Durante muitos anos, diversos rumores de projetos cinematográficos "ousados" circularam em Hollywood que, supostamente, teriam cineastas renomados envolvidos - geralmente, envolvendo clássicos da literatura e filmagem em primeira pessoa na mesma frase. Nenhum dessas ventilações chegaram às telonas, uma vez que nenhum produtor em sã consciência apostaria suas fichas e expertise num produto audiovisual tão arriscado e que pode não ter tamanha aderência por parte do público.
E aí, em pleno 2025 e temporada de premiações bombando, eis que "O Reformatório Nickel" chega direto em streaming no Brasil, após um breve circuito nas redes de cinemas dos Estados Unidos, arrecadando uma bilheteria pífia e praticamente sem campanha expressiva por parte da Amazon MGM Studios.
Na trama, - livremente baseada na obra de Colson Whitehead -, quando Elwood Curtis é um rapaz negro que cresceu em Tallahassee no auge dos protestos dos anos 1960, e acaba sendo injustamente condenado a um reformatório juvenil, onde se vê preso não numa instituição de valores ou educação mas em algo que misturava os conceitos de prisão com áreas escravagistas de trabalho forçado. o que torna sua situação um pouco mais suportável é sua amizade - ou seria "cumplicidade"? - com o colega “delinquente” Turner. À medida que a vida no reformatório se torna cada vez mais perigosa, a tensão entre os ideais de Elwood e o ceticismo de Turner leva a uma decisão cujas repercussões ecoarão ao longo das décadas.
O formato traz a sensação de se estar na pele da dupla de protagonistas (sim, a audiência "vê" as agruras daquela incômoda situação por dois pontos de vistas diferentes e conflitantes) mas também deixa a narrativa um tanto cansativa de se acompanhar sem se perguntar que horas a exibição terminará ou quando acontecerá algo realmente interessante que justifique estar assistindo aquele circo de horrores.
Também abusa do estilo "over the shoulder" de filmagem (quando fotografa-se o protagonista da cena sempre de costas, representando que está no comando da situação representada no roteiro) - mas aí é menos estilístico do que narrativo, uma vez que essas cenas se passam no "futuro", quando o personagem principal já é adulto. Porém, como provavelmente foi realizado por um equipamento preso à cintura dos atores, cria um efeito meio "robótico" e "anti-natural", causando uma certa estranheza...
O roteiro de Joslyn Barnes (com participação do próprio Ross) busca inspirações tanto na parte documental do tema abordado, trazendo detalhes para que o espectador se situe cronologicamente - com citações à (poucas) canções da época, histórias em quadrinhos e a inevitável sombra do reverendo Martin Luther King Jr. (1929-1968) lutando contra o preconceito, figura "messiânica" (ou libertadora ao estilo de Moisés) digna da admiração de Elwood - mas também transmite bem o marasmo e a solidão de quem precisa trabalhar de forma exaustiva sem receber salário.
Hoje em dia, fala-se muito em "racismo estrutural" (presente em toda estrutura social, em que se acredita que toda pessoa afrodescendente seria, por si só, inferior) e "racismo institucional" (que seria resultado direto do "racismo estrutural" e praticado no convívio em instituições - e, por isso mesmo, não pode ser criminalizado judicialmente, uma vez que uma instituição não pratica crime mas, sim, pessoas e somente pessoas podem responder judicialmente e, com isso, torna-se um "fenômeno sociológico").
Os destaques do elenco são mesmo o trio principal. Ethan Herisse (da chocante minissérie "Olhos Que Condenam") entrega de forma factível toda a timidez, angústia e dúvidas do protagonista, com muita propriedade. Já Brandon Wilson (da série "Ray Donovan") traz à sua performance toda a malemolência que só tem "quem tá cansado de apanhar" - como diria o poeta -, mesmo que de uma forma meio "reta" de interpretação (mas isso é mais "culpa" do que o roteiro e a direção pedem do ator).
"O Reformatório Nickel" é um filme que conta uma história dolorida porém necessária mas através de um formato que afasta a audiência. Merece estar em premiações pelo esmero na produção entretanto teria se beneficiado de forma muito mais satisfatória se deixasse um pouco da "ousadia" de lado para trazer um pouco da narrativa mais tradicional - e um efetivo corte de uns bons quarenta minutos a menos. A ideia é boa, a história pede para ser contada mas o formato atrapalha a imersão do público, comprometendo parte do resultado. Assista e tire suas próprias conclusões.
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