Terceiro filme do spinoff de Harry Potter, Animais Fantásticos, desnuda segredos dos Dumbledore em filme coeso, bem escrito e que presenteia os fãs sem negligenciar as novas audiências


Diversos foram os percalços na realização do terceiro filme da franquia Animais Fantásticos. Os Segredos de Dumbledore

Acusado de violência doméstica, Johnny Depp, intérprete do vilão Gellert Grindelwald nos filmes anteriores, foi cancelado, em 2018, o que acabou acarretando em seu desligamento da franquia. O ator chegou a filmar algumas cenas para o terceiro filme, Os Segredos de Dumbledore, mas acabou sendo substituído por Mads Mikkelsen. Por conta de nuances de seu contrato pay ou play, Depp recebeu seu cachê, de modestos 16 milhões de dólares, apesar de não fazer nenhuma aparição no longa metragem.

J.K. Rowling, criadora do Wizarding World (nome da marca que representa o Universo de Harry Potter), também foi cancelada, porém por suposta transfobia em postagens do Twitter. Isso ocorreu no final de 2020, e nesta mesma época, Ezra Miller, que representa o personagem Credence Barebone, também foi parar no limbo dos cancelados por ter enforcado e jogado uma mulher no chão, durante uma balada na Islândia.

Além dos cancelamentos, a pandemia também atrapalhou as filmagens, que começariam em 16 de março de 2020, mas acabou tendo seu início adiado. Mais tarde, em fevereiro de 2021, as filmagens foram interrompidas por conta da constatação de casos de COVID-19 entre os membros da produção. 

Para completar o combo de problemas, Steve Kloves foi convocado a auxiliar J.K. Rowling com o roteiro, uma vez que o mesmo não agradou a Warner Bros., mas esta é a versão oficial. A oficiosa, e que corre à boca miúda, é que os produtores temiam que o cancelamento da autora pudesse atrapalhar a bilheteria do filme. Vale ressaltar que, no início do ano, a Warner e HBO Max lançaram um especial de fim de ano que comemorava os 20 anos do lançamento do primeiro filme de Harry Potter. O especial não contou com a presença da criadora, assim como seu nome não conta no primeiro trailer de Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore. Como a ausência foi sentida, e pegou mal, seu nome foi incluído em todos os materiais promocionais seguintes.

Bem! Resumindo, estes foram os problemas que esbarraram em Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore e que chegaram a ameaçar a sobrevivência da franquia. Aliás, houveram problemas posteriores à produção e que acabaram estourando durante o lançamento do filme, afinal, Ezra Miller foi preso no Havaí, no mesmo dia em que rolava a première britânica do filme (casal que acusava o ator de agressão retirou, hoje, a queixa), e Johnny Depp enfrenta uma nova batalha nos tribunais contra sua ex-mulher, na mesma semana de lançamento internacional.

Mas todos os imbróglios não foram suficientes para atrapalhar o resultado final. Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore é um filme muito bem escrito, respeitoso com o material original e que tem uma função clara: arrumar a casa para a conclusão da saga de Newt Scamander, o herói improvável, um mero magizologista, que, sem querer, se envolve nas questões políticas do Mundo Bruxo.


Um filmaço, apesar de todos os problemas. Mas que não é perfeito

Ao acumular as funções de produtor e co-roteirista, assim como fez em toda a Saga Harry Potter, Steve Kloves aparou as arestas da escrita de Rowling e deixou o roteiro deste terceiro filme mais cinematográfico e menos literário. Enquanto os primeiros dois filmes, que tiveram roteiro solo de Rowling, tem dinâmica muito parecida com a de livros, este terceiro filme tem dinâmica de cinema. É mais enxuto, indo direto ao ponto, sem muitos rodeios, como acontece, especialmente em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald

Todas as questões importantes para a trama, apresentadas no primeiro filme, Animais Fantásticos e Onde Habitam, de 2016, e no segundo, Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald, de 2018, como o fato de que um bruxo das trevas, Gellert Grindelwald, está desaparecido e que isso é uma ameaça iminente ao Mundo Bruxo, a relação deste bruxo das trevas com um misterioso jovem chamado Credence Barebone e também com o famoso bruxo Alvo Dumbledore, são resolvidas de forma inteligente neste terceiro filme. A apresentação da intrincada relação entre estes três personagens e a solução de seus conflitos, sem deixar pontas soltas, é o grande mérito deste roteiro. Enquanto Newt, o protagonista da franquia, tem a função de elo de ligação entre as tramas, principal e paralelas, vemos o aprofundamento das personagens, principais e coadjuvante, enquanto as histórias se mesclam, culminando em um final emocionante, crível e belo.

