O terceiro longa metragem do diretor argentino Damián Szifrón, que abriu a 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, "Relatos Selvagens", é um filme ousado no sentido estrito da palavra. Dividido em segmentos, tem a dinâmica do teatro de esquete. Variado nos tons de um mesmo tema, a vingança, exibe a desenvoltura dos pulps americanos, apesar de sua natureza extremamente portenha.

Os seis episódios de "Relatos Selvagens", apesar de não se relacionarem entre si, compondo uma trama entrelaçada, conversam entre si, mostrando rara unidade. "Las ratas" mostra o dilema de uma atendente de bar que reencontra o assassino de seus pais e é tentada pela cozinheira do estabelecimento, uma ex-presidiária, à dar o troco, envenenando-o. "El más fuerte" mostra como uma breve discussão no trânsito pode decidir o destino de dois desconhecidos. Criticando a burocracia do Estado Argentino, "Bombita" apresenta a história de um homem comum, que decide encarar o sistema com coragem e um pouco de pólvora. "La propuesta" rasga as entranhas da corrupção, mas é a esquete mais fraca do longa, enquanto "Hasta que la muerte nos separe" é exageradamente deliciosa.

Porém o melhor dos segmentos é de longe o que abre o filme, "Pasternak", que nos introduz ao mundo vingativo de Szifrón de forma perturbadoramente divertida.

O elenco conta com a presença de algumas figurinhas carimbadas do "cinema hermano", como o ótimo Ricardo Darín, Erica Rivas, Leonardo Sbaraglia, entre outros.


Com produção de gente de peso, como os irmãos Almodóvar, "Relatos Selvagens" é uma das gratas surpresas do cinema sul americano. Utilizando-se do mesmo formato do regular "Rio, Eu Te Amo", o novo filme de Szifrón mostra seu amadurecimento como cineasta e um arrojo técnico exemplar. A fotografia, responsabilidade do premiado Javier Julia (Iluminados pelo Fogo, O Último Elvis), é impecável. Não será surpresa vê-lo figurar entre os indicados à Melhor Filme Estrangeiro no Oscar, uma vez que foi a escolha oficial da Argentina para a categoria.

"Relatos Selvagens" pode figurar ao lado de obras primas da envergadura de "O Homem que Matou o Facínora", de John Ford e "Kill Bill - Volumes 1 & 2" como um dos melhores filmes a tratar do curriqueiro tema da vingança. O filme reafirma que ela é um prato que não só se come frio, mas tem cardápio variado.


Marlo George assistiu, escreveu e também já levou um avião na cabeça...