Dirigido por Hique Montanari e estrelado por Thalles Cabral (foto), "Yonlu" - que fez sua estreia  no Festival do Rio e ganhou o Prêmio ABRACCINE de Melhor Filme Brasileiro de Diretor Estreante pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo em 2017 - mostra uma realidade perturbadora, que poderia - e deveria - ser evitada.


Frescor
A sociedade moderna, infelizmente, ainda não percebeu que as doenças psicossociais são alguns dos maiores males que tem notícia neste admirável mundo novo. Muito se cobra acerca de status profissional e financeiro, capacidade intelectual, vestimentas mas esquece-se que diversas pessoas sofrem com transtornos e distúrbios psicológicos graves justamente advindos desse tipo de cobrança que a própria sociedade impõe. O filme "Yonlu" é um misto de homenagem, denúncia e lamento. Tudo feito com sensibilidade e urgência, como não poderia deixar de ser.

A trama adapta livremente a história real do jovem músico e internauta brasileiro Yonlu que conquistou seguidores de diversas partes do mundo com suas músicas e trabalhos que publicava na internet. Sozinho em seu quarto, no entanto, ele participava de um fórum de potenciais suicidas, onde encontrou estímulo para tirar sua própria vida - mesmo se consultando regularmente com um psicólogo, que o ajudava em diversos momentos de crise.


O mérito do êxito narrativo de "Yonlu" pode ser dividido com quatro responsáveis: 1) o próprio diretor Hique Montanari - que também assina o roteiro - soube usar de parcimônia para contar, de forma livre e nada linear, a história dessa personagem tão interessante e tão complexa, usando referências visuais que lembram o cinema feito por Kubrick, Lynch e Von Trier, resultando num formato nada usual no cinema brasileiro; 2) A trilha sonora com diversas canções do próprio Yonlu - aliadas aos belos temas originais compostas por Nando Barth - trazem beleza e melancolia à narrativa; 3) E também, obviamente, a escolha de Thalles Cabral para viver o jovem músico, cheio de talento, de opiniões fortes, de ar blasé e postura teatral - os caminhos cênicos seguidos por ele dão um charme a mais em todas as cenas que participa; 4) Além, claro, do próprio Yonlu, possuidor de uma obra musical tão relevante que acabou tendo um CD internacional póstumo lançado pela Luaka Bop – gravadora de discos criadas por David Byrne (sim, AQUELE ex-integrante da banda Talking Heads). Suas letras e arranjos ainda mostram como aquele garoto estava bem à frente de sua geração musicalmente falando, tanto no Brasil como no exterior.

(O curioso é que o roteiro acerta ao não transformar o protagonista num típico "cara legal" ou num "coitado". Yonlu estudava e era bom aluno, falava inglês muito bem, sua família era amorosa e atenciosa, ele tratava seus distúrbios com um profissional da área mas, mesmo assim, não se sentia confortável nesse mundo estranho que vivemos. E o espectador TORCE pelo personagem, mesmo sabendo da tragédia que se aproxima. Acreditem: é virtualmente impossível não chorar quando vemos o Yonlu da vida real fazendo sua música em uma das cenas mais comoventes desse filme)



A proposta de “Yonlu” não é criar uma cinebiografia convencional mas sim uma "reinvenção" baseada em terríveis fatos, misturando cenas com atores e animação - feitas pela Osso Filmes a partir de ilustrações feitas pelo próprio Yonlu -, reunindo elementos de diferentes linguagens, como de videoclipe, cinema experimental e documental, onde realidade e ficção se misturam em cenas onde o protagonista aparece como um astronauta, onde o fórum que pesquisava é transformado visualmente num salão verde com pessoas vestidas em mantos pretos ou mesmo quando o protagonista presencia um balé aéreo desempenhado por profissionais auxiliados por cabos num prédio em plena luz do dia, trazendo um visual poderoso e onírico à trama - nada mais apropriado, uma vez que a vida é breve como um sonho bom. Escolha ousada e acertada de Hique Montanari, que, com isso, conseguiu envolver a plateia indo da indignação ao lamento, entendendo o drama daquele jovem e mostrando, quase como um apelo, que depressão não é frescura, que é uma doença grave e que precisa de tratamento especializado, que precisa de atenção redobrada da família e amigos. E que precisa, urgentemente, deixar de ser considerada ~"frescura" por todos ao nosso redor.

Enquanto estiver na moda a hiper-valorização da morte premeditada de astros e estrelas ou que a depressão seja tratada como algo "passageiro" -  ou mesmo uma doença "cool" -, filmes como "Yonlu" serão cada vez mais atuais. E, infelizmente, necessários.

(Se você, que acabou de ler essa crítica, está passando por momentos de depressão, procure ajuda. Entre em contato com o CVV ou procure um profissional médico urgentemente. Eu acredito em você. Pode até demorar, eu sei, mas vai dar tudo certo...)

>>> Lembrete"Yonlu" entrará em circuito comercial das salas de cinema brasileiras no primeiro semestre de 2018. No exterior, também entrará em circuito comercial, embora não tenhamos maiores informações sobre isso. O filme ainda está e será inscrito em inúmeros festivais nacionais e internacionais de cinema, antes de se estabelecer no circuito comercial.


Kal J. Moon lamenta que alguém tão talentoso tenha decidido ir embora cedo demais...