A segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder trouxe de volta os espectadores à Terra-média, com a promessa de aprofundar a mitologia tolkieniana e entregar mais emoção. No entanto, apesar dos esforços visuais, seria essa a Terra-média de Tolkien?
Para responder esta pergunta, preciso levar em consideração que a série, ao se aventurar em narrativas inéditas e expandir o universo tolkieniano, acabou caindo naquilo que eu denominei como "teoria do vale da infidelidade adaptativa", ao não retratar de forma fidedigna o material original de J.R.R. Tolkien.
A teoria do "vale da infidelidade adaptativa" tenta descrever a sensação de desconforto e frustração que o público sente quando uma adaptação se afasta significativamente do material original. É como se houvesse uma distância ideal entre a fidelidade e a liberdade artística, e quando essa distância é ultrapassada, o público percebe uma espécie de "traição" à obra que ama.
O cinema e a televisão possuem linguagens visuais e narrativas próprias, diferentes da literatura. Adaptar uma obra literária significa traduzir uma experiência predominantemente textual para uma experiência audiovisual, o que exige escolhas e adaptações que podem não agradar a todos. O público que ama uma obra literária carrega consigo expectativas e interpretações próprias. Quando uma adaptação não atende a essas expectativas, a sensação de traição é inevitável. A necessidade de agradar a um público amplo e a pressão comercial podem levar os criadores a fazerem escolhas que comprometam a fidelidade ao material original em prol de um produto mais comercialmente viável. Daí advém a teoria do "vale da infidelidade adaptativa", proposta pelo autor desta crítica.
À luz da teoria do "vale da infidelidade adaptativa", a série "Os Anéis de Poder" demonstra um afastamento considerável do cânone tolkieniano. Ao tomar liberdades criativas que geram desconforto nos fãs mais conhecedores da obra do Professor, a adaptação distancia-se da experiência proporcionada pelos livros. A Terra-média visualmente rica da série, embora esteticamente impecável, não reflete a mesma Terra-média imaginada por Tolkien.
A série, ao buscar expandir o universo tolkieniano, tomou liberdades criativas consideráveis, introduzindo novos personagens, tramas e elementos mágicos que apenas criaram inconsistências, tanto com os livros como com os filmes das duas trilogias de Peter Jackson. Vale ressaltar que, O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder faz um esforço hercúleo para criar relações entre o que vemos na Segunda Era da Terra-média com o que nos é apresentado na Terceira Era, nos longas-metragem de O Senhor dos Anéis, lançados entre 2001 e 2003, e O Hobbit, as prequelas de 2012 à 2014. Acredito que tais relações mais atrapalham do que conectam, visto que, se fosse um produto independente, não relacionado, ou que contasse a história de personagens, eventos e lugares desconhecidos do público, funcionaria melhor. Mesmo contando a mesma história.
Digo isso porque, de acordo com os textos de Tolkien, tanto nos publicados em vida, quanto os póstumos, existem muitos anéis de poder na Terra-média. O próprio Gandalf, interpretado por Ian McKellen em O Senhos dos Anéis: A Sociedade do Anel (2001), diz isso. Deste modo, a trama da série poderia contar uma história sobre outros anéis de poder, que não aqueles criados por Celebrimbor e que fazem parte da tradição dos anéis. Aqueles sobre os quais Sauron é o Senhor. Assim sendo, a série poderia continuar tendo o título que tem, sem interferir naquilo que foi determinado pelo criador da história, sem precisar condensar séculos da história de Arda em poucos dias, como acontece na série desde sua primeira temporada.
Gosto também de imaginar que personagens como Galadriel, interpretada por Morfydd Clark, poderia ser uma outra elfa, uma noldor que não está nos livros, já que a Filha de Finarfin apresentada na série não se parece com aquela mostrada na Segunda Era em O Silmarillion ou Os Contos Inacabados. Ela poderia ser a mesmícima personagem e se chamar, por exemplo, Silmarien, nome que foi criado por Tolkien e que consta nos apêndices de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (1955). Isso criaria menos debate e insatisfações entre o fandom tolkieniano.
Concluindo esta parte, referente ao roteiro e às escolhas da produção, a questão da fidelidade ao material original em adaptações é complexa e não tem uma resposta única. Enquanto a criatividade é fundamental para criar novas histórias e personagens, é preciso encontrar um equilíbrio entre a inovação e a preservação do espírito da obra original.
Outra dificuldade que tive nesta segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder foi me conectar emocionalmente com alguns personagens. Não por culpa exclusiva do texto, mas também das interpretações dos atores. Enquanto alguns entregaram performances sólidas e memoráveis, outros pareceram perdidos em meio à grandiosidade da produção. A falta de desenvolvimento de alguns dos elementos secundários, por exemplo, resultou em arcos narrativos pouco envolventes e que não contribuíram significativamente para a trama principal.
