Produzido, escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, "Fragmentado" ('Split') é o novo suspense do diretor, estrelado por James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley e grande elenco numa história que traz uma grande questão: Qual o limite da mente humana?
Kevin (James McAvoy) tem múltiplas personalidades
- e isso não é nada bom (Divulgação)

Exagero da verdade
Shyamalan parou de tentar reinventar a roda. Ponto. É a conclusão a que o espectador chegará após assistir "Fragmentado". O roteirista e diretor que teve um elogiado início de carreira com o suspense "O Sexto Sentido" (1999) - seu terceiro filme, indicado a seis Oscars -, seguiu na contramão do esquema de Hollywood e entregou "Corpo Fechado", talvez seu filme mais intimista, hoje considerado cult pois, na época de seu lançamento - lá no distante ano de 2000 - dividiu opiniões entre crítica e público.

De lá para cá, após sete experiências no cinema - e muitos motivos de chacota -, algumas interessantes mas outras de gosto duvidoso, Shyamalan aprendeu a se adaptar ao mercado. Nem sempre a história que se quer contar é aquela que tem que ser contada naquele momento. E "Fragmentado" é, talvez, a maior prova disso.

Na trama, um homem - cuja mente consegue se dividir em 23 personalidades - sequestra três jovens moças adolescentes. Enquanto o crime não é descoberto, consulta-se com uma psiquiatra que estuda seu incomum caso de múltiplas personalidades. Sem grandes mistérios ou reviravoltas surpreendentes, simples assim. Um suspense bem construído em que o espectador só precisa aguardar para ver como as personagens vão se livrar dessa enrascada.
Casey (Anya Taylor-Joy) tenta dialogar com Hedwig (McAvoy),
personalidade de Kevin que pensa ser um menino de onze anos de idade
(Divulgação)
(Em tempo: não assista os trailers, entrevistas, nem mesmo leia o cartaz nacional pois, sabe-se lá porque, cada peça promocional do filme está cheio de potenciais spoilers sobre a história e isso certamente prejudicará sua experiência ao assistir o filme, ok?)

Mas sabe o que torna esse filme tão especial? É um roteiro bem escrito, com fortes momentos de tensão que não fica devendo em nada para os grandes filmes do diretor. Ainda debate de forma inteligente sobre temas tão diversos como abuso, bullying, preconceito, além de uma certeira crítica sobre religiosidade e fanatismo.

Temos também grandes interpretações que ajudam a embarcar no claustrofóbico clima da trama. Destaque óbvio para James McAvoy que - mesmo com alguns poucos momentos onde sua interpretação beirou a caricatura - construiu sua personagem decentemente. É bem interessante ver cada mudança de personalidade, como quem muda uma estação de rádio ou zapeia nos canais de TV... Já a veterana Betty Buckley - que já esteve em "Fim dos Tempos", dirigido por Shyamalan em 2008 - entrega uma performance crível da psiquiatra obcecada pelo curioso caso de seu paciente. Mas quem rouba todas as cenas do filme, desde o impressionante início, é mesmo a jovem Anya Taylor-Joy - que já havia chamado a atenção em "A Bruxa". Sua personagem ganha contornos reais, mostrando problemas reais e, mesmo que absurdos mesmo nos dias de hoje, ainda completamente viáveis dentro da trama estabelecida. Joy entrega uma perturbação até maior - e melhor resolvida - que a da personagem de McAvoy, se pararmos para analisar.
Dra. Karen (Betty Buckley) tenta entender o peculiar distúrbio de Kevin (McAvoy)
mas pode entrar numa tremenda enrascada... (Divulgação)
Merece destaque também a direção de fotografia de Mike Gioulakis - do recente "Corrente do Mal" - que homenageia clássicos do terror e suspense como "Alien" e "Poltergeist" porém com identidade própria e ângulos ousados para contar esta história peculiar. A trilha sonora conduzida por West Dylan Thordson - de "Joy: O Nome do Sucesso" - traz aquela atmosfera de desesperança tão própria dos dias atuais.

Mas, infelizmente, o filme tem um pequeno problema - nada que vá afetar a experiência do espectador mas que vale ser mencionado. A trama segue todo um clima de realidade até o fim de seu segundo ato para entregar algo ~"fantástico" a partir do início do terceiro ato. Ok, isso é aceitável por conta das antecipações mostradas durante a trama. Mas é algo tão fantástico, mas TÃO fantástico - e entregue de forma tão abrupta - que somente a última cena do filme explica realmente porque temos este elemento tão díspar na trama. Mesmo que a carreira do diretor seja recheada de filmes que contam histórias que mergulham na fantasia em determinado ponto, a transição não foi feita de forma correta. O problema é que essa explicação tem TOTAL ligação com a trama de "Corpo Fechado" - dadas as devidas comparações, equivale à cena pós-crédito do primeiro filme do Homem de Ferro. Isso se não contarmos com algumas decisões altamente questionáveis de alguns personagens.

"Mas quem não viu esse filme vai conseguir entender a história, Kal?"
, pode você perguntar. Talvez, sim. Basta imaginar que Shyamalan fez uma história que se passa no mesmo universo de "Corpo Fechado" - e até no mesmo universo de "O Sexto Sentido", uma vez que dá pra ver alguns locais que foram usados como cenário naquele celebrado filme. Na "pior" das hipóteses, saia do cinema e assista "Corpo Fechado" em casa, ok?

Mesmo que não seja um filme perfeito em todos os sentidos, já dá para comemorar que Shyamalan voltou à velha forma, entregando um trabalho competente e que dá gosto de ver. "Fragmentado" abrange um público bem maior que a maioria dos filmes criados por Shyamalan, podendo ser o caminho de retomada para que este diretor traga mais e melhores filmes daqui por diante. Quem ama bons filmes de suspense, está na torcida. Que venha logo a aguardada continuação de "Corpo Fechado" -  e que Hollywood não estrague tudo no fim das contas.


Kal J. Moon chorou ao final de "Fragmentado". Foi como reencontrar um velho amigo que o ajudou em tempos difíceis...