Baseado na infância do diretor, Belfast mostra os horrores do conflito religioso que ocorreu na Irlanda no final dos anos 60




Muito além de um ícone pop por seus papéis como o Professor Gilderoy Lockhart, de Harry Potter e a Câmara Secreta, e Hercule Poirot, de Assassinato no Expresso do Oriente e Morte no Nilo, Kenneth Branagh é um dos mais interessantes diretores de sua geração. Realizando filmes complexos como Hamlet ou "pipocas" da Marvel como Thor, Branagh tem assinatura própria e sabe como contar uma boa história, não importa a fonte do roteiro. Seja um clássico dramático de Shakespeare, um clássico literário de Agatha Christie ou um clássico moderno de Jack Kirby, Larry Lieber e Stan Lee, Branagh sempre entrega uma visão moderna, acessível e, ao mesmo tempo, rebuscada do que está no script. Goste você ou não do trabalho dele, Branagh é um grande diretor e se faz necessário que isso seja reconhecido.

E nem me venha com críticas vazias e, em sua maioria equivocadas pela ignorância do que se fala (ou escreve), de que ele dirigiu o "pior filme da Marvel". Branagh o realizou com orçamento baixo, sem a máquina da Disney e mesmo assim, o filme deixou um legado que reflete até hoje nas produções da Marvel Studios.


O novo trabalho do meu querido diretor irlandês é Belfast, que é baseado em sua infância, sendo, portanto, um filme autobiográfico. Branagh escreveu o roteiro após muita insistência de seu amigo John Sessions, ator de bons filmes como O Mercador de Veneza, de 2004, e O Bom Pastor, de 2006. Os dois eram muito próximos e Kenneth Branagh chegou a dirigir Sessions, no teatro, na montagem de "The Life of Napoleon", durante a temporada de 1986, no Albery Theatre, em Londres. Tema de conversas recorrentes entre os dois, Sessions convenceu Branagh a contar um pouco de sua infância em uma obra autoral. A insistência acabou se tornando o primeiro trabalho escrito e dirigido por Branagh desde A Flauta Mágica, de 2006. Belfast acabou sendo o último trabalho de Sessions, já que o ator faleceu em 2020.

A trama se passa durante um período complicado na Irlanda: O final dos anos 60. Nessa época eram constantes os conflitos entre católicos e protestantes no país e foi neste cenário que Buddy, protagonista do filme cresce com sua família, em um bairro católico de Belfast. Além de preocupar-se com as regras das brincadeiras que trava com os amigos da rua, Buddy precisa também estar atento para qualquer movimentação estranha, pois qualquer vacilo pode custar um joelho ralado ou sua própria vida. Belfast era um lugar violento, perigoso e, como uma granada destravada, está prestes a explodir por conta das tensões entre os católicos e protestantes.

Entre um distúrbio e outro Buddy, além de brincar, ainda arruma tempo para curtir suas séries e filmes favoritos, enquanto seus pais decidem se devem ou não mudar-se dali. Buddy curte as séries Star Trek, e Thunderbirds, assim como os filmes Robin Hood de Chicago e O Homem que Matou o Facínora. Vemos então um pouco da formação de Branagh como cineasta, uma vez que Buddy é seu alter-ego. Temos até mesmo uma cena na qual o menino aparece lendo uma edição do gibi do Thor, uma clara referência ao filme que Branagh viria a realizar 40 anos depois.

Todo o filme é contado sob o olhar atento, curioso e astuto de Buddy. Seus pais, por exemplo, sequer tem nome, e são chamados apenas de "papai" e "mamãe". A compreensão do universo infantil por parte de Branagh é algo tão refinado que é impossível não se emocionar e se colocar na pele daquele menino que, por mais que tenha origem e vivência tão distante e diferente da nossa, é por demais parecido conosco.

Para interpretar Buddy, Branagh lançou mão de um ator novato. Jude Hill, apesar de não ter tido nenhuma experiência em dramaturgia anteriormente, está muito bem no papel. Para captá-lo da forma mais espontânea possível, Branagh filmava-o durante os ensaios e muitas das cenas que estão no filme são destes "ensaios" mais descontraídos. Como após um tempo, esta técnica acabou sendo percebida por Hill, os câmera passaram a cobrir a luz vermelha que indica que a câmera está gravando, para deixá-lo mais à vontade.


Os pais de Buddy foram interpretados por Caitriona Balfe e Jamie Dornan. Balfe é excelente e acabou sendo esnobada pelo Oscar. Dornan foi muito bem dirigido e até convence. Judi Dench e Ciarán Hinds, "Vó" e Vô", respectivamente, são a melhor coisa do filme, em termos de atuação, e acabaram indo parar na lista do Oscar, indicados a Melhor Ator e Atriz Coadjuvantes. Merecido.

A cinematografia é do diretor de fotografia preferido de Branagh, Haris Zambarloukos. Haris trabalhou com Kenneth em Thor, Morte no Nilo, entre outros. Em Belfast, temos cenas muito arrojadas, que ajudam a contextualizar a atmosfera violenta dos conflitos, mesclando-as ao cotidiano alegre do menino. Por ser um filme captado em preto e branco, a iluminação das cenas, combinada com os ângulos escolhidos para cada cena, em especial as do hospital, chamam a atenção pelo cuidado que tomado pela produção. Não é apenas um filme convertido para escalas de cinza, é um trabalho belo.

Mais uma vez, Kenneth Branagh encara um projeto com baixo orçamento e entrega uma obra-prima. Sendo um projeto pessoal, autobiográfico e sugerido por um amigo de longa data, Belfast é mais que um bom programa de fim de semana. É um testemunho sincero de um menino que, em meio à barbárie, encarou provações difíceis com otimismo.

Espero que ganhe o Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor.



Marlo George assistiu, escreveu e, na infância, se fantasiava de super-herói em momentos difíceis

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