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CRÍTICA [CINEMA] | "Mauricio de Sousa - O Filme", por Kal J. Moon

Dirigido por Pedro Vasconcelos - codirigido por Rafael Salgado -, estrelado por Mauro Sousa, Thati Lopes, Elizabeth Savalla, Emílio Orciollo Neto, Natalia Lage, Diego Laumar e Clara Galinari, além de participação especial de Othon Bastos, "Mauricio de Sousa - O Filme" inaugura um novo produto na cinematografia brasileira: o "filme-tributo".


A jornada do... artista
Muito se diz sobre o Brasil não homenagear a maioria de seus talentos em vida, mas somente quando partem. Exceptuando documentários - produtos audiovisuais que mereciam maior reconhecimento -, pouco se faz, diz ou relembra-se a respeito de nossos baluartes enquanto caminham entre nós. E "Mauricio de Sousa - O Filme" vem corrigir um pouco desse erro - justamente no mês em que o pai da Mônica completa 90 anos de idade...

A trama mostra a vida e trajetória do quadrinista e empresário Maurício de Sousa desde sua infância, da descoberta e paixão pelos quadrinhos à invenção de uma carreira considerada impossível na época, além de suas desventuras para se sustentar e crescer profissionalmente, se inspirando, inicialmente, na própria família para criar personagens icônicos dos quadrinhos brasileiros como Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão, Chico Bento e Astronauta, além de outros familiares, amigos e pessoas com quem ele conviveu ao longo de sua jornada, chegando ao momento do lançamento de sua primeira revista em quadrinhos.


Durante a recente coletiva de imprensa, o diretor Pedro Vasconcelos (do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos") disse que estruturou a narrativa visual do filme como uma história em quadrinhos, com frames estáticos durante as performances. Em muitos momentos, percebe-se esse artifício de forma mais clara, como a divisão de uma mesma cena em três no mesmo frame, a fim de emular a "arte sequencial" da vida do biografado - porém, ainda que interessante no papel, na realização tornou-se um limitador, pois deu ao filme uma "cara" de produto audiovisual televisivo de baixo orçamento.

Ainda sobre o visual da produção - mérito das composições do diretor de fotografia Luciano Xavier (do filme "Fala Sério, Mãe!"), aliada à edição de Lucas Vasconcelos, John Garita e Pedro Gabriel Miziara (egressos dos curtas-metragens) -, temos belas tomadas como os casebres e o trem indo para Mogi das Cruzes (SP) ou o estabelecimento local que, um dia, viria a ser a Folha de S.Paulo. Bastante apuro visual, sem muitas estripulias, com o firme intuito de mostrar uma vida tranquila e sem muitos desafios no início mas agitando-se mais com tomadas enérgicas e aceleradas após a vida de casado, por exemplo. Também percebe-se a opção de fechar a câmera em muitos closes nos atores, para dar bastante espaço à interpretação de cada membro do elenco - lembrando que o diretor também já foi ator durante boa parte da vida profissional e sabe bem que atores e atrizes querem seu momento de destaque.


O roteiro de Paulo Cursino (do subestimado "Tudo Bem no Natal que Vem") e do próprio diretor - livremente inspirado no livro "Maurício - A História Que Não Está no Gibi", de Luís Fernando Melhem Colombini - privilegia um recorte mais resumido, abrangendo apenas o período de infância, a descoberta do profissional de quadrinhos, as agruras para se estabelecer num relativamente novo mercado de trabalho no Brasil e a consolidação da carreira com a formação do estúdio profissional e o lançamento do primeiro produto impresso por uma grande editora.

O problema é que diversos fatos ficaram de fora por conta da quantidade de acontecimentos importantes na vida do biografado - o que torna o filme um esforçado resumo sobre a trajetória do artista e sua jornada para alcançar seus objetivos profissionais (quase como uma "palestra motivacional"). Talvez isso incomode mais à fãs que sabem detalhes intrínsecos de sua biografia do que à imensa legião de admiradores do trabalho do criador (e alter ego) do Horácio.

Dentre o elenco, os destaques óbvios são mesmo Diego Laumar (da minissérie "Sob Pressão") - em sua estreia no cinema - e Mauro Sousa, ambos interpretando Mauricio de Sousa na infância e vida adulta, respectivamente. E, não podemos deixar de ressaltar, uma dupla muito bem dirigida, principalmente o ator mirim, que tinha uma responsabilidade muito grande, uma vez que não haviam registros para se basear além de fotos e "causos" contados pela família e envolvidos na pesquisa para o filme. O maior acerto da escalação foram as cenas de apresentação de cantoria (para quem não sabe, Mauricio de Sousa foi ganhador de diversos concursos de cantor mirim) - que não, não foram cantadas pelo ator -, por conta de sua posição de palco, emulando bem o nervosismo de quem é jovem, tímido e precisa se apresentar diante de uma multidão.


Mauro Sousa - diretor de diversos espetáculos teatrais da Turma da Mônica, também estreando no cinema - por sua vez, é bastante esforçado e, por conta da impressionante semelhança com o pai, já tem 50% do "jogo" ganho. Porém, isso não quer dizer que não houve desafios, uma vez que o "personagem" Mauricio é representado como o "gente boa" que não se aborrece nem se exalta diante de adversidades. Preocupa-se, sim, mas não se exaspera. Tentar trazer toda essa "calma" e "paz de espírito" à cena, em mãos erradas, podem render uma performance monótona - de um tom só, sem variações - mas que o roteiro reservou momentos de comédia física (como o tiroteio durante uma investigação para uma matéria policial quando Maurício era jornalista) e outros bem dramáticos (como a despedida de Vó Dita - provavelmente a cena mais emotiva da trama) que compeliram o ator a se entregar à visão dos diretores. Imagine o protagonista de "Ted Lasso" só que sem esqueletos no armário e ainda mais tímido. Por aí...

