início de uma franquia, porém estrelada por outro personagem)
No fim das contas, "Vidente por Acidente" é só um emaranhado de ideias interessantes muito mal elaboradas e desenvolvidas. Não funciona como drama muito menos como comédia - seu objetivo principal. Na verdade, não funciona de fato. Pena. Havia potencial - infelizmente, desperdiçado. Errou o alvo. Errou feio, errou rude...
Kal J. Moon gostaria de tirar satisfação com quem estiver responsável "lá em cima" para saber porque é um mero figurante da vida em vez de fazer, ao menos, participação especial com direito a fala... Alguém vai ter que se explicar!
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