Escrito, produzido e dirigido por James Gunn, estrelado por Idris Elba, Margot Robbie, John Cena, Viola Davis e grande elenco (mesmo!), "O Esquadrão Suicida" é a nova chance de obscuros personagens da DC Comics na tela grande dos cinemas num filme de super-heróis para maiores de 18 anos... ou algo assim.


Os verdadeiros 'dispensáveis'
Uma das maiores "muletas" de roteiro quando se tem múltiplos personagens numa história que não terão serventia alguma é "mate a maioria e desenvolva quem restou". Tal artifício acontecia na era do rádio, na TV e, óbvio, acontece com frequência no cinema. "O Esquadrão Suicida" de James Gunn parece seguir essa "regra" à risca - mas de um jeito completamente equivocado.

É difícil ver tanto dinheiro e tanto talento desperdiçado num filme que, aparentemente, custou mais de 300 milhões de dólares. Tantos bons atores, tantas possibilidades... Tudo jogado no lixo só porque o diretor teve "total liberdade" (tá, sei) para fazer o que bem entendesse com personagens que a maioria do grande público nem ouviu falar. Não é estranho quando um diretor, que pode fazer o que quiser, resolva fazer... um filme ruim?


Na trama, em Belle Reve, a penitenciária com a maior taxa de mortalidade nos Estados Unidos e onde são mantidos os piores supervilões, dispostos a fazer qualquer coisa para escapar – até mesmo integrar a supersecreta equipe Força Tarefa X. A temida agente do governo Amanda Waller reúne um grupo de prisioneiros de alta periculosidade como Sanguinário, Pacificador, Capitão Bumerangue, Caça-Ratos 2, Sábio, Tubarão-Rei, Blackguard, Dardo e Arlequina, arma todo mundo até os dentes e manda-os numa missão na remota ilha-nação de Corto Maltese, sob o comando do Coronel Rick Flag. O objetivo: encerrar um estranho projeto científico intitulado "Projeto Estrela-do-Mar" para salvar o povo dos Estados Unidos e, se der tempo, o mundo. Quem aceita participar da missão, reduz até dez anos de sua pena. Quem tentar fugir durante a missão, tem a cabeça explodida por um simples apertar de botão de Amanda Waller. Mas algo dá muito errado no meio do caminho...

O roteiro de Gunn (sim, não dá pra defender pois ele escreveu tudo sozinho) é um pesadelo do ponto de vista narrativo. Trata-se apenas de um "leve os personagens do ponto A ao Z e vá matando a maioria pelo caminho" com alguns dos diálogos mais absurdos e menos inventivos da história do cinema - e piadas repetitivas que parecem retiradas da pior sitcom brasileira.


A direção de fotografia de Henry Braham (que trabalhou com o diretor em "Guardiões da Galáxia Vol. 2" criando algumas das mais lindas cenas de filmes de supers até agora) até incia estilosa, cromática mas tem-se a impressão que foi tolhido de alguma forma para fazer o básico de filmes genéricos de ação. Com exceção de UMA inspirada sequência com Arlequina (já falo disso), o restante da fotografia é pobre e vazia. E a trilha sonora original de John Murphy - assim como a do primeiro filme - é praticamente nula, dando lugar a sucessos de diversos intérpretes e bandas como Johnny Cash, The Jim Carroll Band, Kansas, Pixies (e até artistas brasileiros dos mais diversos ritmos como Glória Groove, Karol Conka, Marcelo D2 ou Céu), trazendo a aura roqueira e sendo uma das poucas coisas interessantes para se prestar atenção.

Como a principal reclamação do filme anterior foi o tal do desenvolvimento de personagens, aqui ninguém tem o direito de reclamar. Quer dizer, tem, porque cada personagem se explica a cada cena, se apresentando como se estivesse num filme onde vampiros brilham no escuro. Diálogos do tipo "ele é fulano e faz isso, isso e isso... Por isso, está na missão" são repetidos à exaustão durante a exibição. E piadinhas bem irritantes, de "tiozão do churrasco", são ditas a todo momento. As mais inspiradas, aparecem no trailer - aliás, o que o filme tem de melhor já foi visto nos trailers e vídeos de divulgação espalhados pela internet.


