Dirigido por Steven Spielberg, estrelado por Meryl Streep, Tom Hanks, Bob Odenkirk, Matthew Rhys, Bruce Greenwood, Sarah Paulson, Jesse Plemons, Michael Stuhlbarg e grande elenco, "The Post - A Guerra Secreta" trata dos bastidores da revelação da maior derrota do governo dos Estados Unidos.


Intrincado triunvirato narrativo
Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”, já disse, certa vez, alguém muito importante (Orwell para uns, Hearst para outros - a informação varia, dependendo da fonte). Independente do verdadeiro autor da frase, seu conteúdo é válido ainda hoje, em pleno século 21, mesmo com o advento da tecnologia em prol da rapidez de tráfego da informação pós-moderna. E se o conteúdo do que se publica onde quer que seja prejudica alguém atualmente de forma ainda mais contundente pela instantaneidade do processo de apuração de uma notícia, o mesmo não pode se dizer no século passado, entre as décadas de 1960 e 1970, durante a infame Guerra do Vietnã. É desse processo investigativo, perigoso e fascinante que trata "The Post - A Guerra Secreta", mostrando os bastidores de um grande jornal em busca de algo valiosíssimo: a verdade.

Na trama, Katharine Graham (Streep) - primeira editora de um grande jornal americano, o The Washington Post -, se alia a Ben Dradlee (Hanks) com o intuito de expor os segredos do Governo dos Estados Unidos mantidos a sete chaves por quatro presidentes e por mais de três décadas. Juntos, eles superarão as diferenças e arriscarão suas carreiras em prol da verdade.

O roteiro de "The Post" - escrito por Liz Hannah (egressa da TV) e Josh Singer (Ganhador do Oscar por "Spotlight - Segredos Revelados") - parte de três linhas narrativas distintas mas que, em algum momento, confluem para contar essa história: Kat (Streep) está prestes a abrir o capital das ações do jornal The Washington Post no mercado financeiro - algo dolorido pois o veículo não é rentável como antes e essa é a única saída para conseguir novos acionistas que invistam algum dinheiro nesse negócio. Ben Bradlee (Hanks) descobre - através de Ben Bagdikian (Bob Odenkirk) - segredos bombásticos sobre os bastidores da Guerra do Vietnã - que ainda está acontecendo no momento das investigações -, que trará material suficiente para manchar, ainda mais, o governo de Richard Nixon. E o momento da decisão de publicar - ou não - essa história, mesmo sob o risco de sofrer sanção - leia-se "censura" - direta do governo dos Estados Unidos para que nada do que está nos documentos encontrados - todos verdadeiros - venha chegar ao conhecimento do público (que não aprova o morticínio provocado por uma guerra que aquele país estava vergonhosamente perdendo).

(Curiosidade: em todas as cenas que o ex-Presidente Richard Nixon aparece na Casa Branca, de costas, a voz que ouvimos em respostas aos telefonemas é do próprio Nixon, de trechos retirados das fitas gravadas em segredo pelo escândalo posteriormente conhecido como "Watergate")

"The Post" não é um filme marcado por grandes interpretações mas sim uma trama de revelações bombásticas sobre a manipulação de informações acerca da inevitável derrocada na infame Guerra do Vietnã. E também é um instrumento ferino para manchar - ainda mais - a imagem do mandato do ex-Presidente Richard Nixon (1913-1994) e todas as suas manobras para encobrir cada detalhe sobre aquela operação específica. E ainda é um libelo acerca do que hoje chamamos de 'liberdade de imprensa'. Embora patriótico demais - como esperado -, revela uma ótima história, no fim das contas. É aquele tipo de filme que se assiste para entender o que aconteceu num período tão conturbado da História, sem se preocupar muito com os personagens, mas sim com o desdobrar da trama - recheada de todos aqueles momentos exaltando os esforços desses valorosos heróis e heroínas, autênticos norte-americanos numa luta inglória contra quem deveria defendê-los. Mais "spielberguiano" - e cafona - impossível...

(Claro que existem momentos que fará vibrar a classe jornalística, dada a veracidade de detalhes intrínsecos à profissão, desde gestos mínimos como chamar novatos de "foca" até minúcias relativas à publicação de um jornal, como o tipógrafo mudando, na marra, o texto redigido pelo jornalista, para montar corretamente o clichê de impressão. Destaque à atuação de Bob Odenkirk - famoso por dar vida, na TV, ao adorável pilantra Saul Goodman na badalada série "Breaking Bad" -, que rende diversos momentos investigativos plausíveis e totalmente interessantes dramaticamente falando. E ainda divide uma engraçada cena com Jesse Plemons, outro que veio do elenco de "Breaking Bad")

A direção de fotografia de Janusz Kaminski (ganhador do Oscar por seu trabalho em "A Lista de Schindler" e "O Resgate do Soldado Ryan", ambos também dirigidos por Spielberg) é construída de forma deslumbrante, com ângulos evocando dúvida, certeza, legalidade etc, como se estivéssemos assistindo uma peça de teatro onde heróis e vilões estivessem bem demarcados pela iluminação e pela forma como são apresentados didaticamente ao público.

Já a trilha sonora do veterano John Williams transpõe toda a grandiosidade da investigação jornalística, do heroísmo pé-no-chão em busca de justiça a qualquer custo, porém sem temas muito marcantes, como se espera desse grande profissional. Funciona mas não é algo assobiável.

O figurino criado por Ann Roth (ganhadora do Oscar por "O Paciente Inglês") é corretíssimo, reproduzindo com exatidão muito do que era usado na época, desde ternos com lapelas enormes até os vestidos luxuosos usados por Streep nas festas que sua personagem costumava conceder a importantes convidados.

Se por um lado temos Spielberg se cercando de ótimo (e numeroso) elenco e profissionais - mesmo que não tenha um brilho imediato de suas estrelas (Streep tem apenas UM grande momento de diálogo inspirado para fazer o que sabe melhor e, mesmo assim, não é lá grande coisa - sem contar na caricatura criada por Hanks para mostrar como era um jornalista dos anos 1970) -, o roteiro tenta condensar uma história que, tranquilamente, ficaria melhor se explorada numa série de TV de oito a dez episódios, onde haveria espaço suficiente para contar todos os detalhes dessa intrincada trama - que não é nem um pouco didática, dependendo de muito do que o espectador sabe para seguir acompanhando cada acontecimento exibido na telona.

"The Post" está longe de ser um filme ruim. Num dia difícil, Spielberg entrega um filme sobre algo tão importante - e tão vital - que fica complicado evitar que isso seja uma boa notícia no fim das contas. E, se tudo der certo, veremos uma continuação envolvendo o escândalo "Watergate". Que bom...




Para Kal J. Moon, "a verdade está lá fora". E, por isso mesmo, a porta está trancada...