Outro merecido destaque a ser mencionado é a sempre competente Elizabeth Savalla. Inconteste dama da TV brasileira, com diversas novelas ("Quatro por Quatro", "A Padroeira", "Êta Mundo Bom") no currículo, tirou de letra a responsabilidade em encarnar a Vó Dita (avó de Mauricio de Sousa - que inspirou a personagem homônima, coadjuvante das histórias de Chico Bento -, responsável pelos grandiosos conselhos ao futuro artista - que seria o "velho sábio" a guiá-lo em direção à "aceitação do chamado" de sua "jornada" -, além de incutir em sua mente a capacidade que histórias podem fazer ao imaginário humano). A já citada cena de sua despedida carrega bastante sentimento, doçura, leveza e religiosidade, numa performance memorável e digna de reconhecimento.

Outra participação importante é a de Thati Lopes (mais conhecida pelas esquetes do grupo humorístico Porta dos Fundos e pelo recente filme "Saideira"), namorada que se tornou a primeira esposa de Mauricio de Sousa, emprestando trejeitos que seriam incorporados à própria personagem Mônica nas histórias em quadrinhos e emprestando um pouco de seu timing cômico à trama - como com o impagável bordão "MAURÍCIO DE DEUS!!!". Pena que tem pouco espaço na história, por conta do já citado "recorte" (quem sabe numa parte 2 ou numa minissérie? - há espaço para isso na trama e uma fala explicita que "é uma conversa para outra hora").

Também destaca-se Emílio Orciollo Neto (do clássico "Tropa de Elite 2"), que interpreta o pai de Mauricio e, verdade, não aparece tanto quanto se gostaria mas, no pouco que entrega, existe qualidade dramática, representando o orgulho de ver o filho fazendo sucesso ao trabalhar com aquilo que gosta... E também faz-se necessário falar da breve cena do veterano Othon Bastos (da recente minissérie "Fim"), que interpreta o editor e quadrinista Jayme Cortez (1926-1987, cuja caracterização nada tem a ver com o retratado), responsável por passar-lhe um "sabão" daqueles e demover a ideia de Mauricio de criar histórias de terror (intitulada "A Coisa", emulando o traço de Alex Raymond - 1909-1956 - mais conhecido como criador do personagem Flash Gordon) em vez de se dedicar às tirinhas com Bidu e Franjinha (aliás, é o único personagem da trama a vociferar um palavrão). O restante do elenco está correto, porém com personagens que orbitam em torno do "Planeta Maurício".

A trilha sonora original de Eduardo Resende (do filme "Borderlands") é envolvente, equilibrando bem as mudanças da trama, desde a inocência primaveril da infância, passando pela urgência da vida adulta e a calma do estabelecimento da vida madura - além, também, da acertada escolha de canções de variados medalhões da MPB como Milton Nascimento, Moraes Moreira, Toquinho, Jerry Adriani, Boca Livre, Os Demônios da Garoa, MPB-4 & Quarteto em Cy, Noel Rosa, Pixinguinha e, veja só, até arriscando um Fats Waller de leve. A direção de arte de Rita Vinagre (da minissérie "Dalva e Herivelto") - aliada ao figurino criado pela dupla Claudia Kopke (do filme "Ainda Estou Aqui") e Nathalia Campos (do filme "Minha Irmã e Eu"), além da caracterização de Fabíola Gomes (da série "Força-Tarefa") - resulta numa competente reconstituição de época.

"Mauricio de Sousa - O Filme" não é como uma cinebiografia hollywoodiana, com altos e baixos dramáticos e uma história de superação ao final. Apesar de se utilizar dessa fórmula, acaba transcendendo esse formato para um retrato mais intimista de seu objeto de estudo, resultando numa obra que, se por um lado não se aprofunda em assuntos polêmicos - como a acusação de ser "subversivo" (leia-se "comunista") pela ditadura militar nos anos 1960 ao juntar-se a outros cartunistas para lutarem por seus direitos (o grupo Associação dos Desenhistas de São Paulo ou ADESP - formado por nomes como Messias de Mello, Gedeone Malagola, Ely Barbosa e Júlio Shimamoto, não citados nominalmente no filme - foi considerado político, resultando na expulsão de Mauricio do jornal em que trabalhava) mas também não cita o posterior convite para trabalhar numa editora comandada pelo então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola (1922-2004, que, dizem, exigia que os personagens de Maurício se alinhassem aos ~"ideais da esquerda" da época - e, independente da verdade, nenhum produto comercial deveria ser submetido a fins políticos) - também se porta como apanhado de "melhores momentos" da vida artística daquele que provou que era possível estabelecer um rentável negócio feito de sonhos. É, dá pra entender que deixar essas partes polêmicas de fora serviram para tornar o produto audiovisual mais leve e palatável para o grande público.


Mas, mesmo com omissões em sua biografia, apresenta momentos que farão crianças e adultos admirar ainda mais o homem por trás de criações que pululam o imaginário coletivo de brasileiros desde, bem, desde sempre. "Mauricio de Sousa - O Filme" estreia oficialmente em em 23/10/2025 nos cinemas brasileiros mas pode ser conferido antes na 49ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo - ou "Mostra SP", que acontece de 16 a 30/10/2025.



Kal J. Moon já chorou, na infância, quando seu primo roubou sua revista em quadrinhos (a décima edição de "Super-Homem" - Editora Abril) e rasgou todas as páginas. Consolou-se, anos depois, com uma edição de "Turma da Mônica - Laços", autografada por Maurício de Sousa...

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