Aguardado filme solo do vilão mais carismático do Aranhaverso impressiona por ser despretensioso e bem realizado

Inicialmente planejado como um spin-off de Homem-Aranha 3, de 2007, do diretor Sam Raimi — aquele que ficou conhecido como o filme do Emo-Aranha — o longa-metragem do Venom, vilão que é um dos mais populares dos gibis da Marvel e que fez sua primeira aparição live-action em HA3, acabou sendo engavetado quando a franquia foi cancelada pela Sony devido diferenças criativas entre Raimi e Avi Arad, produtor da Marvel.

Com o reboot, encabeçado por Marc Webb, que nos entregou os regulares O Espetacular Homem-Aranha (2012) e O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro (2014), novamente foi ventilada a possibilidade de o personagem ganhar um filme solo pra chamar de seu, e este tinha até título prévio já anunciado: Venom: Carnage. Outros spin-offs haviam sido planejados, como do Sexteto Sinistro e Gata Negra, e estes formariam o Universo Cinematográfico do Aranha na Sony.

Porém, assim como a anterior, a nova franquia do aranhoso foi cancelada e novamente o filme da personagem, criada por Todd McFarlane e David Michelinie, foi adiado.


Alguns anos mais tarde, em 2014, um grupo de hackers auto-intitulados "Guardiões da Paz" promoveu o vazamento de e-mails e dados confidenciais da Sony Pictures, durante o evento que ficou conhecido como Sony Hack. Entre os segredos revelados, um que chamou muita atenção foi a iniciativa de levar o Homem-Aranha, que tem seus direitos cinematográficos reservados à Sony, para o Universo Cinematográfico Marvel, o que realizaria o sonho dos fãs de ver o Amigão da Vizinhança entre os Maiores Heróis da Terra. Isso acabou acontecendo, como bem sabemos, pois o Aranha já deu as caras em dois filmes da Marvel Studios, Capitão América: Guerra Civil (2016) e Vingadores: Guerra Infinita (2018) e teve seu próprio novo filme solo, Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017), fruto da parceria Sony/Marvel.

Mas parceria entre a Sony Pictures e Marvel Studios era apenas fazer os novos filmes do Homem-Aranha, herói mais popular da Casa das Ideias de todos os tempos, flertar com os dos Vingadores. Nada sobre spin-offs havia sido ventilado.

No entanto, a Sony Pictures não havia desistido desses filmes derivados e decidiu produzir, à parte, o tão esperado filme do Venom, que entra em cartaz amanhã. Tive a oportunidade de conferir esse novo longa baseado no Universo Marvel na cabine de imprensa promovida pela Sony no Rio de Janeiro.


Dirigido por Ruben Fleischer, diretor de Zumbilândia (2009), a trama de Venom passa em uma realidade à parte daquela de outros filmes da Marvel, ou seja, não se passa na mesma linha do tempo de filmes como Thor: Ragnarok ou Guardiões da Galáxia Vol. 2. Nem mesmo de Homem-Aranha: De Volta ao Lar. Assim sendo, nada sobre qualquer invasão alienígena ou sobre inumanos e indivíduos classificados como 616 (traduzindo "superpoderosos" como vimos na segunda temporada de Punho de Ferro, da Netflix) é de conhecimento público.

Portanto, nada de Universo Marvel dessa vez, pessoal. Mas o "mundinho de Eddie Brock" já tá de bom tamanho para um longa despretensioso e que é assumidamente pipoca, como é o caso de Venom.

O filme conta a história do repórter investigativo Eddie Brock, um brutamontes que é host de um programa sensacionalista da TV. Ao ser convencido por seu editor a fazer uma matéria paga (o que é sempre um pé-no-saco de qualquer jornalista) Brock acaba esbarrando em evidencias que poderiam mudar o rumo da tal matéria tendenciosa pretendida e decide fazer o que sabe: Fazer sensacionalismo. Ocorre que este é o início de uma série de infortúnios que começam a acontecer, e que mudariam sua vida para sempre.


O enredo é bem clichê, mas o texto é tão legal que isso me passou despercebido durante a sessão. Eu realmente me envolvi com a história, ri de todas as piadas (dessa vez elas funcionaram, aprenda Marvel Studios), e apesar de não ter muita simpatia pelo Venom, personagem que conheci por volta de 1992, nos gibis formatinhos da Marvel Comics que eram lançados no Brasil pela Editora Abril,  saí do cinema com uma boa impressão sobre a personagem em sua versão live-action, pois é cheia de possibilidades e esse papo de mantê-lo fora do acordo Sony/Marvel foi um tiro no pé, na minha opinião. Especialmente pelo fato da personagem ser defendida por ninguém mais, ninguém menos, que o indicado ao Oscar, Tom Hardy.

