Escrito e dirigido por Scott Cooper, estrelado por Christian Bale, Harry Malling, Gillian Anderson, Tobey Jones e grande elenco, O Pálido Olho Azul traz uma história de mistério detetivesco na qual um dos personagens é ninguém menos que Edgar Allan Poe, considerado o próprio pai do gênero na literatura.


NUNCAMAIS
Edgar Allan Poe (1809 –1849) foi um escritor romântico americano adepto da vertente gótica e de elementos mórbidos e sobrenaturais. Conhecido como pai do romance detetivesco graças à obra Os Assassinatos da Rua Morgue (1841) na qual o detetive C. Auguste Dupin investiga um misterioso e macabro duplo homicídio ocorrido em Paris. Também é sem dúvida um dos autores da literatura norte-americana mais influentes da história. O que podemos conferir não apenas no seriado Wandinha – recente sucesso da plataforma paga de streaming Netflix – como também na icônica e eterna franquia Scooby-Doo, na qual aqueles garotos enxeridos sempre se deparam com algum mistério sobrenatural que no final se revela apenas uma tramoia criminosa de um verdadeiro mostro humano.


Inclusive em “Wandinha”, Poe é mais do que uma evidente fonte de inspiração para o autor e diretor Tim Burton, é também uma ilustre figura histórica que uma vez compusera o corpo discente da Academia Nunca Mais. Curiosamente, é nesta série que Burton trabalha elementos investigativos e sobrenaturais, algo que não chegou a fazer quando dirigiu os dois longas da franquia Batman em 1989 e 1992, um terreno extremamente fértil para isso.

Mas não é para falar do estrondoso sucesso da produção protagonizada pela primogênita de Gomez e Mortícia Addams que esse texto foi escrito. Na verdade é para discorrer sobre “O Pálido Olho Azul” (The Pale Blue Eye, 2022), recente lançamento em longa-metragem da já mencionada plataforma de streaming Netflix, na qual o roteirista e diretor Scott Cooper (de“Hostis”, 2017) adapta não uma obra de Poe, mas o livro do escritor Louis Bayard de mesmo nome publicado em 2006.

Na trama, o detetive aposentado Augustus Landor (Christian Bale, vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por “O Vencedor” e, claro, o Batman da trilogia de Christopher Nolan) é chamado para investigar uma misteriosa morte na Academia Militar de West Point e recruta como assistente o jovem cadete Edgar Allan Poe (Harry Melling, o primo Duda Dursley da franquia “Harry Potter” e do recente“O Diabo de Cada Dia” ).


Durante as pouco mais de duas horas de projeção, somos brindados com uma verdadeira obra-prima da sétima arte, na qual todos os componentes servem à narrativa, desde à ambientação na gélida e invernal paisagem do interior de Nova Iorque até à trilha que, mesmo não sendo intensamente marcante, cumpre o propósito de guiar e envolver cada cena. Ambos cortesia do diretor de fotografia Masanobu Takayanagi (de “O Canto do Cisne”, 2021) e do compositor Howard Shore (da trilogia "O Senhor dos Anéis”, 2001-2003).

O elenco bem afiado entrega excelentes atuações, embora possam parecer ora exageradas (Gillian Anderson, de“The Crown”), ora extremamente contidas (Harry Lawtey, de “Carta ao Rei”), e às vezes até mesmo apáticas (o próprio Bale e Lucy Boynton, de “Bohemian Rhapsody”). Mas, na verdade, o que é apresentado são interpretações devidamente caracterizadas nas quais os atores incorporam de maneira praticamente teatral e orgânica os arquétipos de seus personagens. Dessa forma, o que parece excessivo ou deficiente é na prática uma composição de caráter que traz à tona o mais profundo da personalidade de cada personagem. E isso não apenas pelos intérpretes já citados, mas também pelos demais membros do elenco que ainda conta com Tobey Jones (de “Capitão América – O Primeiro Vingador”, 2011), Timothy Spall (da franquia “Harry Potter”), Charlotte Gainsbourg (de “Samba”, 2014), Simon McBurney (de “Invocação do Mal 2”, 2016) e o veteraníssimo Robert Duvall (do recente “Arremessando Alto”, 2022).


A trama é muito bem conduzida pelo texto de Cooper e tanto os elementos narrativos quanto visuais ajudam a evocar uma perfeita ambientação de época e referências muito bem trabalhadas à obra de Poe. Entretanto, não se trata de uma adaptação da obra deste autor, por isso pode parecer em alguns momentos que falta algo que lembre seus escritos, como a suspeita da ação de forças sobrenaturais, por exemplo. Certamente trata-se de uma escolha narrativa tanto para manter um senso de fidelidade ao material original quanto para criar uma identidade próprio para o trabalho do cineasta. Há momentos em que o andamento parece se estagnar criando a famigerada “barriga”, mas se trata realmente de uma maneira irônica e pouco convencional de aludir ao senso de urgência dos personagens na tentativa de solucionarem o mistério. Além disso, o tempo é muito bem aproveitado para conhecermos mais sobre cada um e também tentarmos descobrir e entender as pistas para a solução do caso. Aliás, a condução da narrativa se revela fazer muito sentido ao recebermos um final bem mais surpreendente do que poderia se esperar de uma produção como esta.

O visual é impactante e cativante. Tanto os cenários externos quanto os internos transmitem a devida sensação de frieza e escuridão necessárias ao entendimento da história. O figurino e a maquiagem também cumprem muito bem seu papel de reproduzirem a década de 1830, com destaque mais que merecido a Harry Melling que parece uma reencarnação do próprio Edgar Allan Poe. Ou melhor, o próprio Poe retirado de sua linha temporal para participar da película. Tudo resultado da harmoniosa combinação do trabalho de Troy Sizemore (Direção de Arte), Kasia Walicka Maimone (Figurino), Autumn Butler (Supervisão de Maquiagem) e do já citado Masanobu Takayanagi (Direção de Fotografia).

“O Pálido Olho Azul” é sem dúvida uma experiência inesquecível que vale a pena ser vivenciada. Obviamente, entretanto, como toda abordagem não convencional pode resultar no grupo dos que amam e naquele dos que odeiam. Afinal, não há qualquer obra que agrade a todos, seja pela qualidade, seja pela forma como é apresentada, então não há como evitar correr o risco. Apenas desfrutem.



Antonio Carlos Lemos gosta de apreciar uma boa trama de mistério enquanto degusta um saboroso amontilado na companhia de seu gato preto Nuncamais.


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