Drew Pearce apresenta mais um novo universo criminoso do cinema com Hotel Artemis

Reconheço o talento de Drew Pearce de outros carnavais, melhor dizendo, de outros roteiros. Com sua caneta de tinta fortíssima, Pearce é responsável por pérolas como No Heroics, minissérie com 6 episódios sobre um bar que recebe super-heróis no fim do expediente, para aquele happy-hour de lei, e Homem de Ferro 3, filme que tem um roteiro bem amarrado e arrojado demais para ser entendido por qualquer um. Além desses títulos, Pearce também trabalhou em Missão: Impossível - Nação Secreta, de 2015, e foi anunciado recentemente como roteirista do próximo filme dos Caça-Fantasmas, ainda sem título ou previsão de lançamento.

Bem, já era hora dele enfrentar um novo desafio e arriscar dirigir um filme para as telonas, tarefa que ainda não havia ousado fazer. Hotel Artemis, é o primeiro longa-metragem que escreveu e dirigiu para o cinema, mas o resultado ficou aquém do esperado. E eu acredito que o problema foi uma renúncia à ousadia, atributo que marcou sua carreira como roteirista.

É bom deixar claro que, apesar de bem sacada, a minissérie No Heroics não é muito conhecida, mesmo entre os fãs de filmes e séries de super-heróis. Além disso, Homem de Ferro 3 também não foi um longa bem recebido, especialmente pelo fato de Pearce ter modificado demais a personagem Mandarim, vilão clássico da Marvel. Ora, o que Pearce fez foi louvável, pois transformar um mero vilão de gibis arquetípico em uma personagem complexa e cheia de possibilidades dramáticas é ousadia que raramente se vê. Portanto, foi decepcionante assistir um longa dirigido por Pearce, tão fraco e sem brilho, nada imaginativo.


Hotel Artemis tem como cenário um hotel antigo na Califórnia do ano de 2028, que serve como fachada para uma "enfermaria de emergência" secreta usada por criminosos e figuras noturnas, malandros e otários. A trama apresenta uma personagem, "A Enfermeira", interpretada por Jodie Foster, que é o elo de ligação entre vários arcos individuais, cada um deles mostrando a história sob o ponto de vista de uma personagem específica. Conforme o filme vai se desenrolando, estes arcos encaminham-se para conclusão, cada um seguindo em uma direção diferente, mas que fatalmente irão chegar no mesmo destino ao final da fita. Como a história se passa quase que inteiramente neste cenário, o hotel do título, são criadas várias possibilidades que se bem apresentadas ou melhor amarradas resultariam em um longa bem diferente do que foi exibido. Pearce amarrou as pontas soltas e uniu as tramas paralelas de modo muito simples, com as soluções mais óbvias e nada imaginativas possíveis. Além disso, a trama tem como pano de fundo uma série de revoltas que estão rolando pelas redondezas e que vem sendo combatidas pela Pro-Shield, instituição ficcional que é apenas mencionada e não tem relação com o restante do enredo.

Outro problema foi a falta de desenvolvimento de personagens. Para um filme cujo um dos gêneros em que se enquadra é o suspense, é obrigatório criar personagens que sejam carismáticos o suficiente para que o espectador se importe com os seus destinos. Quando ocorre de não haver identificação deste com nenhuma das personagens da história, nem mesmo a melhor trama é capaz de fazer com que o filme funcione e cumpra sua função como entretenimento. Fica chato. O que foi o caso.


Apesar de tudo que foi dito acima, é preciso reconhecer que o filme é bem dirigido. Os atores estão bem à vontade em seus papéis e há química no elenco. O filme tem boa direção de fotografia, ressaltando-se o fato de que são poucas locações, a iluminação dá um clima noir que e muito bem-vindo e a edição entrega um longa gostoso de assistir, com algumas cenas de ação bem ensaiadas e trilha sonora bacana, com clássicos dos anos 70. Lembra, em muitos aspectos, os filmes do início de carreira de Quentin Tarantino e Eli Roth.

Pela falta de desenvolvimento de personagens, já citada, o elenco foi prejudicado. Com dois veteranos, Foster e Jeff Goldblum, e um elenco de estrelas emergentes como Sterling K. Brown (Pantera Negra), Sofia Boutella (A Múmia), Dave Bautista (Guardiões da Galáxia), Zachary Quinto (Star Trek) e Charlie Day (Círculo de Fogo), Hotel Artemis tem um elenco estelar que poderia ter sido melhor aproveitado.


Sofia Boutella é uma boa atriz, mas acabou meio que repetindo o mesmo papel de Kingsman: Serviço Secreto, de 2014, filme que a revelou. Nice de Hotel Artemis é basicamente a mesma personagem do filme baseado nos quadrinho de Mark Millar e David Gibbons, Gazelle. Não fosse por um detalhe que as tornam fisicamente diferentes, seria possível dizer que se tratava da mesma personagem.

Oriundo do pro-wrestling norte-americano, Dave Bautista vem chamando atenção ultimamente, especialmente pelo seu bom desempenho em Vingadores: Guerra Infinita, tornando-se meme na internet por causa da cena da "invisibilidade" e também por ter se insurgido contra a dispensa de James Gunn da direção de Guardiões da Galáxia 3, projeto que foi inclusive suspenso recentemente. Em Hotel Artemis o ator tenta ser engraçado, mas falha terrivelmente. Novamente por culpa do roteiro e suas piadas sem graça.

Zaquary Quinto, o Sr. Spock de Star Trek, filme de 2009 que inaugurou a linha do tempo Kelvin e que já conta com duas sequências, também está em Hotel Artemis, como o abobalhado Crosby Franklin. Com pouco tempo de tela, não foi capaz de mostrar muito, mas divide uma cena impagável com Jeff Goldblum, que é um dos personagens mais legais do longa. Goldblum é um monstro, dono de um talento dramático natural, mas não foi capaz de salvar o filme.

Quem literalmente salva, não o filme, mas seu arco, é o ator Charlie Day. Comediante talentosíssimo, bom de tempo e de marcação, é o único alento em meio ao caos. Seu personagem é, de longe, o mais bem explorado do longa.

E finalmente vou falar de Sterling K. Brown, hypado atualmente, justificadamente por ter ganhou o Emmy de Melhor Ator em Série Dramática por This Is Us, da FOX, pode servir como um chamariz de público para o filme, mas não teve boa atuação e foi mais um entre os prejudicados pela falta de ousadia do roteiro.

Uma pena ter de falar tão mal de um filme que eu tanto esperei. O que resta desta obra são possibilidades de que novas histórias deste universo ficcional sejam escritas, pois existe espaço pra isso, para que possamos saber um pouco mais sobre a Califórnia de 2028, a Pro-Shield e os demais hotéis do cenário criado por Pearce. Nos créditos foi pincelada uma dica de que isso pode vir à acontecer. Vamos aguardar a próxima. Se houver.





Marlo George assistiu, escreveu e não vai diminuir-se dizendo que Drew Pearce roubou a ideia de John Wick. Não foi isso que aconteceu e quem diz isso não sabe o que diz.