E quando o roteiro tem diversas chances de falar seriamente sobre assuntos importantes - como Síndrome de Estocolmo, segredos militares dos Estados Unidos contra outros países ou como a Terra do Tio Sam é vista por nações estrangeiras - desperdiça tudo com soluções estúpidas e completamente óbvias, fazendo com que cada personagem que seguiu nessa estranha jornada seja completamente dispensável.

"Mas tem algo que salve, tio Kal?" Tem. Duas cenas iniciais de discussão entre o Sanguinário (Idris Elba) contra Amanda Waller (Viola Davis) e Tyla (Storm Reid), a filha dele, mostram que existia algum resquício de dramaticidade no roteiro - que deve ter sido limado em seguida pelos produtores em prol de enfiar a maior quantidade possível de piadas . E, claro, a tal cena de luta da Arlequina (Margot Robbie) que espirram flores de desenho animado é muito bem coreografada e fotografada. Dá gosto de ver.


Ainda que Sanguinário (Elba) ganhe status de protagonista desde o início e seu arco narrativo se pareça MUITO com o do Pistoleiro (Will Smith) no filme anterior, o personagem é um dos melhores trabalhados nessa bagunça de roteiro, ao lado da Arlequina e, vejam só, da Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior). O Homem das Bolinhas (David Dastmalchian) era uma boa ideia mas fazê-lo repetir sua piada da primeira à última cena fez o gás deixar a garrafa - se o cerne de sua piada fosse mostrado apenas uma vez, num clímax, teria funcionado perfeitamente. O Pacificador (John Cena) é tão unidimensional que mesmo ele se explicando não dá pra sacar qual é a do personagem pois não faz sentido - e sim, isso também é dito por outro personagem para explicar a situação...

Coronel Rick Flag (Joel Kinnaman)
é o 'milico' operante que em algum momento entrará em conflito com os interesses da missão. O ator faz o que pode e está correto em cena. E o Pensador (Peter Capaldi) está bem parecido com sua contraparte originária dos quadrinhos, pena que (deixa pra lá)... Já o Tubarão-Rei dublado originalmente por Sylvester Stallone é uma tiração de sarro só, uma vez que ele reuniu sua própria equipe de 'dispensáveis' em três filmes de razoável sucesso - e o personagem não falar direito é a piada explicada de quem debochava do próprio Sly no início da carreira.

(E a ameaça central - que também está no trailer, PRA QUÊ MESMO?! - seria efetiva e assustadora se não fosse tão fácil de ser derrotada e se a cena fosse feita à noite emulando um filme de terror. E olhe que Gunn tem experiência no gênero...)


Já Michael Rooker (Sábio), Nathan Fillion (TDK), Jai Courtney (Capitão Bumerangue), Mayling Ng (Mongal), Sean Gunn (Doninha e Homem-Calendário), Alice Braga (rebelde Sol Soria)Taika Waititi (o Caça-Ratos original - numa das poucas cenas que não servem apenas para explicar poderes de personagens) fazem apenas rápidas participações especiais (os mais atentos já devem imaginar o que acontece a seus personagens).

"O Esquadrão Suicida" parece uma história em quadrinhos. Só que uma história em quadrinhos muito mal escrita. O filme é raso, destrambelhado, incompleto e prepotente, como quem acha que está abafando usando calça jeans branca numa festa feita para dançar e suar.


Se Gunn tivesse usado os personagens da Liga da Justiça Internacional - também conhecido como "Liga Cômica", com Besouro Azul, Gladiador Dourado, Guy Gardner e companhia -, adaptado algumas piadas e não tentar parecer estiloso e moderninho o tempo todo mas sim contasse uma boa história, teria sido engraçado na medida certa e conquistaria tanto os mais jovens quanto veteranos fãs da nona arte.

Mas colocar os integrantes da Força-Tarefa X para ser alvo de piada, além de forçação de barra, é apelar para o mais profundo mal gosto. Mas, claro, tem quem goste de gracejos rasteiros e negação de inteligência. Fazer o que? Assista e tire suas próprias conclusões... Porém, quem avisa, amigo é.




Kal J. Moon odiaria viver na "horrivelmente bela" mente de James Gunn. O aluguel deve ser caro, o local deve ser barulhento e a vizinhança, detestável...