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CRÍTICA [CINEMA] | "Sing Sing", por Kal J. Moon

Indicado a 3 Oscars, dirigido por Greg Kwedar, estrelado por Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San José, Paul Raci Mosi Eagle - dentre muitos outros -, o filme "Sing Sing" levou dois anos para ser lançado (era pra ter saído em 2023!) mas justifica a espera mostrando que, se há um pouquinho de luz, a escuridão nem pode ser chamada por esse nome...


Memórias do cárcere
"Você pode me acorrentar, você pode me torturar, pode até destruir o meu corpo, mas você nunca vai aprisionar a minha mente", reza a máxima de um grande pensador. Já o compositor brasileiro clama que a liberdade, qual uma águia, abra suas asas sobre "nós" ("amarras"?) e que a igualdade seja a linguagem proferida por toda criatura. Parece vazio - e até um tanto piegas - quando não se tem privação ou cerceamento do direito de ir e vir, quando tudo o que se faz na vida é trabalhar, talvez estudar, pagar boletos e, de vez em quando, gozar de algum momento de diversão. Porém, e quando se tem alma de artista?

Se não há como se expressar através de arte, essa "liberdade" pode ser bem parecida com a mais inóspita prisão, não? "Sing Sing" mostra que um improvável grupo de teatro formado por detentos da penitenciária que dá nome ao filme pode trazer mais do que somente algum momento fugaz de entretenimento. Pode trazer um pouco de liberdade, ainda que provisória, de seis em seis meses e transformar paredes frias e monótonas em outro mundo, melhor ou pior... Mas, definitivamente, diferente do dia a dia.

Na trama, um homem é preso injustamente e, com o tempo, descobre um novo propósito de vida ao participar de um grupo de teatro na prisão.


O roteiro da dupla Clint Bentley e do próprio Kwedar (ambos de "Do Outro Lado da Fronteira" e que concorrem ao Oscar 2025 na categoria de Melhor Roteiro Adaptado) - livremente inspirado numa curiosa história real, já contada no livro de John H. Richardson e na peça musical de Brent Buell - traz uma impressionante leveza que, para muitos, pode lembrar o clássico "Um Sonho de Liberdade", por conta do equilíbrio entre drama, reflexão e alguma comicidade. Mas "Sing Sing" não é uma mera cópia.

E, apesar de haver claramente uma dupla de protagonistas, há espaço para múltiplos personagens deixarem suas marcas em diferentes momentos da trama. O principal mérito desse roteiro é ter esse perfeito equilíbrio, não se tornando aquele óbvio exemplo de filme feito para concorrer a prêmios, com diversas cenas em que se vê uma grande atuação por parte do elenco, uma grande tomada que provavelmente será exibida durante as cerimônias de premiação mas em que o destaque, na verdade, é mais o objetivo do que contar uma boa história.

"Sing Sing" transpira honestidade. Os momentos reflexivos do personagem de Colman Domingo são válidos, uma vez que, diferente de diversos colegas do ergástulo, precisa provar sua inocência para rever sua família e recomeçar sua vida. Mas, curiosamente, sua passagem no encarceramento mudou a vida de muitos porém não a própria. 


A direção de Greg Kwedar é, talvez, a que mais merecesse uma indicação ao Oscar, por trazer aquele tipo de direcionamento mais "naturalista" de atuação, bem próximo do improviso - mas não se engane: há pouquíssimo improviso em cena, tudo é meticulosamente planejado para "parecer" espontâneo (e transmitir essa sensação através da performance de um grupo de pessoas é beeeeem difícil de alcançar sem soar exagerado ou cafona).

O destaque do elenco, claro, é Colman Domingo (que esteve no recente "Rustin" - chegou a ser indicado pelo papel, feito que repete por "Sing Sing"). A construção de sua personagem é a constante simpatia de alguém que tenta agradar a todo mundo mas, no fundo, algo o preocupa. É como uma velha panela de pressão que, se não for desligada a tempo, pode causar um grande estrago a qualquer instante.

Não à toa, seu personagem Divine G tem "divino" ("de deus") no nome e usa púrpura em quase toda a rodagem (púrpura, no estudo das cores, representa nobreza e sabedoria). Seu Divine G sabe que é bom no que faz - atuar, ajudar outros detentos a diminuírem suas penas - e quer ser reconhecido pelo que apresenta. Reparem na cena em que, num ensaio, o personagem declama o texto da peça teatral com uma "entrega" que, para olhos "não-treinados", soaria como uma grande atuação mas que, na verdade, exagerada, tentando dizer "olha o que eu sei fazer".


O que se vê em tela, nessa cena, é Colman Domingo propositalmente interpretando um ator amador atuando de forma expansiva para que achem que ele (o personagem) está arrasando - o ator (Colman) "erra" para mostrar o ator (Divine) achando que é superior naquele momento (e, isso, poltronautas, é ter pleno domínio de seu mister pois revela uma atuação entre camadas dramatúrgicas). Não seria estranho se, no Oscar, acabasse surpreendendo e levando o careca dourado para casa...

O restante do elenco está muito bem entrosado mas o outro óbvio destaque é mesmo Clarence Maclin, cujo personagem faz, a princípio, um oposto ao grupo mas que precisa se enturmar para que os ensaios sigam até que a peça finalmente esteja pronta para estrear. Ele traz a carga "real" de "eletricidade" necessária às cenas que participa e isso tem um motivo: Maclin fez parte da trupe de teatro que deu origem ao livro e ao filme, assim como diversos membros do elenco.

Essa "naturalidade" relatada acima também é mérito da direção e da composição "sensorial" de Maclin, que não parece estar atuando mas, sim, existindo. A cena em que seu personagem chama Divine G daquela palavra começada por "N" em tom de ameaça, sendo cortada, logo em seguida, por Divine, dizendo que não usavam aquela palavra ali mas, sim, "amados", e sua imediata contra-reação desconcertada mas que não quer dar o braço a torcer, é cinema "puro" e cristalino!


Outro aspecto notório do filme é sua direção de fotografia de Pat Scola (do visualmente interessante "Pig - A Vingança"), que mistura o estilo "câmera na mão" para os momentos mais "energéticos" de naturalidade dos ensaios teatrais com tomadas puramente cromáticas (púrpura, vermelho, amarelo), além de transmitir a tal reflexão e o "banzo" da solidão - repare na cena em que um pequeno pássaro aparece parado, singelo, com as patas sobre o arame farpado das cercas da prisão, mostrando uma triste  poesia visual...

O último destaque vai para a lindíssima canção "Like a Bird" (interpretada por Abraham Alexander & Adrian Quesada), falando da tal liberdade de alguém que não se sente assim pois perdeu os motivos para tal. Uma grande indicação ao Oscar 2025 de Melhor Canção Original.

Ao final de "Sing Sing", a sensação é de que os temas apresentados no filme foram satisfatoriamente explorados, numa produção que traz uma muito bem-vinda reflexão e alguns momentos de esperança na evolução do ser humano. Afinal de contas, "Ideias são à prova de balas", já dizia a frase de efeito de um filme ruim - e podem arrebentar as mais fortes correntes (mesmo para quem não está "sob o olhar sanguinário do vigia"). Assista, reflita e liberte-se.




Kal J. Moon acha que "prisão" é só um rótulo, que pode ser usado em diversos estágios da vida. Mas a arte liberta de todos eles...

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