Dirigido por Felipe Novaes, "Chorão - Marginal Alado" promete mostrar as facetas do vocalista de uma das mais cultuadas bandas brasileiras de música jovem. 


Rude boy

Ele odiava críticas negativas de seus discos - chegou a ameaçar de morte uma jornalista de uma revista musical? Ele se suicidou? Não, ele não se suicidou pois não imaginou que morreria quando a fatalidade ocorreu. Ele era um ditador nos bastidores da banda? Ele adorava sua legião de fãs? Ele socou a cara do vocalista da banda Los Hermanos - não, na verdade foi uma cabeçada seguida de um soco quando ele já estava no chão (mas quais foram os motivos?). Ele nunca foi pobre pois tinha familiar famosa - era parente da apresentadora Sônia Abrão. Não, ele e sua família eram pobres, de classe média baixa e, depois da morte de seu pai, lutou para que a banda desse certo para poder pagar o plano de saúde de sua mãe e também ajudar seus irmãos? Ele despejou sua própria avó da casa que era de sua propriedade? Ele ajudou financeiramente um hospital em São Paulo e custeou uma perna mecânica de titânio para que um skatista pudesse voltar a praticar o esporte? Ele não tinha papas na língua. 

Independente de quais afirmações sejam verdades no parágrafo acima, a vida de Alexandre Magno Abrão - mais conhecido como Chorão, apelido dado pelos skatistas nas competições pois quando ele perdia, ficava choramingando dizendo que faria melhor do que os vencedores numa próxima vez - daria um filme com roteiro digno da manjada jornada do herói. Ele foi um dos cantores / compositores mais bem sucedidos do Brasil, junto com a banda Charlie Brown Jr. Mas quem conhece a história por trás da trajetória da banda sabe que, se virasse um filme desses que estão tão na moda no Brasil, seria mais um filme que ~"gourmetizaria" a "verdade" daquele "garoto de Santos Beach" e seus amigos inseparáveis.


A vida e obra de Chorão talvez não coubesse nas telonas de forma ficcional mas e num documentário? Foi pensando nisso que o diretor e co-roteirista Felipe Novaes (ao lado de Matias Lovro e Hugo Prata no roteiro) fizeram uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar as primeiras etapas do projeto que acabou se tornando "Chorão: Marginal Alado".

Dezenas de horas de entrevistas depois - incluindo a última entrevista de Champignon, baixista da formação original da banda, que se suicidou apenas uma semana depois -, com material suficiente (incluindo trechos de entrevistas em programas de TV), além de centenas de horas de material bruto filmado pelo próprio Chorão e equipe nos shows, no início de carreira como skatista, nos estúdios durante ensaios e mesmo nas longas viagens de ônibus e vans das turnês, o resultado é controverso feito seu personagem principal.


O roteiro de Novaes, Lovro e Prata vai e volta no tempo, costurado pelos depoimentos de conhecidos como integrantes da própria banda e artistas como João Gordo, Marcelo Nova, Otto, Zeca Baleiro, Serginho Groismann, funcionários e familiares de Chorão como seu próprio filho e a estilista Graziela "Grazon" Gonçalves, a musa da canção "Proibida pra Mim", ex-esposa de Chorão e que, na época de sua morte, estava em processo de separação / divórcio.

E mesmo que se assuma como bem longe de ser "chapa branca", os entrevistados se esquivaram em muitos momentos sobre assuntos polêmicos como o abuso de uso de drogas por parte de Chorão e de vários membros da banda - o tema está presente mas é falado meio "por cima" (numa das entrevistas, alguém chega a dizer que "na frente dele" Chorão nunca apareceu drogado mas que era um problema relatado por familiares e funcionários...).

E quem "abre o verbo", pelo menos um pouco, é justamente Champignon, ao falar que a história do relacionamento da banda com o vocalista era triste e que Chorão era alguém com um coração enorme mas também uma pessoa bem difícil de perdoar.


A falta de alguns pontos importantes - e até alguns entrevistados-chave - deixa o produto como algo bem resumido, que pode agradar parte dos fãs por conta de cenas inéditas de Chorão em shows ou junto a seu público com alguns de seus discursos ou retribuindo o carinho recebido. Não se tem explicações sobre o apelido de Chorão, seu passado como skatista e videomaker, nem mesmo a origem do nome da banda aparece no documentário (Chorão atropelou, numa tempestade, uma barraquinha de coco gelado que tinha o personagem Charlie Brown pintado - estranho pois ele próprio cita isso no programa "Ensaio" de 2009, que tem trechos exibidos dentre as entrevistas constantes). É como se apenas as entrevistas e as cenas de Chorão e companhia fossem suficientes por si só. Faltou a curiosidade, o detalhe especial, aquela fagulha de "ah, então é por isso que..." sem ser extremo na didática.

Assistir "Chorão - Marginal Alado" é como ler um Trabalho de Conclusão de Curso feito apenas para passar na faculdade mas não com uma nota dez. Porque com o material recolhido - e com uma duração maior que 75 minutos - era possível estabelecer algo épico em termos de narrativa.

Mas cinema é, acima de tudo, a arte do desapego de ideias em prol de outras. E dentro do que foi proposto, "Chorão - Marginal Alado" não é ruim como documentário e "passa de ano" - mas não com a nota máxima. Pena...



Kal J. Moon odeia gente chique e não usa sapato pois coração de vagabundo bate na sola do pé...