Baseado na icônica e cultuada personagem criada por G. Willow WilsonAdrian Alphona para os quadrinhos da Marvel Comics, estrelado pela carismática estreante Iman Vellani e grande elenco, o seriado "Ms. Marvel" usa de uma linguagem jovem, simples e objetiva para tratar de temas bem sérios, ainda que de forma superficial para não afastar sua torcida, digo, audiência...


"O que importa é fazer o bem"
Se você também ficou satisfatoriamente impressionado (a) com as inserções visuais animadas do primeiro episódio de "Ms. Marvel", muitas delas emulando a bela arte do graffiti, acredite: isso não foi à toa. Em diversos protestos pelo mundo, pessoas oriundas no Oriente Médio utilizaram graffiti, pichações, placas e cartazes ilustrados pela personagem Kamala Khan / Ms. Marvel como símbolo de resistência, coragem e ousadia. A boa e velha epítome de se inspirar em ideias positivos de criações fictícias para para tentar mudar o mundo, nem que seja por um curto período de tempo. E se o seriado "Ms. Marvel" não é perfeito, pelo menos tenta ser o mais inspirador para toda uma geração que precisa cada vez mais de exemplos positivos na cultura POP.

Na trama, Kamala Khan (Vellani) é uma adolescente muçulmana norte-americana que cresce em Jersey City (localizada em New Jersey, EUA). Sentindo que não se encaixa na escola e às vezes até em casa, a garota sofre uma reviravolta em sua vida ao obter super poderes como os heróis que ela sempre admirou. O problema é que pessoas com interesses escusos também estão atrás dos poderes que ela despertou. E um departamento do governo promove uma verdadeira caça à pessoas que despertam super-poderes, ainda como consequência aos eventos apresentados em "Capitão América - Guerra Civil", dentre outros motivos.


Ainda que se utilize de alguns estratagemas bem manjados claramente inspirados na "Jornada do Herói" - e é bem difícil fugir disso, por mais criatividade que se tenha -, o roteiro de Bisha K. Ali, A.C. Bradley, Matthew Chauncey, Will Dunn (e, ao todo, quase DEZ escritores) entrega aquele feijão com arroz bem feitinho mas com um tempero bem especial que lembra a comida caseira degustada na infância. Porém, existe, nesse burocrático texto, espaço para discutir temas como intolerância religiosa, preconceito e luta de classes, dificuldade em ser (e permanecer) imigrante nos Estados Unidos e até mesmo uma (muito bem-bolada) mini-aula de História Geral para ilustrar como se deu a vinda de ancestrais da personagem para a Terra do Tio Sam. Até mesmo as necessárias mudanças em relação a acontecimentos, origem dos poderes e alguns personagens são muito bem vindas pois melhoraram e muito o que se tinha no material original.

Mesmo assim, o primeiro episódio é um primor em matéria de apresentação de personagens e universo, também graças à inspirada direção da dupla Adil El Arbi & Bilall Fallah (do recente e divertido "Bad Boys Para Sempre" e do vindouro filme da "Batgirl"), que - como bem disse nosso Marlo George - emulou perfeitamente o que o subestimado porém estiloso Edgar Wright fez no cinema em filmes como "Scott Pilgrim Contra o Mundo", "Baby Driver - Em Ritmo de Fuga" e o recente "Noite Passada em Soho" (você pode até não gostar dos filmes do cineasta mas tem de admitir que a influência é gritante). Provavelmente, a menção ao super-herói Homem-Formiga no primeiro episódio não tenha sido mera coincidência mas, sim, uma homenagem velada - para quem não sabe, Wright seria o diretor do primeiro filme do Homem-Formiga mas deixou o projeto após as tais "diferenças criativas"... Destaque também para a direção de fotografia de Carmen Cabana, Robrecht Heyvaert e Jules O'Loughlin, da trilha sonora instrumental composta por Laura Karpman e do belo figurino criado por Arjun Bhasin.


E para quem está reclamando que "Ms. Marvel" mais parece uma série da Disney Channel e não um produto Marvel Studios com milhões de conexões com os filmes comandados por Kevin Feige... Bem, Disney+ É uma plataforma Disney, então, errado não tá... Aproveitar-se dessa "linguagem" mais juvenil para contar uma história mais redondinha e com pouquíssima conexão com mais de vinte filmes é uma escolha narrativa acertada para apresentar uma personagem que terá bastante importância em produções futuras da Casa das Ideias. É importante relembrar que o próprio Kevin Feige - manda-chuva supremo das produções Marvel no cinema e em streaming - afirmou que, após "Vingadores - Ultimato", as séries lançadas na plataforma paga de streaming Disney+ seriam de grande importância para entender o que chegaria no cinema a partir de então. Quem assistiu pelo menos "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura", sabe que o "tio do boné" não estava exagerando.

