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CRÍTICA [CINEMA] | "Fervo", por Kal J. Moon

Dirigido por Felipe Joffily - com roteiro de Thiago Gadelha -, estrelado por Felipe Abib, Georgianna Goes, Rita Von Hunty, Gabriel Godoy, Renata Gaspar, Paulo Vieira, Dudu Azevedo e participação especial de Tonico Pereira, Suely Franco, Bukassa Kabengele, Welder Rodrigues, Julia Lemmertz, Joana Fomm, Marcelo Adnet, dentre outros, o filme brasileiro "Fervo" mira no que vê e acerta no inesperado (para o bem e para o mal).


Os fantasmas se emocionam
Numa conversa com nosso editor Marlo George sobre cinema brasileiro, ele afirmou que "o cinema nacional é um cinema 'sem vergonha'". Não no sentido pejorativo, mas no sentido de não ter vergonha de lançar filme 'ruim'. Não importa a narrativa, nosso cinema 'aposta', mesmo que, talvez, o projeto esteja mal estruturado, ou haja pouco dinheiro de realização, ou ainda se falta alguma coisa para que a obra possa brilhar da forma adequada, seja em questão de marketing ou mesmo algum detalhe técnico de produção. O que nos leva ao recente  lançamento de "Fervo".

O roteiro de Thiago Gadelha (da equipe de criação da série “Tá No Ar”, TV Globo) é uma adaptação livre da história original e filme "Poltergay" (2006, com direção e roteiro de Eric Lavaine - com Hector Cabello Reyes também no roteiro). Na verdade, é quase uma reinvenção do filme original, cortando personagens, adicionando tramas e situações para que o público brasileiro alcance a mensagem que, talvez, não seja bem vinda se seguisse à risca o que foi realizado anteriormente. Em algumas partes, é bem-sucedido. Mas em outras... 


Na trama, quando um casal de arquitetos em crise no casamento se muda para um casarão inabitado há anos no Alto da Boa Vista (RJ) e decide fazer uma reforma, um deles descobre, da pior forma possível, que três fantasmas habitam o local e vão fazer de tudo para expulsá-los de lá. Mas, com o tempo, acabam descobrindo o outro lado da história e resolvem ajudá-los a fazer a passagem para o 'além-vida', com o auxílio de um amigo e um paranormal. Porém, se algo der errado, haverá um preço muito alto a se pagar com ninguém menos que... a Morte em pessoa.

Iniciemos pelos acertos. Alguns membros do elenco de "Fervo" engajaram-se de tal forma que as partes dramáticas da trama são realmente algo digno de nota e de atenção. O momento em que o personagem de Paulo Vieira contracena com Tonico Pereira e, principalmente, Sueli Franco - baluartes do audiovisual brasileiro, mais conhecidos por papeis cômicos - pode levar parte do público às lágrimas. Mesmo. Sem exagero.

Igualmente podemos dizer sobre a cena final entre o personagem de Bukassa Kabengele (se esse ator não receber ao menos indicação a prêmios no ano que vem, será uma grande injustiça - idem para Tonico Pereira e Sueli Franco) e o fantasma interpretado por Gabriel Godoy é de uma sensibilidade ímpar no cinema nacional. Curiosamente, não são cenas longas mas que trazem ao roteiro algo que não é nada comum nesse tipo de filme - o que vaticina, por si só, que o diretor Felipe Joffily tem bastante talento para emocionar o público dramaticamente falando. 


Assim como a direção de fotografia comandada por Diego Robaldo (que o público nerd-geek-POP deve conhecer DAQUELE comercial do evento CCXP) é bem evocativa, tanto nos (poucos) momentos de terror - com direito a homenagem a "Psicose" e tudo - quanto nas partes dramáticas, mostrando alguns ângulos espelhados bem interessante (apesar do estranho uso de iluminação natural quase metade do filme, resultando em algo bem cansativo para o público - ainda que a "falta de luz" seja parte da trama, existem outras formas de se iluminar uma cena para que fique atraente à audiência, certo?).

Também há de se destacar tanto o som direto captado por Toninho Muricy, quanto o desenho de som e mixagem projetado por Ricardo Reis, além da supervisão de edição de som de Miriam Bidermam pois, como metade da obra emula e segue de perto a cartilha do terror atual, parte do segredo é assustar o público através do som e isso ocorre em diversos momentos de forma minimamente satisfatória e bem espacial, eu diria.


