Dirigido por Peter Farrelly, estrelado por Mahershala Ali e Viggo Mortensen, "Green Book - O Guia" - ganhador de 03 Oscars - ensina que rir de si mesmo ainda é a melhor forma de vencer adversidades. Além de se impor, claro...


O sorriso amarelo do racismo
Uma história de triunfo e amadurecimento começa e termina quando as personagens realmente atingem um estado de espírito diferente do que quando iniciaram suas jornadas. Embora seja meio óbvia essa afirmação, muitos filmes parecem não se certificar de que este detalhe esteja implícito em suas histórias. Ainda bem que este não é o caso de "Green Book - O Guia", que trata um tema delicado como racismo - e preconceito! - com delicadeza e equilíbrio.

Na trama, quando Tony Lip (Mortensen), um segurança ítalo-americano, é contratado como motorista do Dr. Don Shirley (Ali), um pianista negro de classe alta, durante uma turnê pelo sul dos Estados Unidos, eles devem seguir "O Guia" para levá-los aos poucos estabelecimentos que eram seguros para os afro-americanos. Confrontados com o racismo, em meio a momentos de humanidade e humor inesperados, eles são forçados a deixar de lado as diferenças e passar por profundas transformações, para avançar nessa jornada.

O roteiro - ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, escrito por Nick Vallelonga, Brian Hayes Currie e o próprio Peter Farrelly - é baseado numa curiosa história real, que mostra uma inusitada amizade entre duas pessoas de etnias e classes sociais distintas, nada parecidas em suas ideias, mas que acabam se complementando numa improvável dupla de sucesso. A principal qualidade desta trama é mostrar tanto o lado de quem sofre o racismo como o de quem defende está prática hedionda. E ainda abre espaço para o debate sobre a vida naqueles tempos turbulentos. Argumentos como "é a prática da região", "é o costume daqui", dentre outros, mostram o quão enraizado ainda estava este tipo de pensamento em determinados locais dos Estados Unidos.


Curiosamente, Tony Lip (personagem defendido com unhas e dentes por Viggo Mortensen, merecidamente indicado ao Oscar de Melhor ator pelo papel, mas, mais uma vez completamente ignorado pela Academia) É um racista no início da trama. Mas a genialidade de Dr. Don Shirley (também defendido com maestria por Mahershala Ali, ganhador do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), tanto em seu ofício quanto em muitas de suas atitudes, fazem com que o bronco motorista de origem ítala-americana possa ver além da cor da pele, extraindo um conceito pré-estabelecido para uma admiração genuína, de um fã de boa música e de bom caráter. O que se vê na telona é algo de mágico que só o cinema pode criar...

(Curiosamente, o verdadeiro Tony Lip foi ator durante algum tempo, atuando na série "Os Sopranos" como o personagem Carmine Lupertazzi, além de diversos filmes dirigidos por Martin Scorsese)


Mas o maior mérito de "Green Book" não está somente em sua história ou na sinergia de sua dupla de protagonistas. É um conjunto de acertos que segue desde o acertado figurino - projetado por Betsy Heimann - passando pela trilha sonora incidental - criada por Kris Bowers, que foi dublê de Ali nas cenas com piano - e resultando na bela direção de fotografia de Sean Porter, compondo um conjunto coeso, nada ostentador, além de uma perfeita recriação de uma época de belas imagens e péssimas posturas de conduta.

"Green Book" é um filme refinado, porém ao alcance de todos, que leva a plateia do riso às lágrimas em muitos momentos, onde protagonistas díspares parecem-se com alguém que conhecemos, velhos amigos que não vemos há tempos.

Peter Farrelly, que iniciou a carreira em comédias de gosto duvidoso - porém de indiscutível sucesso -, tornou-se o sonho de todo cineasta: um irrepreensível contador de histórias. Sinta-se bem e vá ao cinema assistir "Green Book - O Guia". De nada.



Kal J. Moon sempre corrige as cartas de amor dos amigos com um prático conselho: "amor romântico não existe".