A química entre os atores também foi um ponto questionável. Em algumas cenas, a interação entre os personagens parecia forçada e pouco natural, como a lamentável interação entre Maxim Baldry e Nia Towle, como Isildur e Estrid, respectivamente, o que prejudicou a credibilidade das relações estabelecidas. A ausência de uma conexão mais profunda entre os personagens principais e secundários dificultou a imersão na história. A série recorreu a estereótipos e clichês, o que limitou a profundidade dos personagens e da narrativa.
No que diz respeito às interpretações, a performance de Morfydd Clark, embora tecnicamente competente, foi unidimensional e carente de nuances. A personagem, muitas vezes, foi retratada como uma caricatura de si mesma, com uma obsessão excessiva por vingança que obscureceu sua complexidade. A falta de evolução do personagem ao longo da temporada também foi um ponto negativo.
Robert Aramayo, assim como Clark, entregou uma performance correta, mas sem brilho. Elrond, um personagem fundamental na mitologia tolkieniana, foi retratado de forma bastante genérica, sem as camadas de sabedoria e complexidade que o caracterizam nos livros. Sua química com Galadriel, embora importante para a trama, também deixou a desejar em termos de profundidade emocional. Uma interação, no mínimo , incorreta em relação às duas personagens, foi um dos momentos mais constrangedores de todas as adaptações da obra do Professor em todos os tempos. Por mais que o ato praticado seja "explicável", o modo como foi filmado e atuado me causou um incômodo tremendo.
A Rainha Míriel foi interpretada por Cynthia Addai-Robinson. A personagem, embora importante para a trama, foi subutilizada. Addai-Robinson entregou uma performance competente, mas a rainha Míriel merecia um desenvolvimento mais aprofundado, mas a personagem teve pouco tempo de tela.
Daniel Weyman e Ciarán Hinds acabaram sendo "vítimas" do roteiro. Como "O Estranho" e o "Mago Sombrio", ambos acabaram sendo desperdiçados como os, tão esperados, Magos Azuis da Terra-média, para serem mal aproveitados como versões "originais" de personagens que já conhecemos dos filmes de Peter Jackson ao final da série. Weyman até mandou bem, como o "Grande-Elfo", mas Hinds ficou caricato demais para um ator com sua experiência e expertise. Uma lástima.
Mas, a maior interação da série, e aquela que mais esperei ver bem retratada na série, era a que acontece entre Celebrimbor e Annatar, o mais notável ferreiro élfico da Terra-média, e o disfarçado Senhor do Escuro, respectivamente. Charles Edwards defendeu o papel de Celebrimbor, e sua interpretação, foi um dos pontos mais baixos da série. O ator não conseguiu transmitir a ambição e a complexidade do personagem dos livros. Emasculado, frágil e boboca demais, nem de longe se parecia com a personagem criada por J. R. R. Tolkien.
Já Charlie Vickers, como Sauron, entregou uma performance interessante, mas a caracterização do personagem foi bastante controversa. Sua aparência física e sua atuação, em alguns momentos, lembravam mais um vilão genérico de filme de terror do que o temível Lorde das Trevas da mitologia tolkieniana.
O restante é indigno de nota, pois, se não foram dispensáveis, replicaram o que já tinha sido mostrado na primeira temporada, como foi o caso de Owain Arthur, como Durin IV, e Sophia Nomvete, como a dispensável Princesa Disa. Não irei comentar o arco dos Grados — que mais se pareciam com cracudos —, porque isso foi a coisa mais desrespetosa que eu já vi sobre os hobbits. E, veja bem, já ouvi piadinhas suficientes sobre a sexualidade de Frodo e Sam... Sacou?
Amelia Kenworthy (abaixo), como a elfa Mirdania, e Rory Kinnear, como Tom Bombadil foram as mais gratas surpresas da temporada. Mas não foram o suficiente para salvá-la.
A segunda temporada de "Os Anéis de Poder" apresentou um elenco talentoso, mas que não conseguiu entregar o nível de performance esperado pelos fãs por culpa do roteiro e da direção dos episódios. A falta de desenvolvimento dos personagens e a distância em relação ao material original foram os culpados pela tragédia.
Os showrunners de "Os Anéis de Poder", Patrick McKay e John D. Payne, falharam em entregar uma adaptação fiel e emocionante das obras de Tolkien. A falta de respeito pelo material original, a narrativa fragmentada e o desenvolvimento superficial dos personagens são apenas alguns dos problemas que a série enfrenta. Espero, com expectativa, pelo cancelamento desta coisa hedionda.
Marlo George assistiu, escreveu e a meia poltrona atribuída à temporada vai pro Tom Bombadil e Mirdania
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