O filme termina com um final amargo, porém, feliz. Existe uma ameaça após a conclusão da aventura? Sim, afinal, serão cinco filmes. Mas, com todos os dilemas e problemas dirimidos, resta aos personagens aguardar os próximos passos do vilão, sejam lá quais forem.

Outro mérito de Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore, é funcionar como um filme stand-alone. É possível assisti-lo sem ter assistido nenhum dos outros dois filmes anteriores, apesar de tudo que eu expus acima, sobre tramas intrincadas e personagens intimamente relacionados. Isto se dá pela forma como os personagens são reapresentados logo no início e pelo fato de o filme ter uma trama própria e independente das demais, apresentadas nos filmes anteriores. De forma orgânica, cada "peça" é colocada no grande "tabuleiro" que é este filme e, ao serem posicionadas, é possível se ter uma visão completa do "jogo".

A história traz ainda muitos easter-eggs e, além destes, um fan-service monstruoso. Em certo momento, durante o segundo ato, há uma explosão, literalmente, e diversas referências visuais e sonoras são arremessadas contra a telona e altos-falantes, resultando em um longo e divertido "orgasmo potterhead". Sim! Eu vivi para ver um novo recurso cinematográfico surgir: O fan-service gigante (brincadeirinha, ^_^). Temos também diálogos que remetem aos filmes da saga principal, Harry Potter. Todos são de muito bom gosto e arrojo. O fã mais atento irá emocionar-se bastante quando eles ocorrem. Prepare seu coração, caso seja um deles.

Porém, o longa metragem não é livre de problemas. Em certo momento, enquanto se desenrolam os primeiros eventos do segundo ato, a narrativa se torna arrastada e o que agrava esta falha grave é que a maioria das ocasiões que poderiam ter sido interessantes já tinha sido mostradas nos trailer e materiais promocionais. Além disso, a participação da personagem Yusef Kama é inconsistente, visto que elas não encontram amparo no que foi apresentado no segundo filme da franquia. Um problema grave de roteiro e isso me incomodou bastante.


Elenco renovado e personagens aprofundados

O filme tem classificação indicativa para menores de 12 anos, mas mesmo assim é denso e tem um tom mais sinistro que os anteriores. Algumas cenas podem incomodar o expectador mais sensível, mas ver um bruxo das trevas usando as artes das trevas foi impagável. E pra falar disso, preciso falar de Mads Mikkelsen. O ator empunhou a varinha das varinhas e nos presenteou com um Grindelwald temível. Sim, ele dá medo. A voz impostada, o jeito desconfiado, de tudo e de todos, com a elegância de alguém igualmente desconfiável é impecável. E dou-lhe crédito por nos fazer esquecer, definitivamente, de Johnny Depp. Não que Depp tenha feito um trabalho ruim, de forma alguma. O antigo intérprete fez um trabalho soberbo, mas ao imprimir uma personalidade própria ao personagem, Mikkelsen brilha sem escorar-se no que foi estabelecido por Depp. Perfeito.

Jude Law retorna como Alvo Dumbledore e está muito à vontade no papel. Eu já estou muito apegado ao personagem, do mesmo modo como me apeguei pela versão mais velha interpretada por Michael Gambon (nunca fui muito fã do Richard Harris). As sutilezas da interpretação de Law emprestam à personagem carisma e delicadeza. Nós sabemos que Alvo Percival Wulfric Brian Dumbledore é o maior bruxo de sua geração, versado em magia desde muito cedo e talentoso além de qualquer expectativa, mas Law o apresenta como uma figura modesta e, ao mesmo tempo, poderosa.

O irmão de Alvo, Aberforth Dumbledore, é interpretado por Richard Coyle. Preste atenção neste personagem. A relação conturbada entre os dois irmãos Dumbledore tem grande importância na saga Potter e também em Animais Fantásticos. Aberforth foi um dos personagens mais aprofundados neste novo filme. Na lide desta crítica eu digo que os segredos são "dos Dumbledore" e isto é justificado por conta dos acontecimentos que envolvem a Família Dumbledore. Não contarei mais para não dar spoilers.

Outra personagem que ganhou importância e profundidade foi Lally, interpretada por Jessica Williams. A atriz é simpática, trabalha bem e a personagem, brevemente apresentada no segundo filme, tem participação importante na história principal. A personagem de Victoria Yeates, Bunty, a atrapalhada e apaixonada assistente de Newt Scamander, também ganha importância e muito tempo de tela. Ela é adorável e muito engraçada. Funciona bem como alívio cômico.