O ator deu um show de interpretação dramática, física e vocal. Sério, a impressão que se tem é de que a personagem foi, ressalvadas algumas diferenças, literalmente arrancada das páginas dos gibis e trazida à vida, tão soberbo que foi o trabalho de Hardy. Se fosse um pouquinho mais amalucado e mau-intencionado, ficaria perfeito, mas não havia espaço, nem motivo, para esse tipo de desenvolvimento da personagem em pouco mais de uma hora e cinquenta minutos de duração.

Vale ressaltar que essa nova versão da personagem pegou a de Topher Grace, que a interpretou em Homem-Aranha 3, e arrancou a cabeça, mastigou, engoliu e depois vomitou só pra pisotear um pouco. Falando em vômito, Hardy fez uma performance que poderia lhe render um prêmio de melhor vomitada do cinema. Nunca foi tão real. Sério.

Um dado interessante é que o filho de Tom Hardy, Louis Thomas, é fã do Venom e ajudou o pai a compôr a personagem, pois Hardy não a conhecia até aceitar o papel. O moleque tem apenas 10 anos.


O filme traz ainda Michelle Williams (Manchester à Beira-Mar), Jenny Slate (Zootopia) e uma participação especial de Woody Harrelson. (Dica, não busque saber que personagem Harrelson interpreta no longa. A surpresa é impagável. Mas isso só no caso de você conhecer os gibis da Marvel Comics)

Um outro detalhe bacana do filme é a própria criatura. O simbionte, em suas variadas manifestações, está perfeito. O Venom é tão, mas tão parecido com o dos quadrinhos de Todd McFarlane, que chega a ficar, de certo modo, irreal. Irreal no sentido de que está muito cartunesco. Mas isso não é ruim. Na verdade, não vejo espaço para reclamações nesse caso, pois está como deveria estar, respeitoso aos quadrinhos, ao traço do desenhista. Foi daquele jeito que o McFarlane o imaginou, portanto, não poderia ficar melhor.

A logomarca do filme, em tela, é a dos quadrinhos. Linda de se ver.

Os efeitos especiais, em conjunto com o trabalho de dublês e efeitos visuais, são muito bem realizados e convincentes. Algumas cenas são simplesmente eletrizantes.

Um detalhe que não passa desapercebido é a dinâmica do roteiro. Em nenhum momento o filme fica enfadonho, chato ou arrastado. Todas as cenas são enxutas e cumprem seu papel de contar a hist´roia sem enrolações. O filme é econômico até mesmo nas referências. Só peguei duas, de fato. A primeira rola logo no início do filme e é tão escancarada que nem preciso dar dicas aqui. Se você conhece as personagens do universo do Aranha, vai sacar de primeira. Já a outra tem a ver com a origem do Eddie Brock, mas é só um detalhe bobo, easter-egg de primeira, daqueles ruins de perceber. Fan-service total. Pra essa referência fica a dica: Não é a Gata Negra...


Vale informar que o filme TEM CENA PÓS-CRÉDITO (mais precisamente, em meio aos créditos). Vem mais filme por aí. E ainda rola uma citação ao multiverso Marvel, bem sacada e que busca audiência para uma animação que invadirá os cinemas em breve. Não vou contar qual é. Vá ao cinema.

A trilha sonora é do compositor Ludwig Göransson, que escreveu a trilha de Pantera Negra. Com marcação de tuba e um arrojado trabalho de violoncelos, é uma das melhores trilhas do ano. Göransson imprimiu personalidade ao tema do protagonista e toda a orquestra que o acompanhou é mais do que competente. Um trabalho gostoso de ouvir e que caiu como uma luva na temática do longa. Vale conferir.

E assim, na companhia de Eddie Brock, fui à San Francisco, local importante do universo Marvel (pensou que era só em NY, ledo engano). Curti o passeio e acredito que você também vá curtir, se encarar o filme como uma diversão de fim-de-semana. Sem pirações de que filme de quadrinhos tem que ser espetacular sempre. Eles podem ser o que são na realidade off-fanboys: Um mero entretenimento.



Marlo George assistiu, escreveu e também cata duas long-necks da geladeira logo de cara.