E aí chegamos à questão do tal "filme de gênero" - que, em "Fervo", ganha um duplo significado, uma vez que a narrativa precisa abarcar personagens LGBT (e não, não há problema algum em ter personagens assim, afinal, a vida é repleta de pessoas de todos os tipos...). O roteiro de Gadelha tem múltiplas subtramas que não influem diretamente no andamento ou na resolução da história. E, embora seja um filme de pouco mais de uma hora e meia, a impressão é de que a duração é bem maior, pelo tanto de situações que ocorrem. É protagonista que acha que "virou gay" (na verdade, está possuído por um dos fantasmas), é separação do casal principal, é intromissão dos pais do protagonistas - participação completamente desnecessária da dupla Hamilton Vaz Pereira e Rosi Campos, com direito à dancinha e tudo (pra quê?!) -, ou seja, um monte de coisas que, numa peça de teatro pode até funcionar, mas num filme a dinâmica precisa ser de mais urgência para não tornar enfadonho o ato de assistir à obra. 

Porém, ainda falando no roteiro, é na segunda metade que "Fervo" ganha força (uêpa!), quando há uma reviravolta que traz a tal urgência necessária em forma de missão para que os fantasmas - interpretados pelo trio Rita Von Hunty, Gabriel Godoy e Renata Gaspar - possam resolver pendências do passado e, finalmente, seguir para o além-vida (seja lá o que esteja "do outro lado"). A adição da personagem Morte - defendida pela veterana Joana Fomm - trazendo toda a autoridade que a entidade possui, confere ao texto algo que é até rapidamente anunciado no início mas que ganha força na reta final pois há um limite de tempo para a realização da missão (e consequências graves para parte dos personagens em caso de falha).


Se o texto falha miseravelmente na grande maioria das cenas de humor - com exceção de uma hilária situação num necrotério com a presença do espirituoso Welder Rodrigues - e também em muitos momentos desperdiçados do terror na primeira metade (há uma fala expositiva sobre a personagem Rita Von Hunty emulando a "loira do banheiro" que teria sido sensacional VER mas que não passa apenas de um diálogo solto do roteiro - show me, don't tell me, please), o mesmo não ocorre nos já citados momentos emotivos da trama.

O que nos leva à conclusão que se, na formatação do roteiro, em vez de insistir na comédia tímida, talvez não fosse uma oportunidade de realizar um filme dramático com elementos de terror. Ainda há a insistência no repetido uso de uma canção do início dos anos 2000 sem uma explicação da trama (no original, os fantasmas haviam morrido nos anos 1970 e tocavam a canção "Rasputin" da banda Boney M.) - era algo do passado do casal protagonista, uma canção do início de namoro, uma piada interna, talvez? O roteiro nem se dá ao trabalho de nos fazer entender porque o protagonista não consegue parar de dançar ao som da tal canção...

(Seria mais difícil de vender o projeto às distribuidoras brasileiras se fosse um filme de terror e drama? Sim, seria. Mas, se conseguisse, poderia atrair as audiências mais jovens e passar a mensagem final de forma mais efetiva, com muito mais aceitação para parte do público que não curte esperar mais de meia hora para desenvolver um plot)

A montagem de Marcelo Junqueira também não ajuda em muitos momentos, como na cena em que está acontecendo uma discussão entre dois personagens e há um corte brusco para alguém comprando tinta num estabelecimento e, daí, volta à discussão - existem formas mais efetivas de se realizar esse tipo de corte "seco" e esse, especificamente, causa mais confusão do que reverbera o efeito desejado.


O filme ainda tem participações especiais de Marcelo Adnet (exageradíssimo) e Julia Lemmertz (talvez o momento dramático mais fraco da trama, mais por conta do texto do que do talento da veterana atriz - porém foi uma boa sacada as personagens se despedirem com a frase "eu te amo você", trecho de uma canção de Marina Lima). Paulo Vieira está bem esforçado e, mesmo que os momentos de humor não sejam lá um primor, compensa nos momentos dramáticos. Rita Von Hunty é um talento sub-aproveitado, que poderia render muito mais com um texto mais elaborado. Renata Gaspar está operante e não compromete. Felipe Abib está perdido como seu personagem mas entrega o que pode. A personagem de Georgianna Goes é uma mera ferramenta de avanço da trama - o que é uma pena -, assim como o de Dudu Azevedo.

"Fervo" é um filme estranho: é comédia que não faz rir, terror que não assusta muito mas também é um filme dramático que emociona o público de forma surpreendente. Assista e tire suas próprias conclusões.




Kal J. Moon nasceu nos anos 1970, não se assusta com facilidade nem ri gratuitamente. Na verdade, nem sabem se ele realmente está vivo. Xiiii...


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