O elenco de "Ms. Marvel" é muito bem escalado. O destaque óbvio é para Iman Vellani como Kamala Khan / Ms. Marvel pois entrega a jovialidade necessária que a personagem tem nos quadrinhos, mas também é esperta e parece ter uma química única com TODO o elenco com quem contracena. É literalmente impressionante como a atriz entrega momentos de ação, comédia, drama e fisicalidade com uma destreza digna de grandes baluartes da atuação. Anotem esse nome pois ainda ouviremos falar muito bem dela...


Embora todos no elenco estejam bem - e ter atores e atrizes do Oriente Médio foi não somente um grande acerto como o certo a se fazer -, vale destacar Mohan Kapur como o líder religioso Yusuf, que, aqui, tem o papel não só de guia espiritual mas também de mentor para Kamala Khan em momentos de dúvida - mais ou menos como Tio Ben ou Tia May para Peter Parker / Homem Aranha. A frase que é proferida por sua personagem ("Não importa se é bom ou mau. O que importa é fazer o bem") serve para Kamala mais ou menos como "Com grandes poderes..." serviu para Parker nos anos 1960. Sim, Kamala Khan é para a juventude de hoje o que o Amigão da Vizinhança foi para muitos de nós há mais de 60 anos.

Mesmo não sendo perfeita, com alguns episódios que poderiam ter duração reduzida, "Ms. Marvel" não é o tipo de série que as pessoas deveriam estar reclamando. Desde "Homem-Aranha - Sem Volta Para Casa" que a Marvel Studios está se esforçando para não ser mais enquadrada com a pecha de se repetir em seus filmes - a tal "forma de bolo" que nosso Marlo George tanto fala -, entregando cada vez mais discussões relevantes embrulhados sob o verniz edulcorado de super-heróis.


O mesmo processo está acontecendo no streaming por conta do elogiado planejamento de Kevin Feige e companhia. Em maior ou menor grau, os filmes e séries estão ao menos arranhando temas que nunca se pensaria abordar há quinze anos. OK, o humor ainda está lá para fazer a "torcida Marvel" feliz, mas quem tinha dez anos de idade quando assistiu o primeiro "Homem de Ferro", hoje tem 25 anos de idade. Quem tinha 15 ou 20, hoje tem entre 30 e 35 anos. Não dá para continuar abordando personagens novos sob a óptica do já distante ano de 2008. Pelo menos, não quase duas décadas depois de uma bem sucedida fase. Os fãs e não-fãs cresceram junto com esses filmes, assim como os de Harry Potter (que também começou a abordar temas mais adultos, né?). O mundo está sombrio o bastante para deixar o bom e velho debate de lado para contar mais uma surrada "piadoca de tiozão". E "Ms. Marvel" não deixa a peteca cair pois é uma série bem honesta, que não prometeu nada de surpreendente mas entregou pelo menos uma coisa bem inesperada...

(O parágrafo a seguir contém spoilers do último episódio e, caso não tenha assistido, basta pular para o último parágrafo dessa crítica. Mas se quiser correr o risco, basta selecionar o parágrafo e o texto que procuras, achará você)




...que é a primeira menção a mutantes no Universo Cinematográfico Marvel, com direito à música de abertura da série animada dos X-Men e tudo. Ainda que mude drasticamente parte da origem dos poderes de Kamala, isso explica a perseguição implacável do tal Departamento de Controle de Danos e ainda abre de vez a porteira para que os alunos do Professor Charles Xavier entrem de vez nos filmes e séries da Casa das Ideias. E não percam a cena pós-créditos do último episódio pois tem a participação especial de Brie Larson reprisando seu papel de Capitã Marvel e fazendo ligação com "The Marvels", que juntará sua personagem com Kamala Khan e Monica Rambeau (Teyonah Parris) numa aventura cósmica.

(Fim dos spoilers)

"Ms. Marvel" deixa a maioria das séries da Casa das Ideias no chinelo ao entregar um entretenimento com a simplicidade que a juventude carrega em si. E quem não gostou, é bobo, chato, feio e já passou da hora de parar de fazer beicinho toda vez que acha como uma série ou filme deva ser. Se o público soubesse o que quer, não seria público mas, sim, autor. Assista e divirta-se sem culpa. Além de valer a pena, conhecer uma cultura estrangeira é fascinante e não dói nem um pouco...




Kal J. Moon é moreno, gosta de comida picante mas não é paquistanês. Bem, isso é o que ele pensa...

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