Callum Turner, o Theseus Scamander, nunca me agradou muito. Porém, neste filme, o ator - e o personagem - me pareceram mais agradáveis. Eu até cheguei a me importar com ele, em dado momento, quando este passou por um perigo iminente. Já Paul Low-Hang, como Zabini, e Alison Sudol, como Queenie Goldstein, estavam tão mecânicos que me incomodaram. Eu adoro Alison e Queenie, mas não dá pra passar pano. William Nadylam retorna como Yusuf Kama e está bem, interpretando-o de forma profissional, apesar do problema com a consistência de sua participação, no roteiro, conforme apontei anteriormente.

Dave Wong, como Liu Tao, e Maria Fernanda Cândido, como Vicência Santos, tem, ambos, pouca participação. Sem falas ou ações importantes no filme, espero que sejam melhor aproveitados nos próximos filmes, especialmente Cândido. O motivo nem é o fato dela ser uma atriz brasileira, por quem torcemos e queremos que tenha muito, muito sucesso, mas pela personagem que precisa de ter mais tempo de tela. Já Wong, não passa de um figurante de luxo, o que achei injusto com o ator e o personagem, que chegou a ganhar pôster exclusivo e tudo mais.

Dan Fogler, o nosso querido Jacob, é, novamente, a melhor coisa do filme. Eu não me cansarei de festejar sua escalação como o padeiro trouxa mais sortudo, e ao mesmo tempo desafortunado, do mundo bruxo. Amo seu trabalho desde Fanboys (filme que homenageia o fandom de Star Wars) e vê-lo tendo seu talento reconhecido nos últimos anos foi muito legal.

E não posso terminar sem falar dele, Newton Fido Artemis Scamander. Eddie Redmayne é um bom ator, porém, cujos recursos me parecem limitados. Nunca concordei com sua escalação para o papel, mas já me acostumei com o fato de que ele é Newt. Novamente, tudo acontece em torno dele, mas não em função dele, e, por conta disso, concluo que Redmayne fez um bom trabalho, já que ele não interfere na participação dos outros atores. Ele brilha e abre espaço para que as outras estrelas brilhem e isto torna o filme mais interessante. Sendo justo, já me acostumei com o fato dele ser Newt, como disse, e isto basta para mim.

Antes de prosseguir falando sobre os aspectos técnicos do filme, preciso dizer que as atrizes Katherine Waterston e Claudia Kim, Tina e Nagini, respectivamente, não fizeram falta. Waterston faz uma breve aparição, mas sua ausência não compromete o desenrolar do filme. Kim, que estava grávida durante as filmagens e decidiu não participar para não colocar seu bebê em risco, pois estamos em estado de pandemia (use máscara e se cuide), não passava de um easter-egg no segundo filme.


Um filme cheio de luz, sons e música

James Newton Howard assina novamente a composição da trilha sonora, que desta vez traz muitos arranjos inspirados na Saga Harry Potter, homenageando não só a série, mas também os compositores  das trilhas dos 8 filmes, John Williams Nicholas Hooper, Alexandre Desplat e Patrick Doyle. Apesar das referências e inspirações, a trilha de Howard tem personalidade e conduz o filme criando tensão e o contribuindo com o clima sombrio de Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore.

A direção de fotografia é de George Richmond, conhecido por Rocketman, Kingsman: O Círculo Dourado, Tomb Raider: A Origem e Free Guy. Não há ousadia no trabalho e tudo foi registrado de forma burocrática. A fotografia é, certamente, um problema e isso é mais sentido nas cenas de ação. A edição ficou à cargo de Mark Day, que editou filmes 5, 6, 7 e 8 da Saga Harry Potter, assim como os outros dois da Saga Animais Fantásticos. Não fosse a barriga, enorme, que acontece no segundo ato, o trabalho teria sido primoroso.

Os efeitos visuais e especiais estão bem feitos, assim como o desempenhado pela equipe de direção de arte. Christina Baker foi a responsável pelo departamento de maquiagem e cabelo, e eu posso sentir que o trabalho será recompensado com indicações durante a temporada de premiações. Como trata-se de um filme de época, tudo ficou muito acurado e nos transporta para os anos 20 do século XX. As locações e cenários também foram muito bem escolhidos e construídos.

David Yates nos leva novamente ao mundo mágico em um filme belo, profundo e que, de certa forma, conclui esta primeira parte das aventuras de Newt Scamander e seus animais fantásticos. Daqui pra frente, além da ameaça de Grindelwald, não sabemos o que nos espera neste universo fantástico e perigoso. Estou ansioso pelas novidades.



Marlo George assistiu, escreveu e já foi reverenciado por um animal fantástico

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